O Globo
Nada blinda o governante que aponta ungidos
para a Corte com base em preferências pessoais de se frustrar
Muito se reclama de politização do Supremo
Tribunal Federal (STF), de excesso de ativismo da Corte máxima ou,
frequentemente, da mudança de maiorias conforme sopre o vento da política.
Esquece-se nessas críticas, repetidas com sinal trocado a cada mudança da
guarda do grupo que está no poder, que grande parte desses “defeitos” é
decorrência justamente da forma como são feitas as indicações dos ministros.
Com a aproximação da aposentadoria de Ricardo Lewandowski, o jogo de interesses que se impõe à corrida pela cadeira mostra a repetição de antigos vícios que, quando determinam a escolha, levarão, forçosamente, à repetição dos efeitos tão condenados. O presidente Lula está bastante inclinado a indicar para o lugar de Lewandowski — cuja própria nomeação foi creditada, à época, em parte à proximidade com a família do petista — alguém que seja de sua absoluta confiança, cuja fidelidade esteja acima de qualquer suspeita.
A propensão decorre do fato de escolhas
feitas por ele no passado com base noutros critérios (técnicos, de
representatividade social ou partidários) terem se mostrado pouco leais em
momentos-chave para Lula e para o PT, como no julgamento do mensalão, em 2012,
e nas ações derivadas da Operação Lava-Jato, a partir de 2015.
Nesse teste de fidelidade, ninguém reúne
mais pontos que Cristiano Zanin, cuja obstinação é a qualidade mais exaltada
pelos que defendem seu nome ou pelos que entendem que será ele o escolhido por
Lula. Os que torcem o nariz para o ingresso do criminalista que defendeu o
presidente na Lava-Jato e nunca desistiu de anular todas as imputações contra
ele alegam que lhe falta currículo mais robusto em termos de saber jurídico e
que a área penal é apenas uma das que estão na órbita do Supremo, cuja
atribuição precípua é constitucional.
Seguir o critério da proximidade não será
inédito. Foi ele que levou Jair Bolsonaro a designar André Mendonça em sua
segunda nomeação. Ou que ditou a opção por Dias Toffoli — e, nesse caso, o
afastamento entre ele e Lula mostra que mesmo os “unha e carne” podem se
desgarrar diante de algumas decisões impostas pela judicatura.
Se fossem ouvidos, os ministros do STF
prefeririam ter um egresso do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no lugar de
Lewandowski. Justamente porque a outra Corte superior lida com um leque de
questões quase tão amplo quanto o que chega à instância máxima da Justiça, com
semelhante volume de demandas. Mas nada indica que será esse o caminho seguido
por Lula, que sempre aponta a aliados a demora do STJ (maior que a do próprio
Supremo) em se descolar da Lava-Jato.
Há, por fim, uma campanha quase tão
discreta quanto a própria presidente do STF feita por Rosa Weber por mais uma
mulher entre os 11 ministros. Ela gostaria de encerrar sua passagem pela Corte
e pela presidência com a composição mais feminina da História, com três
ministras concomitantemente. Mas, de novo, não parece ser esse o vetor a pautar
a escolha de Lula agora.
Isso colocará sobre ele praticamente a
obrigação de encontrar uma mulher para substituir Rosa em outubro, sob pena de
ser um presidente ligado aos movimentos progressistas que levaria à redução da
representatividade de gênero em vez de ao aumento — um sinal contrário àquele
que deu na composição de seu próprio ministério.
Diante de tantas variáveis nada jurídicas,
a chance de que o STF resultante desses critérios continue a ser tachado de
“ativista” e volúvel de acordo com os ventos da política é enorme. Assim como
nada blinda o governante que aponta os ungidos com base em preferências
pessoais de se frustrar lá na frente e de passar a enxergar o Judiciário como o
inimigo a ser combatido.
Pois é.
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