O Globo
A semana termina com a suspeita de que as
faiscantes joias-ostentação têm cara, cheiro e delivery de propina
A sigla em inglês, OCCRP, é troncha, difícil de ser memorizada. Seu nome por extenso — Projeto de Reportagem sobre Corrupção e Crime Organizado, em tradução literal — também poderia ser mais user friendly. Pouco importa. Em menos de duas décadas de atuação, esse respeitado consórcio global de jornalismo investigativo já ocupa o 69º lugar na lista das 500 organizações não governamentais mais eficazes do planeta. Seu raio de apuração se estende por seis continentes a uma média anual de 150 devassas mundo afora. Boa parte delas cabeludíssimas e de difícil execução. O consórcio atua em rede justamente para poder combater outra rede ainda maior, de tentáculos múltiplos: a corrupção política, militar ou econômica que ameaça corroer as instituições democráticas em um ou mais países. A plataforma publica uma atualização diária de casos em andamento, conta com 6 milhões de visitantes por mês e ensina a farejar o ilícito oficial.
Tem mais. Desde 2012, a organização também
designa a sua Personalidade do Ano — leia-se, o agente (humano ou empresa) que
ao longo dos 12 meses anteriores teve papel mais destacado na promoção de
malfeitos. O turco Recep Tayyip
Erdogan e Donald Trump são
os finalistas mais frequentes elencados pelo júri de nove acadêmicos, jornalistas
investigativos e ativistas internacionais. Mas nunca chegaram ao topo. Em
compensação, Vladimir
Putin (já em 2014), Nicolás Maduro (2016), o ex-presidente das
Filipinas Rodrigo Duterte (2017), a financeira dinamarquesa Danske Bank (2018,
por lavagem de R$ 1,3 bilhão) e o presidente da Bielorrússia, Alexander
Lukashenko(2021), estão lá, no alto, como “indivíduo ou instituição que mais
contribuiu para o crescimento da corrupção e da atividade criminosa organizada
no mundo”.
Em 2020, o duvidoso laurel coube ao então
ainda presidente do Brasil, Jair
Bolsonaro, que pode se gabar de ter derrotado por pouco dois
concorrentes de peso, Trump e Erdogan. Os três tinham em comum ter se cercado
de figuras corruptas, minar o sistema judiciário e várias outras instituições
democráticas, desconsiderar acordos multilaterais e dirigir seus países para
uma governança autocrática.
— Foi difícil escolher o pior — disse o
cofundador da OCCRP Paul Radu.
O fator de desempate parece ter sido a
escancarada ofensiva do governo Bolsonaro contra a preservação da Amazônia e a
porteira aberta durante seu governo para o desmatamento e a exploração ilegal
em terras indígenas. Mas o esquema das “rachadinhas” envolvendo a penca de
familiares do clã presidencial, mais a esbórnia generalizada no entorno do
poder, também contribuiu.
À época da escolha da Personalidade de
2020, os desvios, os desmandos e a irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro na
mortandade nacional por Covid-19 ainda não haviam sido mapeados por inteiro.
Nem a OCCRP poderia imaginar que o presidente eleito por 57,8 milhões de
brasileiros em 2018 (55,13% dos votos) e derrotado quatro anos depois por
pequena margem sairia do país à sorrelfa com uma muamba saudita contrabandeada.
De qualquer ângulo que se olhe para o mimo de R$ 16,5 milhões endereçado à
madame e o regalo da mesma Maison Chopard para monsieur, vê-se um
condensado do que foi o governo Bolsonaro. Está tudo errado, à margem da
legalidade, com personagens escusos em todas as pontas. De presente oficial da
Casa de Saud, segundo a versão inicial, a semana termina com a suspeita de que
as faiscantes joias-ostentação têm cara, cheiro e delivery de propina. Com um
sem-fim de agentes intermediários militares, na ponta brasileira, e interesses
ainda anônimos na outra ponta. Seria interessante apurar se a Chopard também
fabrica tornozeleiras cravejadas de diamantes.
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Em tempo: no ano passado, a escolha da Personalidade de 2022 recaiu sobre o oligarca russo e líder mercenário Yevgeny Prigojin, “por seus incansáveis esforços para a ampliação da teia de corrupção em benefício de Vladimir Putin”. Hoje, como sabemos, o mesmo Prigojin e seu grupo paramilitar formado por presidiários que trocaram o cárcere pelo alistamento militar praticam as matanças mais brutais e extremas na Ucrânia. Vale registrar que o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ficou entre os finalistas por sua extensa folha corrida de crimes contra a democracia — os mesmos que o presidente Lula e parte do PT saudosista teimam em não reconhecer.
"...vê-se um condensado do que foi o governo Bolsonaro. Está tudo errado, à margem da legalidade, com personagens escusos em todas as pontas."
ResponderExcluirPilantra se junta com bolsona..., digo, pilantra.
Olhe lá: o 'Muambolsonaro' pode ser novamente ganhador do OCCRP Award 2023, com o irreprochável case de contrabando das jóias de Madame e Monsieur Voleurs B
ResponderExcluirO prêmio "CRIMINOSO DO ANO" realmente foi muito justamente atribuído ao miliciano ex-presidente! O mito que se acovardou...
ResponderExcluirO "Meu vilão favorito" de 49% dos eleitores brasileiros!
ResponderExcluirSem comentário.
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