quarta-feira, 8 de março de 2023

Lu Aiko Otta - Reforma tributária e diplomacia de Haddad

Valor Econômico

Há 32 pontos que PEC 110 remete para a lei complementar

Se há algo diferente no atual esforço para aprovação da reforma tributária é o envolvimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Alguns de seus antecessores no cargo diziam em público que o tema era prioritário, mas trabalhavam nos bastidores contra sua aprovação. Uns, por recear o impacto das mudanças na arrecadação. Outros, por discordar dos rumos da proposta no Congresso.

Haddad tem investido capital político na reforma tributária, uma peça crucial em sua estratégia de retomada do crescimento econômico. Reservou em sua agenda um dia da semana para resolver, com os integrantes do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa o tema, pontos de divergência. Na segunda-feira, recebeu líderes partidários da casa legislativa para explicar a importância de sua aprovação.

Assim, ele tem usado de sua diplomacia, já provada em episódios como o da discussão das metas de inflação e da volta da taxação sobre combustíveis. A reforma tributária, porém, exigirá uma costura política muito mais abrangente para ter alguma chance de avançar.

Ontem, o ministro reuniu-se com o presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), Edvaldo Nogueira, que comanda Aracaju, para tentar aparar arestas desse importante foco de resistência: as capitais brasileiras. Ofereceu algo ausente até então: diálogo.

Até agora, as conversas estiveram concentradas em União e Estados, comentou o presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf), Jeferson Passos, também de Aracaju. Ele conta que Haddad foi habilidoso na conversa. Ex-prefeito de São Paulo, demonstrou conhecer plenamente os problemas das cidades.

Ficou acertado que as prefeituras terão acesso a dados do Ministério da Fazenda sobre os impactos da reforma. Assim, poderão ter mais clareza sobre ganhos ou perdas financeiras. Esse foi, na avaliação do secretário, um grande avanço.

As divergências, porém, são grandes. A Abrasf está disposta a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso a reforma tributária funda o Imposto sobre Serviços (ISS) com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Seria um atentado ao federalismo brasileiro, avalia.

A mudança indesejada pela Abrasf consta dos dois relatórios de reforma tributária que são o ponto de partida para a atual rodada de negociações: as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110. Ambas juntam o ISS com o ICMS.

No entanto, a reforma tributária perderia muito sem a fusão do ISS com o ICMS, avaliou o secretário especial de Reforma Tributária, Bernard Appy, em entrevista a este jornal.

Especialista em contas públicas, o economista Sergio Gobetti afirma que essa mudança vai fortalecer a arrecadação da grande maioria dos municípios, e não o contrário. Isso porque hoje as prefeituras só podem cobrar ISS das empresas que estão sediadas nelas, e não sobre os serviços que seus moradores consomem. Com a reforma, isso muda.

Mas não é só aí que há risco de a reforma tributária parar nos tribunais. O próprio detalhamento da emenda constitucional, a ser feito em uma lei complementar, pode virar disputa jurídica se não for bem construído, comentou Appy.

Vão ficar para a lei complementar definições importantes, como a base de incidência do novo tributo sobre o consumo. Também uma clara definição de o que é o princípio de destino, exemplificou Appy.

A lista, porém, é muito maior. Segundo Passos, o relatório da PEC 110 tem pelo menos 32 itens que precisarão ser regulados em lei complementar. É um processo que pode consumir anos de debate e, no período, trazer grande insegurança para Estados e municípios, avaliou.

A FNP apoia a reforma tributária da PEC 46, conhecida como “Simplifica Já”, que é menos disruptiva que as PECs 45 e 110. Mantém cada nível de governo com seus próprios impostos, mas uniformiza as 27 legislações do ICMS e as 5.500 do ISS.

Na próxima semana, a FNP fará um grande evento em Brasília, com a possível presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E lançará uma frente parlamentar que já conta com 80 deputados, informou Passos.

Muita diplomacia será exigida também no Congresso Nacional. Em evento em São Paulo na última segunda-feira, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), avaliou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não tem base nem para aprovar proposições simples. Que dirá PECs.

No front interno do governo, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, abriu uma divergência para defender que a desoneração da folha seja tratada na primeira etapa da reforma tributária. Não é esse o plano de Appy.

Há ainda as pressões de setores econômicos que se veem sob risco de ter sua carga tributária aumentada, como são os casos de serviços e o agrícola. Jogar para a lei complementar a definição de como ficará a carga de cada setor, como propõe e PEC 110, não tem sido resposta suficiente. Também aqui, alguma forma de diálogo será necessária.

Não bastasse tudo isso, a reforma tributária em si é um peixe difícil de ser vendido. Porém, será necessário convencer a população dos benefícios dela.

O crescimento econômico, principal objetivo, poderá demorar a chegar. Segundo admitiu Appy, as mudanças no sistema tributário só deverão afetar ao dia a dia dos brasileiros lá por 2025, numa conta otimista.

Para 2023, é esperada uma melhora de expectativas dos agentes econômicos. Isso pode ter impacto sobre o crescimento, mas não é possível medi-lo.

A reforma tributária trará uma taxação sobre o consumo que será na faixa dos 25%, e isso vai assustar muita gente. Esse é outro ponto difícil de vender: os brasileiros já pagam isso, mas não se dão conta.

Esse quadro sugere que a reforma tributária sofrerá mudanças. Será muito bom se o diálogo for capaz de, após 30 anos, desencalhá-la.

 

3 comentários:

  1. Anônimo8/3/23 09:54

    Texto claro e elucidativo ao tema. Em tempos idos já nos adaptamos às mudanças de moedas e até a uma URV.Questões econômicas são aceitas quando há ampla divulgação sobre seus benefícios. Mudança boa não é rejeitada. Se político reclama é porque é ruim pro bolso deles.

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  2. Anônimo8/3/23 23:28

    O nome é complicado, mas o texto é muito compreensível. Parabéns à autora e ao blog!

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  3. Pensei que a carga tributária do brasileiro fosse ainda maior.

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