quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Vinicius Torres Freire - Pano quente na querela dos juros

Folha de S. Paulo

Moderação pode evitar degeneração maior e dar a quase todo mundo um tico de satisfação de seus interesses

Gente graúda tenta baixar a fervura da querela das taxas de juros. Ministros, banqueiros, financistas.

Vai se chegar a um "acordo" sobre juros? Não, as coisas não funcionam assim e não é disso que se trata. Mas a moderação pode tirar pequenas gorduras das taxas de mercado, evitar degeneração maior do sururu e dar a quase todo mundo um tico de satisfação de seus interesses.

Enfim, Lula marcou seus pontos políticos, indicam as primeiras pesquisas. Custaram caro, desnecessariamente (juros mais altos). Resta saber se o presidente vai se dar por satisfeito.

As taxas de juros não vão cair no gogó ou no grito. Neste caso, se trata aqui das taxas de juros no mercado de atacadão de dinheiro.

Banco Central determina a Selic, a taxa dos negócios de curtíssimo prazo (um dia) entre bancos, por meio de venda e compra de títulos públicos (ou operações assemelhadas), de acordo com a meta que define (em reuniões periódicas do Copom), ora em 13,75% ao ano.

A Selic influencia, mas não determina, as taxas para outros prazos no mercado financeiro, os "pisos" de todos os juros (de crediário ao mercado de capitais, passando por capital de giro e financiamento de casa), grosso modo as taxas cobradas de empréstimos para o governo deficitário.

O BC define sua meta para o nível da Selic a depender de sua projeção para a inflação, uma taxa suficiente, julga ou calcula, para levar a inflação (o IPCA) para a meta. Essa projeção de inflação depende, grosso modo, de:

De expectativas de inflação;

Da folga de recursos produtivos na economia (capital e trabalho. Escassez, empresas com muita utilização de sua capacidade ou desemprego muito baixo, o que tende a pressionar preços);

De inércia (o peso da inflação passada, indexação).

Expectativas de inflação de quem? No caso do BC do Brasil, de médias de uma centena de previsões que recolhe semanalmente, em geral elaboradas por "economistas de mercado", expectativa em alta faz uns dois meses, ora em 5,7% para os próximos 12 meses.

O Ibre/FGV faz também um levantamento de expectativas inflacionárias de consumidores, ora caindo, mas em 8,6% (a variação dessa expectativa parece muito correlacionada com a inflação presente).

As expectativas "de mercado" são resultado, nos bons casos, de cálculos e algum arbítrio, baseadas em estimativas econômicas, dados da conjuntura e do passado.

"Acertam" a inflação? Não, em geral estão erradas, até porque a publicação da expectativa mediana de inflação influencia o futuro; porque os modelos de previsão são, para dizer o mínimo, imprecisos; porque há choques (variações relevantes e inesperadas, como guerra ou seca).

O aumento sem limite da dívida do governo (déficits contínuos e grandes) influencia essas expectativas. O gasto influencia o ritmo da economia; o tamanho da dívida influencia o preço, juros, dos empréstimos e também a propensão de manter dinheiro e outros haveres em reais.

A expectativa de inflação influencia a inflação futura por vários canais, embora haja controvérsias a respeito de quanto e como. Certa ou não, faz parte do preço que os donos do dinheiro vão cobrar: para emprestar e para manter seus ativos em reais (a taxa de câmbio, o "preço do dólar").

Taxas básicas de juros baixas demais (quão baixas é motivo de debate) facilitam a inflação, em si mesmas. Ainda mais se ajudam a deteriorar as expectativas.

Talvez exista um outro sistema de política monetária, que leve os detentores de dinheiro no cabresto (os melhores críticos heterodoxos não apresentam detalhes de seu sistema). Gambiarras no modelo atual e gogó vão ter influência mínima em juros e, menos ainda, em crescimento, mesmo no curto prazo.

 

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