Folha de S. Paulo
STF tem oportunidade de fixar a tese de que
provas obtidas em buscas com base na aparência do cidadão são ilegais e devem
ser anuladas
O STF tem o
dever moral de fixar a tese de que a
cor da pele não justifica buscas pessoais pela polícia. A lei que as
autoriza é clara ao determinar que elas só podem ocorrer quando houver
"fundada suspeita", e não é preciso PhD em Teoria Crítica da Raça
para perceber que são atitudes concretas e não características físicas que
podem legitimar uma suspeita.
O caso escolhido pelo STF para servir de eventual precedente, porém, é ruim. Trata-se do habeas corpus de um cidadão condenado a quase oito anos de reclusão por tráfico. Os policiais, de forma incomumente cândida, disseram que decidiram abordá-lo porque ele era negro, mas a história é mais complicada. Segundo o relatório, o réu estava numa conhecida boca de drogas quando avistou os policiais e tentou fugir. Aí que ele foi revistado e flagrado com cocaína.
Assim, embora os policiais tenham
"falado demais", no mundo real teriam sido atitudes de fato suspeitas
e não a simples aparência do réu que motivaram a busca. Essa ao menos foi a
interpretação da maioria da 6ª Turma do STJ, que não acompanhou a tese de
perfilamento racial proposta pelo relator. É também a hermenêutica de quatro
dos cinco juízes do STF que já votaram.
Penso que o processo até poderia ser
anulado apenas com base na colocação
preconceituosa dos policiais. Mas o que mais me choca aqui é que o
réu, embora tivesse condenações prévias, tenha sido julgado por tráfico por
carregar só 1,5 grama de cocaína, quantidade ínfima. Na maioria dos países
civilizados, que estabelecem limites mínimos de posse para enquadrar alguém
como traficante, ele teria sido liberado.
Acredito que a falta de parâmetros
objetivos de nossa legislação, que deixa tudo para a subjetividade de
autoridades, a torna especialmente racista.
De todo modo, para avançar de verdade, temos de abandonar a ideia besta de que
cabe ao Estado definir quais substâncias o indivíduo pode ou não consumir.
Sem comentário.
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