Folha de S. Paulo
Programa talvez comece em março, mas ainda
há dúvidas sobre como vai funcionar
Na semana que vem, Luiz Inácio Lula da
Silva deve receber um projeto
do Desenrola, o programa que tem como objetivo diminuir o valor de dívidas de
pessoas inadimplentes, "negativadas" ou, como se dizia em
tempos incorretos, "com o nome sujo na praça".
Como pode funcionar? Falta saber de
detalhes práticos, ainda indefinidos ou sobre os quais gente do governo e de
bancos não fala.
O programa vai permitir que endividados
renegociem seus débitos, por sua conta? Não é bem assim.
Para entender o jeitão da coisa, considere-se a seguinte hipótese genérica. Bancos, varejistas e empresas de água, luz, telefone ou internet, por exemplo, têm dívidas atrasadas a receber de seus clientes (três quartos das dívidas atrasadas estão fora dos bancos, diz o governo).
Suponha-se que tais empresas decidam vender
o direito de receber essas dívidas. Outra instituição, um banco, poderia
comprá-las: seria assim o novo credor da pessoa endividada.
Como tais dívidas são de difícil
recebimento (há grande risco de calote), o banco apenas aceita comprá-las se
tiver desconto. Digamos que uma empresa de eletricidade tenha uma dívida
atrasada a receber de R$ 1.000 de um cliente. O banco apenas aceitaria comprar
essa dívida e ficar com esse cliente, ser seu novo credor, se pudesse pagar,
digamos, R$ 250 para a empresa de eletricidade, um desconto de 75%. Nesse
exemplo imaginário, o banco talvez estime que consiga cobrar R$ 300, mais
juros, mas por sua conta e risco.
O Desenrola seria um sistema de vendas de
milhões de dívidas, em uma espécie de leilão. O desconto na venda da dívida
seria inteiramente repassado ao devedor. É preciso dar desconto; quem der mais,
faz mais negócio.
O sistema do Desenrola seria um "portal"
em que credores e bancos negociariam essas dívidas. Ali também devedores
poderiam manifestar seu interesse de mudar de credor (ter desconto). Como o
fariam? Faltam informações.
Uma grande loja, poderia vender uma
carteira de créditos podres (um conjunto de dívidas de seus clientes
inadimplentes). Mas como um cidadão devedor pode manifestar seu interesse e
conseguir que vendam sua dívida em particular (talvez dívidas com várias
empresas), a fim de "limpar seu nome"? E se a empresa credora não
quiser vender seu crédito ou o banco não quiser comprar?
Qual a vantagem de quem compra a dívida,
bancos? A garantia do governo. Isto é, se o devedor deixar de pagar, um fundo
com dinheiro público cobre o calote (do principal, mas não dos juros). Qual
fundo garantidor? Ainda não está certo.
Como o banco tem a garantia de que vai ser
ressarcido de eventual calote do principal, pode cobrar taxas de juros menores.
Qual taxa de juros? Ainda não se sabe como vai ser definida (ou não contaram a
esse jornalista).
Qual o valor total de dívida que poderá ser
negociada nesse leilão? Depende da quantidade de dinheiro nesse fundo
garantidor, o que vai cobrir os calotes, e dos descontos.
Economistas do governo dizem que o fundo
não pode ter mais de R$ 10 bilhões. Há gente no governo que quer R$ 20 bilhões.
Cada real de calote que venha a ser coberto pelo fundo entra na conta do
déficit e, pois, no aumento da dívida.
Se o fundo de cobertura de calotes tiver R$
10 bilhões, o total de dívida que pode vir a ser comprada será de R$ 10 bilhões
(já considerado o desconto). Ou seja, se o desconto geral for de 50%, é
possível negociar dívidas que hoje valem, nominalmente, R$ 20 bilhões.
Segundo o governo, 50 milhões de pessoas
têm dívidas atrasadas no valor de R$ 60 bilhões (a inadimplência total é de
mais de R$ 300 bilhões). Logo, "não vai dar para todo mundo".
Quem poderia entrar no Desenrola? Quem
ganha até dois salários mínimos, com dívidas atrasadas por mais de 180 dias, no
total de até R$ 5 mil por cabeça. Quem sabe microempresas possam entrar, assim
como quem fez empréstimo consignado no âmbito do Auxílio
Brasil.
Lula e "políticos" querem incluir
mais gente (seria necessário mais dinheiro). Além dessa definição, é preciso
saber como o sistema do "portal" vai funcionar na prática, com dados
de devedores e ofertas de negócio.
Excelente o questionamento.
ResponderExcluir"Se o fundo de cobertura de calotes tiver R$ 10 bilhões, o total de dívida que pode vir a ser comprada será de R$ 10 bilhões (já considerado o desconto). Ou seja, se o desconto geral for de 50%, é possível negociar dívidas que hoje valem, nominalmente, R$ 20 bilhões."
ResponderExcluirBobagem, Vi.
Dez bi podem garantir muito mais do q 20bi com desconto de 50%. Na verdade, 10 bi podem garantir muito mais do q os valores citados, independente do desconto.
Veja, só pra dar um exemplo, um banco pode emprestar muito, muito mais do q seu capital. Claro. E se o banco usa dinheiro de terceiros, mais ainda.
O fundo de 10 bi pode alavancar operações de resgate muitíssimo superiores aos 10bi.
Seu comentário, se de boa fé, demonstra muita ignorância.
Imaginem o Vi comprando dívidas. Tem um inadimplente devendo 100$. Vi não compraria essa divida por 100$, claro q não. Pediria uma desagio, um desconto. Comprar dívida de 100$ pelos mesmos 100$ é burrice, Vi.
E o capital é de 10 bi INICIAIS. A dívida de 100$ q Vi comprou por, digamos, 70$, volta ao caixa do fundo por 70 mais encargos (se pactuados - Vi disse acima q isso nao tá definido), 70$ estes q podem comprar mais dívidas. Em outras palavras, 10bi podem e serão alavancados.
Pô, Vi!
Brasileiro adora fazer dívidas.
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