Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
Episódio envolvendo Arábia Saudita e o
governo brasileiro pode criar uma consciência crítica de que a confusão decorre
do nosso atraso cultural e político
A estranha incerteza quanto ao destinatário
das joias enviadas da Arábia Saudita, supostamente ao governo do Brasil, tem
ocupado a atenção da mídia nos últimos dias. Talvez porque esse poderá vir a
ser motivo de um caso policial.
Também no âmbito dessas relações, é crime
alguém apropriar-se do que é público. E o que é homenagem pessoal ao governante
deve revestir-se do valor e da modéstia do que é simbólica manifestação de
respeito. A dádiva, nesses casos, não pode ser tão desproporcional à função de
quem ocupa o poder que se torne manifestação de desrespeito ao país que ele
governa.
Essa distinção fica difícil numa sociedade como a nossa, em que muitas pessoas e mesmo pessoas na política não distinguem entre o que é público e o que é privado. Temos uma história de corrupção política que expressa para muitos a naturalidade dessa confusão. O eleitor, não raro, entendendo que a apropriação privada do que é público é um privilégio inerente à função política.
Ou seja, para muitos, nossa sociedade ainda
é uma sociedade estamental, de gente com privilégios de nascimento, acima da
lei, não obstante esses privilégios tenham sido abolidos antes da proclamação
da Independência. Somos um país de história lenta.
A desproporção dos presentes desse episódio
em relação às limitações de postura e de apresentação pessoal das duas pessoas
indicadas como supostas destinatárias das joias poderia dizer alguma coisa
educativa a toda a população. Será uma pena se não disser. Justamente no
sentido de criar uma consciência crítica de que a confusão decorre do nosso
atraso cultural e político. Uma consciência do ridículo de um presidente que se
apresenta em público em maldisfarçada posição de sentido a usar um relógio
desproporcionalmente cravejado de brilhantes, seria uma imagem de alguém que
passou do limite do decoro necessário a um presidente em sua apresentação
pessoal.
E o mesmo se poderia dizer do presente de
R$ 16,5 milhões adornando o colo da primeira-dama, numa cerimônia de Estado,
sendo ela ostensivamente evangélica, de quem os evangélicos esperam recato e
modéstia em vez de antievangélica ostentação. Sobretudo num país em que 33
milhões de pessoas estão passando fome e mais de 100 milhões estão em situação
de carência alimentar. Em que dezenas de milhares moram na rua, crianças,
mulheres e velhos.
Há outras indagações possíveis sobre as
incertezas que o presente saudita desperta. Tudo que é anômalo, nas relações
sociais e políticas, tende a mobilizar e expor concepções e valores no mais das
vezes ocultos. A provavelmente mais interessante é a de como a sociedade
brasileira vê culturalmente o presente, a dádiva, de modo geral.
O presente, para muitos, é um objeto dos
ritos de bajulação e de deferência. O presente supostamente alicia e subjuga o
outro. E o mais estranho é que os mais simples não resistam à tentação de
bajular os ricos e, especialmente, os poderosos. Aí a dádiva tem uma função
social que expressa nossa alienação política.
Levo em conta alguns dos objetos removidos
do Palácio do Planalto, quando da mudança do presidente e sua família no
término do mandato. Faziam parte da vasta coleção de 7.500 objetos que os
admiradores lhe enviaram de presente. Um deles, a escultura em madeira de uma
motocicleta, em tamanho natural, com o título de “Harley Mito”. Era exibida
diante da tribuna presidencial em cerimônias oficiais. Tão desencaixada quanto
as joias de agora.
Há alguns anos visitei o Museu da
Presidência da República junto ao Palácio de Belém, em Lisboa. É um museu
belíssimo, organizado de maneira apropriada, que exibe grande número de
presentes de Estado, recebidos por vários presidentes.
Há dois presentes de brasileiros. Um deles,
de 1957, quando o presidente Craveiro Lopes visitou o Brasil. No Amazonas,
recebeu um presente insólito. Um grande casco de tartaruga no qual um artista
regional pintara cenas amazônicas. Naquele momento, tinha algum sentido. No
museu de hoje, tornou-se grotesca coisa antiecológica. O museu tem grande
número de obras de arte e obras preciosas que expressam uma refinada concepção
de presentes de Estado. Dentre essas preciosidades, uma escultura de Bruno
Giorgi, oferecida ao presidente Ramalho Eanes quando de sua visita ao Brasil,
em 1978, que nos redimiu da casca de tartaruga.
Um desses presentes, descabido, foi
oferecido ao papa João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil, em 1980.
Damião Galdino da Silva, motorista do Senado Federal, aproximou-se dele e lhe
ofereceu como dádiva seu jegue Jericar. Para ele, o jegue era um símbolo dos
pobres e do sertão. Embarcado num navio, o jegue morreu durante a viagem para a
Itália.
*José de Souza Martins é
sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da
Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall
(1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras.
Entre outros livros, é autor de "As duas mortes de Francisca Júlia A
Semana de Arte Moderna antes da semana" (Editora Unesp, 2022).
A moto de madeira Harley Mito é ao mesmo tempo um presente "personalíssimo" (se me dessem eu jogaria fora) que a lei entende apenas objetos como boné, camiseta e quetais e um objeto de arte. Se o boçal colocasse ela à venda algum bilionário seguidor dele daria um milhão de reais por ela. Diante disso o caráter personalíssimo da moto perde sentido diante do valor dela. De modo que o boçal não poderia tê-la levado para casa.
ResponderExcluirO caso Bozo despertou USA para o mesmo problema, Arábia Saudita, Trump falhou em reportar a respeito de centenas de presentes com um valor total acima de 1/4 de milhões de dólares. Espadas de ouro dos Sauditas, joias Indianas. Não é atoa que o
ResponderExcluirBozo e o Trump são farinhas do mesmo saco. Jared Kushner teceu as caras swords dos Sauditas. Nesse imbroglio não salva ninguém.
Os presentes dados a família do Trump deixa no chinelo os presentes africanos, relógio Rolex. Por coincidência assombrosa o Trump também não declarou os presentes como deveria. As espadas do genro foi desde 2017. CORRUPÇÃO partilhada Brasil se promovendo a status de USA.
ResponderExcluirDo presidente de Salvador recebeu um quadro do Trump tamanho natural. Quem vai querer um presente feste? 2 presentes estão sumidos.
ResponderExcluirAs leis brasileiras com respeito ao tema eleitoral são mais rigorosas que em USA. Um ex. Quando John McCain candidatou à presidência concorrendo com o Obama, a sua candidata à vice (partido Republicano) recebeu. $ 150.000 D para adquirir roupas chic condizente com uma provável vice-presidente, para meu espanto isto foi considerado uma coisa corriqueira. Se fosse aqui no Brasil seria considerado crime lesa para o partido opositor.
ResponderExcluirSarah Palin vice de McCain, Ano 2008.
ResponderExcluirResumo da ópera, isso é mais comum que alguém possa pensar, principalmente quando se trata de quadro a óleo de Ivanka Trump ou do agente laranja.
ResponderExcluirPortanto, é melhor esclarecer de que o Brasil nem sempre é o vilão reconhecido por alguns, mais ponderação é plenamente justificável.
ResponderExcluirA história do Crucifixo deu muita confusão. Sofre complexo de inferioridade quem excede na rígida concepção que tudo de ruim no mundo só acontece no Brasil.
ResponderExcluirPior são os DOCs não desclassificado é que o Trump, Biden e o vice Pence não fizeram a obrigação de devolver ao Estado. Os do Biden constavam de coisas inocentes, tais como compras caseirinhas, pior foi o Trump com coisas relacionadas a segurança nacional e nuke.
ResponderExcluirUSS Indianapolis - torpedeado pelos Japoneses em 30 de Julho de 1945. O navio afundado em apenas 12 minutos a tripulação permaneceu na água durante 5 dias sendo devorada por tubarões. Ao final dos 1.196 homens apenas 317 sobreviveram. Se tivesse acontecido no Brasil, estaríamos até os dias de hoje jogando pedra no comandante do navio e falando mal de nós brasileiros.
ResponderExcluirÉ preciso resgatar a imagem do Brasil, Bozo foi uma catástrofe muito grande, todos sabemos, o que temos de fazer é colocar nosso país de volta aos trilhos e trabalhar para que esses acidentes do destino não se repitam mais. Menos fofocas e mais sugestões é o começo da trilha e quanto mais cedo iniciarmos melhor, porque o caminho é longo.
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