sexta-feira, 3 de março de 2023

César Felício - A tradição para o BC será mantida no Senado?

Valor Econômico

Retórica de Lula contra BC autônomo será testada agora

A discussão da independência do Banco Central tem um encontro marcado nas próximas semanas, quando o Senado irá receber e analisar as indicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para os novos diretores de Política Monetária, no lugar de Bruno Serra, e Fiscalização, em substituição de Paulo Souza. O mandato dos dois está vencido.

Quando se discute a independência do Banco Central, importante discutir independência em relação a quem. Há uma tensão latente, não de hoje, entre a esfera política e o mercado financeiro na condução da autoridade monetária. Os governos petistas têm procurado atenuar a influência dos agentes privados na condução do BC. Mas há um padrão que se repete. Mesmo antes da autonomia formal, há um princípio de autocontenção do Executivo em relação ao Banco Central que tem sido seguido.

Cientista político na Universidade Federal do Paraná, Adriano Codato foi o organizador de um raro mergulho da Ciência Política no estudo da recrutagem de dirigentes para o BC. O livro “Os mandarins da economia - presidentes e diretores do Banco Central do Brasil”, publicado no ano passado, faz uma análise de todas as indicações para presidência e diretorias desde a fundação do órgão, em 1964, até o fim do governo Dilma II, em 2016. O padrão encontrado não foi alterado durante os governos Temer e Bolsonaro.

Até 1985, havia um predomínio absoluto de burocratas e acadêmicos na condução da instituição. Com a redemocratização naquele ano o BC se abriu para o mercado, a partir da presidência de Antônio Carlos Lemgruber. Entre os últimos 18 presidentes, incluídos aí Campos Neto (Bolsonaro) e Ilan Goldfajn (Temer), nada menos que 11 tinham origem no mercado financeiro. Durante o regime militar, nenhum tinha essa origem. E entre os 16 presidentes da instituição entre 1985 e 2016, somente dois - Pedro Malan e Alexandre Tombini - não ocuparam postos no mercado financeiro no intervalo de cinco anos depois de deixarem o Banco Central.

Este perfil se acentua em relação aos diretores. Há uma tendência maior de recrutar diretores de política monetária no mercado e em instituições acadêmicas do “mainstream”, como a PUC do Rio de Janeiro, enquanto diretorias como a de fiscalização e normas ficam mais reservadas para funcionários de carreira.

Para Codato, o grau de exigência técnica que se exige no Banco Central torna a mão de obra muito estrita, o que sempre desencorajou a ocupação política deste espaço.

A recrutagem para a presidência e as diretorias do BC se torna, portanto, “uma demonstração da força política do mercado financeiro no Brasil”, segundo Codato.

O cientista político elaborou um índice de adesão dos presidentes e dos diretores do BC ao mercado ao longo do período de redemocratização. Ele concluiu que o menor descolamento em relação ao mercado ocorreu no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (0.24). A partir de então há um lento distanciamento entre BC e setor privado: de 0,34 no primeiro mandato de Lula, se passa para 0,52 no segundo mandato, atinge-se 0,73 no primeiro mandato de Dilma Rousseff, com recuo de 0,67 em 2016, último ano da medição. Este índice leva em conta a formação acadêmica do indicado, sua experiência profissional pregressa e o que fez depois de deixar o BC.

Em clima de expectativa do governo “de um gesto positivo na próxima reunião do Copom”, conforme disse ontem Simone Tebet, é provável que Lula mantenha essa linha. O cenário mais provável é que as indicações sejam palatáveis ao mercado, mesmo com alguma pitada de heterodoxia. E a pressão política do PT, como fica? deve continuar. É importante para o presidente poder transferir responsabilidades pela falta de crescimento do país.

União Brasil

A coincidência entre a formação da federação da União Brasil com o Partido Progressista e as denúncias contra ministros da sigla pode significar o início do desmanche de algo que não deu certo, que foi a montagem do Ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não necessariamente algo melhor será construído.

Os ministros do União Brasil - Juscelino Filho, Daniela do Waguinho e Waldez Góes são candidatíssimos a sairem logo do governo por dois motivos. O aparente é o vasto telhado de vidro que cada um possui. O estrutural é a pouca identidade com as bancadas da sigla.

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, é um colecionador de escândalos e episódios constrangedores. O mais recente deles, que foi o uso de avião da FAB para uma agenda em São Paulo que mesclou compromissos oficiais banais e atividades de foro particular, é grave, porque coloca o governo Lula na alça de mira. É coisa desse ano, não do seu polêmico manejo do orçamento secreto enquanto deputado. Não por acaso o presidente anunciou publicamente que chamará Juscelino para uma conversa na segunda-feira.

A federação “União Progressista” em um primeiro momento afasta o União Brasil do governo Lula. Tornando portanto destituída de qualquer sentido a permanência dos ministros da sigla no governo. Juscelino, Daniela e Waldez não garantiram a adesão da bancada ao governo.

O União Brasil federado ao PP, portanto com vínculos reforçados com o bolsonarismo, deve complicar a vida de Lula no Congresso. Surpresas em série podem acontecer no plenário das duas casas. Em casos assim, a solução que o presidencialismo no Brasil costuma oferecer é a reforma ministerial.

O que um observador influente do cenário político aposta é que os três ministros do União Brasil serão trocados em breve, com a provável antecipação do cronograma no caso de Juscelino, e o condomínio formado pela federação indicará novos nomes com vínculo mais claro com a cúpula dos dois partidos. Neste segundo momento, o PP pode se aproximar do governo. Mas o fará em uma circunstância de fragilidade política de Lula, e não de força, como foi o caso na montagem do Ministério. A federação terá sua cota ministerial em outras bases.

 

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