Valor Econômico
Há 32 pontos que PEC 110 remete para a lei
complementar
Se há algo diferente no atual esforço para
aprovação da reforma tributária é o envolvimento do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad. Alguns de seus antecessores no cargo diziam em público que o
tema era prioritário, mas trabalhavam nos bastidores contra sua aprovação. Uns,
por recear o impacto das mudanças na arrecadação. Outros, por discordar dos
rumos da proposta no Congresso.
Haddad tem investido capital político na reforma tributária, uma peça crucial em sua estratégia de retomada do crescimento econômico. Reservou em sua agenda um dia da semana para resolver, com os integrantes do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o tema, pontos de divergência. Na segunda-feira, recebeu líderes partidários da casa legislativa para explicar a importância de sua aprovação.
Assim, ele tem usado de sua diplomacia, já provada em episódios como o da discussão das metas de inflação e da volta da taxação sobre combustíveis. A reforma tributária, porém, exigirá uma costura política muito mais abrangente para ter alguma chance de avançar.
Ontem, o ministro reuniu-se com o
presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Edvaldo Nogueira, que comanda
Aracaju, para tentar aparar arestas desse importante foco de resistência: as
capitais brasileiras. Ofereceu algo ausente até então: diálogo.
Até agora, as conversas estiveram
concentradas em União e Estados, comentou o presidente da Associação Brasileira
das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Jeferson Passos, também de
Aracaju. Ele conta que Haddad foi habilidoso na conversa. Ex-prefeito de São
Paulo, demonstrou conhecer plenamente os problemas das cidades.
Ficou acertado que as prefeituras terão
acesso a dados do Ministério da Fazenda sobre os impactos da reforma. Assim,
poderão ter mais clareza sobre ganhos ou perdas financeiras. Esse foi, na
avaliação do secretário, um grande avanço.
As divergências, porém, são grandes. A
Abrasf está disposta a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso a reforma
tributária funda o Imposto sobre Serviços (ISS) com o Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Seria um atentado ao federalismo
brasileiro, avalia.
A mudança indesejada pela Abrasf consta dos
dois relatórios de reforma tributária que são o ponto de partida para a atual
rodada de negociações: as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110.
Ambas juntam o ISS com o ICMS.
No entanto, a reforma tributária perderia
muito sem a fusão do ISS com o ICMS, avaliou o secretário especial de Reforma
Tributária, Bernard Appy, em entrevista a este jornal.
Especialista em contas públicas, o
economista Sergio Gobetti afirma que essa mudança vai fortalecer a arrecadação
da grande maioria dos municípios, e não o contrário. Isso porque hoje as
prefeituras só podem cobrar ISS das empresas que estão sediadas nelas, e não
sobre os serviços que seus moradores consomem. Com a reforma, isso muda.
Mas não é só aí que há risco de a reforma
tributária parar nos tribunais. O próprio detalhamento da emenda
constitucional, a ser feito em uma lei complementar, pode virar disputa
jurídica se não for bem construído, comentou Appy.
Vão ficar para a lei complementar
definições importantes, como a base de incidência do novo tributo sobre o
consumo. Também uma clara definição de o que é o princípio de destino,
exemplificou Appy.
A lista, porém, é muito maior. Segundo
Passos, o relatório da PEC 110 tem pelo menos 32 itens que precisarão ser
regulados em lei complementar. É um processo que pode consumir anos de debate
e, no período, trazer grande insegurança para Estados e municípios, avaliou.
A FNP apoia a reforma tributária da PEC 46,
conhecida como “Simplifica Já”, que é menos disruptiva que as PECs 45 e 110.
Mantém cada nível de governo com seus próprios impostos, mas uniformiza as 27
legislações do ICMS e as 5.500 do ISS.
Na próxima semana, a FNP fará um grande
evento em Brasília, com a possível presença do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. E lançará uma frente parlamentar que já conta com 80 deputados, informou
Passos.
Muita diplomacia será exigida também no
Congresso Nacional. Em evento em São Paulo na última segunda-feira, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avaliou que o governo de Luiz Inácio
Lula da Silva não tem base nem para aprovar proposições simples. Que dirá PECs.
No front interno do governo, o ministro do
Trabalho, Luiz Marinho, abriu uma divergência para defender que a desoneração
da folha seja tratada na primeira etapa da reforma tributária. Não é esse o
plano de Appy.
Há ainda as pressões de setores econômicos
que se veem sob risco de ter sua carga tributária aumentada, como são os casos
de serviços e o agrícola. Jogar para a lei complementar a definição de como
ficará a carga de cada setor, como propõe e PEC 110, não tem sido resposta
suficiente. Também aqui, alguma forma de diálogo será necessária.
Não bastasse tudo isso, a reforma
tributária em si é um peixe difícil de ser vendido. Porém, será necessário
convencer a população dos benefícios dela.
O crescimento econômico, principal
objetivo, poderá demorar a chegar. Segundo admitiu Appy, as mudanças no sistema
tributário só deverão afetar ao dia a dia dos brasileiros lá por 2025, numa
conta otimista.
Para 2023, é esperada uma melhora de
expectativas dos agentes econômicos. Isso pode ter impacto sobre o crescimento,
mas não é possível medi-lo.
A reforma tributária trará uma taxação
sobre o consumo que será na faixa dos 25%, e isso vai assustar muita gente.
Esse é outro ponto difícil de vender: os brasileiros já pagam isso, mas não se
dão conta.
Esse quadro sugere que a reforma tributária
sofrerá mudanças. Será muito bom se o diálogo for capaz de, após 30 anos,
desencalhá-la.
Texto claro e elucidativo ao tema. Em tempos idos já nos adaptamos às mudanças de moedas e até a uma URV.Questões econômicas são aceitas quando há ampla divulgação sobre seus benefícios. Mudança boa não é rejeitada. Se político reclama é porque é ruim pro bolso deles.
ResponderExcluirO nome é complicado, mas o texto é muito compreensível. Parabéns à autora e ao blog!
ResponderExcluirPensei que a carga tributária do brasileiro fosse ainda maior.
ResponderExcluir