sexta-feira, 31 de março de 2023

Claudia Safatle - Governo anuncia política fiscal bastante gradual

Valor Econômico

A única despesa que espera-se que caia é com o pagamento dos juros que recaem sobre a dívida, que passaria a assumir trajetória decrescente

O novo arcabouço fiscal, anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é bastante gradual e seu impacto na dívida não é de queda, ao contrário, a dívida bruta do governo geral é crescente, mas não de forma explosiva.

Estabelece-se um compromisso de sair de um déficit primário de 0,50% do PIB neste ano - podendo variar 0,25 ponto percentual para mais ou para menos - para um superávit de 1 % do PIB, sujeito à banda de variação citada acima, em 2026.

 “O atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano (mecanismo anticíclico), com Fundeb e piso [de salários dos profissionais] de enfermagem excluídos dos limites (regras constitucionais já existentes)”, segundo o texto divulgado pelo Ministério da Fazenda.

O crescimento da despesa fica limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses, terminados em junho de cada ano. Se o resultado primário for superior ao teto da banda, os recursos excedentes poderão ser gastos em investimentos - sendo que estes têm um piso.

Já se os esforços do governo para aumentar as receitas e reduzir as despesas não forem bem-sucedidos e o resultado das contas primárias ficarem abaixo da banda inferior, o governo só poderá contar com o crescimento da despesa equivalente a 50% do crescimento da receita no exercício seguinte.

No caso da trajetória do resultado primário, obedecendo o esquema desenhado pelo governo, saindo de 0,5% do PIB de déficit neste ano para um equilíbrio das contas em 2024, superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026, a dívida como proporção do PIB sai de 75,11% este ano para 76,54% em 2026. Esta é a alternativa número 1. A de número 2 é no caso de a trajetória do resultado primário ser 0,25 ponto percentual para menos. Aí, com o superávit de 2026 em 0,75%, e não 1% como consta do primeiro cenário, a dívida sai dos mesmos 75,11% do PIB neste ano para 77,34% em 2026.

O mercado reagiu positivamente ao anúncio do novo arcabouço para o controle das contas públicas. Entendeu-se que a área econômica do governo puxou até onde dava para puxar e estabeleceu uma estratégia transparente que deverá ser rigorosamente cumprida. A despesa cresce, mas de forma moderada, avalia uma fonte da área financeira.

A única despesa que espera-se que caia é com o pagamento dos juros que recaem sobre a dívida. E esta, então, passaria a assumir uma trajetória decrescente. Aí vão dois exercícios: no caso de se obter um fechamento da taxa de juros de um ponto percentual e outro que é na hipótese deste ser de dois pontos percentuais.

Isso equivaleria a ter uma taxa de juros neutra de uns 3% a 3,5%, menor, portanto, que os 4% de juros neutros estimados pelo Banco Central, o que será possível se o governo conseguir, finalmente, aprovar uma reforma tributária.

No primeiro cenário, de fechamento dos juros de um ponto percentual, a dívida sairia de 75,07% do PIB neste ano para 75,70% do PIB no próximo e terminaria 2026 em 75,05% do PIB. Já no caso do fechamento dos juros de dois pontos percentuais, a queda da dívida/PIB é mais pronunciada: sairia de 75,03% este ano para 73,58% em 2026, último ano de mandato do governo Lula. Isto, levando em conta o superávit primário estabelecido como compromisso pelo governo, sem considerar a banda de variação.

No Congresso, o arcabouço fiscal deve chegar em uma semana na forma de projeto de lei complementar e a expectativa do governo é que ele seja rapidamente aprovado. Em maio, com o arcabouço fiscal aprovado, o governo se debruçará sobre a reforma tributária, de forma que seja votada na Câmara ainda em junho.

Com esses dois temas sendo tocados, ficará claro que o governo de Lula tem rumo e, assim, haverá chance de a economia recobrar suas cores. Com a economia rodando, sem a explosão do desemprego, o governo Lula finalmente poderá baixar sua taxa de ansiedade e começar a trabalhar no que realmente interessa.

Mais importante, agora, é não perder o momento e focar na reforma tributária, que poderá ser votada na Câmara no fim do primeiro semestre e, no Senado, em setembro. A esperança é que a reforma desobstrua a economia e libere energia para o país voltar a crescer.

Nesta quinta-feira foi dado um importante passo pelo governo ao definir qual será a sua política fiscal que substituirá a do teto para o gasto público que vigorou até então, com quebras aqui e ali. Pode-se achar que o governo foi pouco ousado no controle do gasto público, mas ninguém esperava que fosse.

Recado importante

Ao mesmo tempo em que Haddad expunha os contornos do arcabouço fiscal, no Banco Central o presidente, Roberto Campos Neto, dava entrevista sobre o Relatório Trimestral de Inflação. E, durante esse evento, Campos falou algo bastante importante para os que, no governo, pretendem constrangê-lo a baixar os juros: Ele disse que para enquadrar a inflação na meta neste ano os juros deveriam estar em 26,5% ao ano, e não em 13,75%. Ou seja, o Copom está suavizando o cumprimento da meta e, portanto, considerando o mercado de trabalho, o emprego.

 

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