domingo, 26 de março de 2023

Elio Gaspari - Lula está encantado com Lula

O Globo

Chegando à marca dos cem dias de governo, presidente tem um pé no passado e outro no futuro

Com 187 mil carros nos pátios e grandes montadoras dando férias coletivas a milhares de trabalhadores, Lula deu uma entrevista de quase duas horas aos jornalistas Helena Chagas, Tereza Cruvinel, Luís Costa Pinto e Leonardo Attuch. Repetiu várias vezes que “este país vai voltar a crescer”. Quando surgiu o assunto da virtual paralisação da indústria automobilística, disse que “fiquei surpreso”, reclamou das empresas que importam veículos e, tratando do mundo real, prometeu: “Eu quero chamar a indústria automobilística para conversar, O que é que está acontecendo com vocês?”

Ex-metalúrgico e sindicalista, Lula sabe o que está acontecendo: falta demanda. Foram poucos os minutos dedicados a esse assunto específico. Mais tempo foi dedicado às suas experiências com a Lava-Jato e a uma batalha inglória com o Banco Central por causa da taxa de juros.

Por mais de uma hora Lula prometeu um Brasil que volte a sorrir. Como? Acreditando em Lula, como ele acredita. Chegando à marca dos cem dias de governo, ele tem um pé no passado e outro no futuro. Quanto ao presente, surpreendeu-se com as férias coletivas. Enquanto isso, seu chefe da Casa Civil dava um chá de cadeira de 45 minutos ao ministro da Fazenda.

Por cá, a falta de demanda e o início de uma crise no crédito ameaça a saúde de grandes varejistas. Quando o problema aparecer, Lula não deverá dizer que foi surpreendido.

Coisa dos americanos

Na mesma entrevista, Lula voltou a culpar o governo americano pela operação Lava-Jato. Seria coisa para destruir as empreiteiras nacionais.

Ele retomou um bordão de 2021, quando acabava de deixar a prisão. À época, elaborou a ideia:

“É por isso que teve o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos porque eles têm que ter o estoque para a guerra.

Depois da 2ª Guerra Mundial, eles aprenderam que só ganha guerra quem tem muito estoque de combustível, porque eles sabem que a Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia, para ter acesso à gasolina.”

Ganha um fim de semana num garimpo ilegal quem formular dois parágrafos com tantos enganos. A Alemanha não chegou aos campos de Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. A essa altura o Reich já havia sido barrado às portas de Moscou e os Estados Unidos já tinham quebrado a perna do Japão na batalha naval do Midway, em junho de 1942.

Se os alemães chegassem a Baku, ainda assim teriam perdido a guerra.

Lula na China

Se Deus é brasileiro, quando Lula for à China, livrará a viagem da urucubaca que acompanha as relações com o Império do Meio.

Em 2004, antes da chegada de Lula à China, saiu do governo a notícia de que o Brasil assinaria um acordo de cooperação nuclear. Os chineses assustaram-se.

Meses depois o presidente Hu Jintao foi a Brasília e o intérprete contratado pelo Itamaraty traduziu-o, dizendo que ele prometia US$ 100 bilhões em investimentos na América Latina. Ele havia falado em fluxo comercial.

Em 2011 Dilma Rousseff foi a Beijing e sua comitiva anunciou que uma empresa chinesa viria para o Brasil com um investimento de US$ 2 bilhões para fabricar produtos da Apple. Era lorota.

Em 2015 o primeiro-ministro Li Keqiang foi a Brasília e o governo espalhou que ele entregaria um pacote de US$ 53 bilhões em investimentos. Nele, entraria o projeto de uma ferrovia do Atlântico ao Pacífico. Lorota, de novo.

Eremildo é um idiota

Eremildo acreditava em tudo o que Bolsonaro dizia e agora acredita em Lula.

O cretino confundiu-se quando Lula falou sobre a operação da Polícia Federal que desarmou um plano de sequestro do senador Sergio Moro e de seus familiares. Ele disse o seguinte:

“Quero ser cauteloso. Vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro.”

Se uma pessoa acha que uma coisa é visível, não precisa ser cautelosa, porque, nesse caso, já descobriu o que aconteceu.

Rui Costa e José Dirceu

Depois de ter dado um chá de cadeira ao seu colega Fernando Haddad, Rui Costa deveria marcar um almoço com José Dirceu, o poderoso chefe da Casa Civil de Lula. Ele poderia lhe contar como os poderes do cargo são imensos e fugazes.

Em outubro de 2003, Dirceu chamou o deputado Gabeira para uma reunião e não apareceu.

Gabeira esperou por uma hora, disse que “deselegância tem limite”, saiu do PT e retomou com êxito sua carreira de jornalista.

A volta de Bolsonaro

Bolsonaro disse que voltará ao Brasil nesta semana. Descobrirá que ficou menor.

Para que ele tenha mais espaço será preciso que Lula o mantenha na sua agenda.

Americanas caloteira

Na crise da rede varejista Americanas há um grande litígio com os bancos, mas há também outra questão menos vistosa. É o processo de saque a que a empresa foi submetida pelos seus gestores. Nele, a joia da coroa foi a venda de R$ 244 milhões em ações da empresa por seus diretores no momento em que a rede começava a emborcar. Já foram abertos três inquéritos policiais relacionados com a crise.

Na ponta do calote, em sua proposta aos fornecedores, a empresa aceita pagar o que deve, com alguns compromissos. Um deles é a manutenção do fornecimento, nas “condições acordadas”.

Antes da quebra, a rede contratava compras com pagamento em cem dias e às vezes levava mais de 200 dias para quitar o negócio. O pior dos mundos para um fornecedor é tomar um calote, continuar operando com a empresa e ser submetido de novo ao antigo sistema de gestão.

A filha de Vermeer

Com a exposição de 28 quadros do pintor Johannes Vermeer no Rijksmuseum de Amsterdam, a vida pouco conhecida desse artista fez renascer uma velha discussão.

O jornalista americano Lawrence Weschler recuperou a teoria segundo a qual sua filha Maria, além de ser a menina retratada no quadro do brinco de pérola, seria também a autora de sete dos 35 quadros atribuídos ao pai.

Entre eles, a “Jovem com chapéu vermelho”, da National Gallery de Washington.

Maria teria trabalhado com o pai enquanto ele vivia. Depois, casou-se e não pintou mais.

Wechsler é um jornalista competente e deve-se a ele a primeira grande reportagem sobre o projeto “Brasil Nunca Mais”, o inventário das violências da ditadura.

3 comentários:

  1. Esse momento dos primeiros 100 dias exige um esforço de Frente Democrática para que a meta da vacina bivalente seja atingida.

    ResponderExcluir
  2. Eremildo e os patriotários acreditavam em tudo que o Bolsonaro dizia, inclusive nas milhares de mentiras que o GENOCIDA inventou. Eles e o papagaio que frequenta este blog também acreditavam que Bolsonaro venceria no primeiro turno com mais de 60% dos votos e que isto só não ocorreu porque houve FRAUDE ELEITORAL...

    ResponderExcluir