Folha de S. Paulo
O medo propalado parece exagerado, mas há
motivos para preocupação
A
foto do papa Francisco usando um casacão branco de inverno marca um
novo momento na cultura. Uma foto sem nenhuma agenda secreta, apenas uma
brincadeira com a imagem do papa, que circulou pelas redes, enganando muitas
pessoas e até um ou outro veículo de imprensa. Tratava-se
de uma imagem inteiramente criada por inteligência artificial.
Enquanto isso, ferramentas de escrita por
IA não só escrevem cartas como já criam histórias, formulam argumentos e até
passam em exames admissionais humanos.
Não existe inteligência real por trás da ferramenta; ela apenas ordena palavras
seguindo padrões estatísticos de uma base de dados de bilhões de textos humanos
espalhados pela internet. É uma versão mais poderosa do autocompletar dos
nossos celulares. Mesmo assim, o resultado é espantoso.
Isso justifica a apreensão que muitos têm sentido com as novas tecnologias, como Yuval Harari em artigo no New York Times e Antônio Prata aqui na Folha. Confesso que o medo existencial —o medo propalado pelos próprios criadores/entusiastas de IA de que ela possa extinguir a humanidade— me parece exagerado. Tanto que Harari não é capaz de descrever um cenário plausível que leve a esse fim. Ele nem tenta. Mas há sim motivos de preocupação mais mundanos.
O primeiro é o impacto econômico.
Profissões que antes demandavam horas de trabalho humano agora serão
substituídas por segundos de processamento de dados. Meu trabalho como
colunista pode estar com os dias contados. A capacidade criativa de pensar
novas imagens e construir argumentos fora do comum ainda é valiosa (não sabemos
por quanto tempo). Mas a habilidade de dar forma a essas ideias —seja em
imagens ou texto— está rapidamente se tornando supérflua. Ilustrações, textos e
programação rotineiros, então, já podem ser tranquilamente automatizados. A
requalificação dessa mão de obra para outras áreas não virá sem custo.
O segundo risco é o impacto no debate
público. É mera questão de tempo até que imagens realistas falsas passem a
circular com intenções políticas, sociais e econômicas. E, logo mais, vídeos.
Um vídeo comprometedor às vésperas de uma eleição acirrada pode mudar um
resultado. Textos gerados continuamente para alimentar nossa predisposição
político-ideológica da maneira mais eficiente possível —inclusive com mais e
novas mentiras— chegarão a nós por todos os lados.
Não vejo qualquer chance de que agências de
governo possam —"criteriosamente"— liberar inovações de acordo com um
cronograma seguro e com as devidas limitações para o uso da população. Nossas
lideranças políticas sequer entendem a tecnologia. E ela é facilmente
reprodutível. Esse poder estará ao alcance de muita gente sem qualquer
possibilidade real de controle.
É melhor se preparar para uma nova
realidade em que toda notícia, imagem ou vídeo comprometedor será
potencialmente falso, e feito com uma qualidade que um olhar leigo —e, em
breve, mesmo um olhar técnico— é incapaz de diferenciar. Isso terá que ser
internalizado.
Mais do que nunca, precisaremos desenvolver
mais ceticismo geral e construir vínculos de confiança com fontes seguras de
informação. A confiança, por exemplo, de que o jornalista que compartilha uma
fala de uma figura pública conversou com testemunhas que a viram acontecer, que
comparou-a com outras gravações e assim pode dar garantia de que a imagem é
confiável. Justamente a confiança que parece erodir mais a cada dia conforme a
imprensa é atacada, seja pela direita ou pela esquerda.
Joel, boa tarde! O problema da Inteligência Artificial é que ela se baseia não somente na Inteligência Natural, mas, também, na Burrice Natural. E aí, né! Embrulha tudo num pacote que, embora verossímil, não é necessariamente verdadeiro. Abçs.
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