Folha de S. Paulo
País tem duas correntes antipolítica, e
ambas se baseiam no horror
Mesmo depois das Trevas
Bolsonaristas, última etapa da fase de devastação da vida pública
nacional que foi motivada por uma enorme onda de sentimento antipolítica, há
ainda quem realmente considere que o desprezo pela política é coisa muito
sofisticada e nitidamente superior.
Mas não foi o antipetismo o
combustível do ciclo de autodestruição que estará completando uma década este
ano e que alimentou as várias camadas de crise que nos levaram quase ao fundo
do abismo?
Certamente, mas o antipetismo é tão somente
uma forma aguda do sentimento antipolítica que emergiu numa circunstância em
que o PT vinha
de três mandatos presidenciais seguidos.
Tanto é verdade que os portadores da atitude antipolítica viraram ferozes anti-Temer apenas seis meses depois de consolidado o impeachment de Dilma, sem nem trocar de luvas ou discurso. E os que permaneceram lúcidos também se tornaram antibolsonaristas quando se deram conta da farsa da "nova política" prometida pelo "mito" e da sua mais completa submissão às velhas raposas do Congresso.
O fato é que o sentimento antipolítica
continua o básico da afetação de quem continua acompanhando a política
institucional e o funcionamento do governo apenas para desprezá-los de
pertinho.
Por outro lado, falar mal da política e de
quem governa é tradição desde que os humanos inventaram formas de comunidade
política. E um certo grau de hostilidade e desconfiança com relação ao poder
político é um bom sinal de saúde política e autonomia de pensamento.
A antipolítica, contudo, é mais que isso:
acontece quando numa sociedade há um baixíssimo grau de confiança nas
instituições e nos atores da política contrastando com um elevado nível de ódio
contra tudo que se refere à vida pública.
Resumo a crença antipolítica nacional em
cinco dogmas: 1) a política é uma atividade indigna praticada por indivíduos
rebaixados que lutam apenas pelos próprios interesses; 2) todo governo é uma
corja; 3) todo partido
político é uma quadrilha; 4) todos os políticos e portadores de
mandatos são ou parasitas ou ativos delinquentes à espreita de uma
oportunidade; 5) essas coisas só acontecem no Brasil.
Atualmente, há pelo menos duas grandes
correntes de antipolítica no país. A primeira parte de uma posição superior que
repete que Brasília é uma cloaca, não há político que preste, todo governante é
um gângster.
E adora citar "a melô do
despeitado" de Ruy Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de
tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da
virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".
Ruy merecia melhor sorte do que virar
patrono do "mimimi" antipolítica.
A segunda posição antipolítica pode ser
sintetizada na máxima de Danilo
Gentili: "Existem níveis para otários. O otário nível master é
aquele que acredita em político". O gentilismo provém do modelo-CQC, que
considera que insultar e humilhar políticos é um ato de justiça.
Diferenciam-se basicamente porque o
primeiro tipo é um decadentista bem-educado e o segundo tem na grosseria um dos
seus programas fundamentais. Além disso, o gentilismo é instintivamente
conservador (no caso, antiesquerdista visceral), embora os recursos
intelectuais arregimentados para defender a sua posição nunca passem de dogmas.
Ambos os tipos consideram a política uma
atividade rebaixada, mas o segundo não se contenta em desprezar grandes
categorias como "os políticos", "os partidos" ou "o
governo"; o seu desprezo precisa ser mostrado no varejo e ser
"fulanizado": Sarney é
ladrão, Dirceu é corrupto, Renan é patife, Lula é o nine, Dilma... Bem o que
eles diziam de Dilma em 2014 eu prefiro não repetir.
Na antipolítica grossa, pessoas e
instituições precisam ser ofendidas pessoalmente.
O segundo tipo é mais fácil de descartar
intelectualmente, dada a sua brutalidade, mas é a forma mais difícil de ser
superada na prática, não só porque dez anos de raiva política nos deixaram
viciados, mas por ser o insulto muito menos exigente que o argumento.
O primeiro tipo, por outro lado, é mais difícil de se enfrentar intelectualmente, a não ser pela provocação clássica que diz que não há problema em se detestar a política, desde que se saiba que você será governado por quem gosta dela.
*Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"
Esse é o FofocaBahia
ResponderExcluirMuito bom o artigo,quem sabe,sabe.
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