O Globo
Igualdade e supremacia digladiam-se em
praça pública no ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 75
anos
A democracia resistiu ao golpe de Estado tentado nos primeiros dias de janeiro, mas o Brasil segue em disputa. Futuro e passado, dignidade e brutalidade, direitos e opressão, igualdade e supremacia digladiam-se em praça pública no ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos faz 75 anos, em que o pontapé inicial da redemocratização, a emenda Dante de Oliveira por eleições diretas, completa quatro décadas. Na mesma semana em que o terceiro governo Lula relançou o Bolsa Família, uma entidade empresarial de Bento Gonçalves (RS) tornou pública nota que relaciona falta de mão de obra qualificada à política pública de transferência de renda para erradicação da extrema pobreza.
O novo desenho retoma a focalização e as
exigências em saúde e educação, que permitem a superação da vulnerabilidade.
Mas o Centro da Indústria, Comércio e Serviços do município gaúcho escreveu,
sobre o escândalo do trabalho em condições análogas à escravidão na colheita da
uva no estado, que “há larga parcela da população com plenas condições
produtivas que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um
sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. Empresários
subscrevem tal mensagem num país com 33 milhões de habitantes em situação de
fome, 10 milhões de desempregados e quase 40 milhões ocupados informalmente —
portanto, sem nenhuma proteção das legislações trabalhista e previdenciária.
O STF está
decidindo sobre a validade de provas obtidas em abordagem policial baseada em
filtragem racial, aquela que considera pessoas negras naturalmente suspeitas.
Até aqui, três votos a um contra a tese, que abriria atalho no enfrentamento ao
racismo materializado nos protocolos que fazem um negro ter quatro vezes e meia
mais chance de sofrer uma “dura” da polícia do que um branco.
O CNJ, na terça-feira passada, aprovou a
criação do Fórum Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial, com
participação da sociedade civil, Movimento Negro Unificado, Educafro,
Coalização Negra por Direitos, OAB, Ceert, Geledés e Criola. O grupo tem como
missão elaborar estudos e propor medidas para aperfeiçoamento do sistema
judicial. A recém-sancionada lei que equiparou os crimes de racismo e injúria
racial, além de tipificar a discriminação recreativa, religiosa e em ambientes
esportivos, nasceu de proposta de um grupo de juristas à Câmara dos Deputados.
Dias atrás, um vereador de Caxias do Sul
desqualificou trabalhadores baianos, 214 ao todo, escravizados no estado,
acenando à contratação de argentinos. Sandro Fantinel provou que o imaginário
nacional segue refém de uma História que valoriza a mão de obra estrangeira
branca, enquanto ignora ou despreza as mãos negras que ergueram o país, sob
chibatadas, trabalho forçado, sem políticas de reparação nem inclusão social no
pós-abolição.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
se reuniu com o assessor especial da Casa Branca, John Kerry, para alinhavar a
convergência no enfrentamento à emergência climática e aporte de recursos no
Fundo Amazônia. O ministro dos Direitos Humanos, Silvio
Almeida, discursou no Conselho de Direitos Humanos da ONU,
em Genebra, prometendo enfrentar trabalho escravo, devolver território e
dignidade aos povos indígenas, esclarecer os assassinatos de Marielle
Franco, Bruno Pereira e Dom Phillips. Em Brasília, a senadora
Damares Alves tentou integrar a comissão do Senado que acompanha a crise
humanitária dos ianomâmis. Justo ela que, ministra dos Direitos Humanos, enviou
ao presidente Bolsonaro pedido para que não enviasse aos indígenas, em plena
pandemia da Covid-19, água potável, leitos de UTI, materiais de higiene.
Alegara que os povos originários não tinham sido consultados pelo Congresso
Nacional.
Ontem, a ministra da Igualdade Racial,
Anielle Franco, foi anunciada como uma das 12 mulheres de destaque de 2022 pela
revista Time. No mesmo dia, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública reportou
recorde de violência contra as brasileiras. Ao todo, 18,6 milhões sofreram
ofensa verbal, perseguição, chutes e socos, espancamento ou tentativa de
estrangulamento, ameaça com faca ou arma de fogo. Companheiros, maridos,
namorados ou ex foram responsáveis por 58% das agressões; mais da metade dos
casos ocorreu em casa; dois terços das vítimas são negras; 57% têm filhos.
Estudo do Ipea estimou em 822 mil o total
de estupros cometidos no Brasil em 2019. Foram dois casos por minuto. Apenas
8,5% chegaram às delegacias, e metade disso, 4,2%, ao sistema de saúde.
— Além da impunidade, muitas das vítimas
ficam desatendidas em termos de saúde — alerta o autor, Daniel Cerqueira,
especialista em análise de dados de segurança pública.
O Brasil fraturado das urnas assim segue.
Que vença o lado da luz.
Verdade,há muita escuridão.
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