Correio Braziliense
"‘Quem fala demais dá bom-dia a
cavalo’, diz um velho ditado mineiro"
Shahriar era o rei da Persia, cujo império
se estendia até a Índia e a China. Vendo-se enganado por sua esposa, ele se
convence de que ninguém será fiel a ele; por isso, durante três anos, ele toma
uma esposa à noite e manda executá-la na manhã seguinte, até se casar com a
filha de seu vizir, Scherezade, notável por sua beleza e inteligência.
Por mil e uma noites seguidas, Scherezade
recita um conto para ele até o amanhecer, tomando o cuidado de criar um
suspense e deixar o desfecho para a noite seguinte. Ansioso para saber o final
da história, Shahriar deixa a princesa viver mais um dia.
O pai da princesa Scherezade, Jafar, era o
responsável pelas execuções. Até que chegou o dia em que todas as mulheres
solteiras do reino foram executadas ou fugiram. Para livrar o pai de uma
retaliação, por não encontrar mais uma noiva para o rei, Scherezade se oferece
para se casar com Shahriar.
Inutilmente, o vizir tenta convencer a
filha: "Aquele que não sabe adaptar-se às realidades do mundo sucumbe
infalivelmente aos perigos que não soube evitar. Aquele que não prevê a
consequência dos seus atos não pode conservar os favores do século",
adverte-a.
Nem chegou às 100 noites de seu novo governo e o presidente Lula se depara com a situação descrita pelo vizir: não está sabendo se adaptar às novas realidades do mundo, corre perigos que poderia evitar e parece não medir as consequências de suas declarações. Na quarta-feira, na entrevista que deu aos jornalistas Leonardo Attuch, Helena Chagas, Tereza Cruvinel e Luís Costa Pinto, na TV 247, a primeira que concedeu ao vivo, atravessou a rua para escorregar na casca de banana.
Muito à vontade, pois estava entre
profissionais que o apoiaram na eleição, Lula não se deu conta de que não era
um programa gravado e editado, no qual pudesse falar em off, como é comum entre
os políticos. Ao comentar sua prisão, disparou: "De vez em quando, um
procurador entrava lá de sábado, ou de semana, para visitar, se estava tudo
bem. Entravam três ou quatro procuradores e perguntavam 'tá tudo bem?'. Eu
falava 'não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro'. Vocês
cortam a palavra 'foder' aí…".
Liderança moral
Já era tarde, a frase viralizou nas redes e
explicitou um ressentimento que Lula mal consegue esconder. Pior, coincidiu com
uma operação realizada por Polícia Federal, Ministério Público e Polícia Civil
de São Paulo, com a participação da Polícia do Senado, para desbaratar um grupo
de nove criminosos escalados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) para
sequestrar e matar o ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR), a
deputada Rosangela Moro (União Brasil-SP), sua esposa, e o promotor paulista
Lincoln Gakiya, entre outras autoridades e servidores públicos.
O bombardeio bolsonarista contra Lula ontem
foi intenso, ligava a declaração à investigação da PF. O ministro da Justiça,
Flávio Dino, teve até que dar uma entrevista repudiando as ilações: "Eu
fico espantado com o nível de mau-caratismo de quem tenta politizar uma investigação
séria, tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador
de oposição ao nosso governo", disse.
Na mesma entrevista, comentando a
Lava-Jato, Lula acusou os Estados Unidos de fomentar as investigações e
defendeu as empresas denunciadas na operação da força-tarefa de Curitiba:
"Tenho consciência de que a Lava-Jato fazia parte de uma mancomunação
entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça
americana, o Departamento de Justiça", para arrematar: "Era para
destruir. Porque as empresas da construção civil brasileira estavam ocupando
espaço no mundo inteiro".
"Quem fala demais dá bom-dia a
cavalo", diz um velho ditado mineiro. As declarações tiveram péssima
repercussão, inclusive internacional. Lula exumou politicamente a Operação
Lava-Jato, que foi encerrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas ainda tem
muito apoio popular. Jurado de morte pelo PCC e agredido por Lula, quem fez do
limão a limonada foi Sergio Moro, que ressuscitou seu velho projeto de
endurecimento das penas contra o crime organizado, elaborado quando era
ministro da Justiça de Bolsonaro.
Até ontem, Moro era uma figura apagada no
Senado, onde circulava como quem havia caído de um caminhão de mudanças. Virou
a estrela do dia, recebeu a solidariedade de todos os pares, inclusive do líder
do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), constrangido pelas declarações de
Lula. Moro voltou a empunhar a bandeira da ética na política e de um ator
relevante na disputa pela liderança moral da sociedade, que é o maior desafio
do governo Lula.
É isso aí
ResponderExcluirHoje só piorou a situação ao afirmar que as ameaças são uma armação do Moro...
ResponderExcluirComo não assume responsabilidade alguma por nada, covarde e falastrão, como sempre, o presidente depois disse que iria verificar se era realmente armação.
E de ética o Moro entende.
ResponderExcluirTá.