Folha de S. Paulo
Futuro político do ex-presidente pode
misturar impunidade com inelegibilidade
Al Capone acabou em Alcatraz pelo menor de
seus crimes: evasão fiscal. Os crimes comuns que pesam sobre Jair Bolsonaro no caso das joias pouco significam perto
dos crimes constitucionais praticados sistematicamente ao longo de seu mandato.
Mas delineia-se um cenário no qual o ex-presidente terá o destino do mafioso
americano. Seria uma forma de misturar, no liquidificador da demagogia,
impunidade com inelegibilidade.
Durante a pandemia, Bolsonaro sabotou as restrições sanitárias e a campanha de vacinação, operando contra o direito coletivo a saúde pública. Seu governo estimulou a invasão de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros, desafiando o compromisso estatal de proteção desses povos. Durante quatro anos, o presidente mobilizou seus apoiadores em persistente agitação golpista, que culminou no 8 de janeiro de Brasília, traindo o dever de respeito às instituições democráticas. Contudo, ao que parece, responderá apenas por peculato, descaminho e abuso de poder.
A "solução Al Capone" tornaria
Bolsonaro inelegível, por decisão do TSE, com base na Lei da Ficha Limpa. Seria
um típico jeitinho brasileiro –isto é, um artifício para ignorar os princípios
que sustentam a ordem democrática.
A tão celebrada Lei da Ficha Limpa, adorno
da moda entre tantos progressistas, jamais serviu para reduzir a corrupção na
máquina pública. Por outro lado, circunda um pilar crucial da democracia: a
soberania popular. A lei confere a procuradores e juízes a prerrogativa de
vetar candidaturas. Os vetos serão tão mais arbitrários quanto maior a
contaminação político-partidária do Ministério Público e do Judiciário.
O caso Lula ensinou
a lição definitiva. Moro e seus comparsas procuradores certamente queriam
encarcerar o líder petista, mas nunca tiveram a segurança de que poderiam fazê-lo,
pois o desenlace dependia das oscilantes opiniões do STF sobre a prisão em
segunda instância. Entretanto, os conspiradores lava-jatistas controlavam os
meios para obter seu objetivo principal: a inelegibilidade do ex-presidente.
Para tanto, bastava uma sentença de um colegiado –e eles conseguiram duas. Sem
a anulação dos processos por um STF cercado pelas revelações da Vaza Jato, a
vontade popular expressa em 2022 teria sido irremediavelmente calada.
Direitos políticos constituem a alma da
cidadania. Não se pode cassá-los sem amputar a própria cidadania. Os eleitores
têm o direito exclusivo de escolher seus representantes –o que abrange,
inclusive, condenados em sentença definitiva. Um deputado eleito enquanto
cumpre pena de prisão? Sim, se os eleitores aceitarem a consequência de que seu
representante não assumirá o mandato. A hipotética inelegibilidade de Bolsonaro
implicaria, como no caso de Lula, a cassação da vontade de parcela
significativa dos cidadãos.
Por outro lado, enterrar na cova do esquecimento
os crimes constitucionais de Bolsonaro equivale a assinar um cheque em branco
para a delinquência antidemocrática dos detentores de poder, no presente e no
futuro. E é isso que vai se desenhando, a julgar pela postergação infinita dos
procedimentos judiciais necessários.
"Não vamos atirar pedras",
respondeu o ministro do STF Luís Roberto
Barroso quando indagado, no 9 de janeiro, sobre a
responsabilização do ex-presidente pela tentativa de acender a faísca do golpe
de Estado. A senha indica um desejo de grande parte da elite política.
Bolsonaro leve e solto, impune, mas transferido ao gueto diáfano dos que não
podem disputar eleições –eis a forma ensaiada de uma "reconciliação
nacional".
Al Capone era um criminoso comum. Colocá-lo
atrás das grades, sob uma sentença qualquer, servia ao interesse público.
Bolsonaro pertence a categoria diferente. A impunidade de seus crimes
constitucionais só serve, no fim das contas, aos interesses de longo prazo do
bolsonarismo.
Perfeito.
ResponderExcluirQUANDO ESCREVE SOBRE BOLSONARO, ATÉ QUE O DEMÉTRIO MAGNOLI O FAZ BEM
ResponderExcluirQuanta antipatia transcende desse dono (a) da verdade.
ExcluirUm texto muito sensato! Tenho dúvida sobre a interpretação do colunista para a frase do ministro Barroso, que seria uma "senha" (??) muitíssimo estranha e, para mim, incompreensível. Mas faz parte do estilo do colunista fazer extrapolações pouco lógicas e interpretações totalmente duvidosas mas que favoreçam suas intenções ou ideologias.
ResponderExcluirBolsonaro se tornando inelegível já está ótimo.Eu acredito mais na justiça divina,desta ele não escapa.
ResponderExcluirSe o Trump espera ser preso terça-feira, ainda há tempo para vocês colocarem o Bolsonaro na prisão, tenha fé e esperança sempre há tempo para tudo, até para a vingar.
ResponderExcluirCUSPIR ,PARA ACIMA,PODE SER,DESHONESTO,VEJA QUE SI PERGUNTAR,EM QUIE. VOTOU,DEMÉTRIO?
ResponderExcluir