quarta-feira, 15 de março de 2023

Fábio Alves - Cadê o gesto positivo?

O Estado de S. Paulo

O BC tem o desafio de não frustrar mais uma vez as expectativas do governo sobre a Selic

Pressionado nas últimas semanas pela equipe econômica a fazer um “gesto positivo” na próxima reunião do Copom, o Banco Central tem a tarefa espinhosa de não frustrar mais uma vez o governo Lula e, ao mesmo tempo, evitar uma desancoragem das expectativas de inflação. A dúvida agora é como o Copom vai empacotar o “gesto positivo” para dar de presente ao governo.

O mercado interpreta que o gesto positivo para a equipe econômica seria um corte da taxa Selic ou, pelo menos, uma sinalização de que uma redução dos juros é iminente. Isso aconteceria na esteira da apresentação da proposta para o novo arcabouço fiscal que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu anunciar antes da reunião do Copom da semana que vem.

Sem falar que a guinada no ambiente externo dos últimos dias tornou a defesa de um corte de juros pelo Copom ainda mais urgente, na visão de muitos investidores. Isso porque o temor, após a quebra de dois bancos americanos, é de que uma possível crise no mercado de crédito jogue os Estados Unidos numa recessão, afetando o restante da economia mundial.

Se for apenas com base na apresentação da proposta do novo arcabouço fiscal, fica difícil imaginar o Copom cortando os juros ou mesmo sinalizando esse corte já na semana que vem. Mesmo que a nova âncora fiscal seja considerada robusta e surpreenda positivamente, seria preciso que essa proposta tivesse um impacto sobre as projeções do mercado para déficit primário e trajetória da dívida pública nos próximos anos.

Não haverá tempo suficiente entre a apresentação do novo arcabouço fiscal e a reunião do Copom, na semana que vem, para se observar uma mudança nas expectativas do mercado sobre indicadores fiscais, tampouco sobre as projeções de inflação.

Além disso, quando Haddad anunciou um pacote de medidas fiscais, em janeiro, para reduzir o rombo das contas do governo em 2023, o BC reconheceu o esforço, mas ressaltou na ata da última reunião do Copom que a sua governança permitia incorporar no balanço de risco da inflação apenas “políticas já aprovadas em lei”.

Assim, é preciso esperar para ver o texto que será aprovado no Congresso. Mas é possível o Copom suavizar o tom do seu comunicado sobre os próximos passos da política monetária com base na proposta do arcabouço fiscal, incluindo a cautela com o ambiente externo mais turbulento. E, após a reunião do Copom, dependendo da evolução do cenário fiscal e externo, o BC poderia até guiar as expectativas para um corte da Selic em maio em declarações e discursos dos seus diretores.

 

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