Márcia de Chiara, Lucas Agrela / O Estado de S. Paulo
Embora varejo esteja mais exposto, empresas do agro, da indústria e de serviços também pedem ajuda
Vencimento de dívidas renegociadas,
inflação alta e consumo fraco fizeram 92 empresas recorrerem à Justiça em
janeiro, incluindo Americanas e Oi.
A onda de recuperação judicial esperada
para 2020, por causa das restrições da pandemia, chegou com quase três anos de
atraso. Nos últimos meses, as empresas tiveram de conviver tanto com o fim dos
programas governamentais e o vencimento de dívidas renegociadas no passado
pelos bancos quanto com juros altos (Selic de 13,75%, a maior desde 2017),
inflação pressionada e consumo fraco.
Nesse cenário, companhias recorrem à
Justiça para ganhar tempo, arrumar a casa e preservar o negócio. Em janeiro, o
volume de recuperações judiciais requeridas foi o maior para o mês em três
anos, segundo dados da Serasa Experian. E a perspectiva, segundo consultorias,
é que haja um boom de pedidos de recuperação e de falências no primeiro
quadrimestre.
Pesos-pesados do mercado e empresas
tradicionais deram mostras de esgotamento financeiro. A Oi, que saiu da
recuperação judicial em dezembro, fez um pedido de tutela à Justiça que indica
uma segunda recuperação para honrar as dívidas da primeira. A DOK Calçados,
dona da Ortopé, entrou com o pedido de proteção judicial contra seus credores.
Já a Pan, de chocolates, e a Livraria
Cultura não resistiram e foram à falência (no caso da Cultura, revertida
mediante liminar na semana passada). Além disso, a Americanas, em um caso
particular de problemas nos balanços, também entrou com pedido de recuperação
judicial. A Marisa, do setor de vestuário, optou por reescalonar a dívida de R$
600 milhões fora do âmbito judicial.
Pelos dados da Serasa, 92 companhias pediram ajuda da Justiça para adiar o pagamento de dívidas em janeiro, segundo o levantamento da Serasa Experian obtido com exclusividade pelo Estadão. A alta é de 37,3% ante janeiro de 2022 e de quase 90% ante janeiro de 2021.
Além do grande volume de pedidos, chama a
atenção nos resultados o aumento da fatia de companhias de grande porte que
solicitaram recuperação judicial neste começo de ano.
Apesar de as micro e as pequenas serem
maioria, com dois terços dos pedidos, no mês passado, 15 companhias de grande
porte recorreram a esse instrumento jurídico. É quase triplo do ano anterior.
“Quando vemos as grandes empresas tendo problemas, está feia a coisa”, diz Luiz
Rabi, economista da Serasa Experian, responsável pelo levantamento.
RECORDE. Os sinais de estrangulamento
financeiro das empresas começaram a surgir no final de 2022. O ano se encerrou
com 6,4 milhões de companhias inadimplentes, um recorde desde que a Serasa
iniciou o levantamento, em março de 2016.
Rabi observa que, quando a inflação anual
ultrapassou 10% no final de 2021, cresceu a inadimplência tanto do consumidor
quanto das empresas. De lá para cá, esses volumes só aumentaram. “Uma
inadimplência (pessoa física) puxa outra (pessoa jurídica)”, diz.
Companhias no vermelho
6,4 milhões terminaram 2022 inadimplentes,
o maior número desde o início do estudo, em 2016
Em meio ao estrangulamento financeiro das
companhias iniciado na pandemia e agravado pela alta no calote de consumidores,
cresce entre as empresas a busca por reestruturação. Consultorias como a
Corporate Consulting e a Siegen, especializadas em reestruturar empresas,
relatam um salto na demanda.
“Era algo previsível”, afirma Osana
Mendonça, sócia de reestruturação judicial da consultoria KPMG, que espera um
boom de recuperações judiciais, especialmente depois do carnaval.
Ela lembra o efeito cascata que deve
ocorrer no mercado com os pedidos de grandes empresas, que acabam afetando
também a situação financeira dos credores, geralmente outras companhias.
Com a crise sanitária, muitos negócios
fecharam as portas. O governo injetou recursos na economia por meio de linhas
especiais de crédito para atenuar as restrições. “As empresas se aguentaram em
cima de dinheiro novo, que inibiu grande volume de demissões, recuperações
judiciais e retardou o movimento falimentar por quase dois anos”, observa Luiz
Alberto de Paiva, sócio-fundador da Corporate Consulting. Foram dois anos com
os bancos repactuando créditos, advogados segurando processos de execução, além
das mudanças na lei falimentar por conta da pandemia, mas o quadro se
deteriorou.
Atualmente com juros nas alturas, a
aprovação de novos financiamentos está mais difícil e mais cara. Além disso, a
inflação se mantém em níveis elevados. Esse cenário pressiona custos das
empresas, que, ao mesmo tempo, veem as expectativas de melhora da economia e
das vendas não se confirmarem.
Paiva conta que as empresas não estão
conseguindo rolar as dívidas e buscam alternativas, como a negociação amigável,
a recuperação extrajudicial e a recuperação judicial. Sua consultoria hoje
conduz a reestruturação financeira de quase 40 grupos econômicos de médio porte
que somam uma dívida de R$ 3,5 bilhões. Antes da pandemia, ele tocava, em
média, sete ou oito reestruturações por mês.
“Acredito num pico de pedidos de
recuperação judicial no primeiro quadrimestre. Depois, deve apaziguar”, afirma
Paiva.
O trabalho também cresceu na Siegen, que em
janeiro recebeu consultas de 30 empresas de médio porte em dificuldades
financeiras. As dívidas dessas companhias somam R$ 1 bilhão.
A consulta é feita para avaliar a
possibilidade de reestruturação e a viabilidade de pedir recuperação judicial.
Desde 2019, a empresa não recebia um volume tão alto de consultas num único
mês, observa Fabio Astrauskas, sócio da consultoria.
No momento, a Siegen reestrutura 15
empresas em recuperação judicial. Uma é do Grupo Raiola, uma marca de azeitonas
e conservas que entrou em recuperação judicial em fevereiro, com dívidas
bancárias de cerca de R$ 50 milhões. Astrauskas explica que a companhia teve
aumento da despesa financeira por causa da alta dos juros e do custo da
azeitona, importada, e não conseguiu repassá-lo porque o consumo está em queda.
“A recuperação judicial foi o caminho mais indicado”, diz.
Astrauskas projeta mil pedidos de
recuperação judicial este ano, nível semelhante ao de 2020 (1.179). Em 2022,
foram 833 e no ano anterior, 891, de acordo com a Serasa Experian.
SETORES EM MAIOR RISCO.
Apesar de o varejo
ser o segmento mais exposto, empresas do agronegócio, da indústria e de
serviços buscam ajuda ou para se reestruturar ou pedir recuperação judicial,
diz Astrauskas.
“A procura por reestruturação de dívida
está muito grande por empresas do varejo e é o segmento que está sofrendo
mais”, afirma Cinthia de Lamore, sócia da área de reestruturação e insolvências
do escritório de advocacia Cescon Barrieu. O escritório tem atendido
especialmente credores – bancos e fornecedores – que tiveram os recebimento de
créditos adiados por conta da recuperação judicial de clientes.
Aracy Barbara, sócia do VBD Advogados e
especialista em contratos e recuperação judicial, afirma que os problemas
financeiros das empresas podem ter se arrastado por anos. “A maioria das
recuperações judiciais neste começo de ano não é só de agora. Há empresas que
têm problemas desde antes da pandemia, talvez até desde 2015”, diz.
João Coronel, diretor de crédito do Banco
Fator, afirma que o aumento da taxa Selic nos últimos anos fez crescer
brutalmente o custo do crédito das empresas. “Pode ter dobrado, triplicado ou
quadruplicado”, diz.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS.
A Lojas Marisa
disse, em nota, que “decidiu iniciar a renegociação de seu endividamento
bancário para obter uma melhor liquidez de sua posição de caixa”. “Do lado da
companhia e de seus acionistas de controle, temos um histórico de bom
relacionamento com o mercado e, do lado dos bancos, há boa vontade em se chegar
a bom termo”, afirmou.
A Americanas disse, em nota, que continua
funcionando normalmente “ao mesmo tempo em que trabalha na construção de seu
plano de recuperação” e que “soma mais de 40 mil colaboradores em todos os
Estados do País e reitera que se mantém comprometida com a transparência e as
obrigações trabalhistas, como prevê a legislação”.
Procuradas, Oi, Raiola e DOK Calçados não comentaram seus pedidos de recuperação judicial. Pan e Livraria Cultura também não se pronunciaram.
Estagnação econômica decorrente demanda fraca, desemprego, baixos salários e juros elevados, que precisam diminuir para mínimo de retomada do crescimento.
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