Correio Braziliense
Duda e Érica são as primeiras
deputadas trans da história, representam a mudança de costumes e a revolução de
gênero. É visível no plenário da Câmara o desconforto com a presença de ambas
Durante as comemorações do Dia
Internacional da Mulher, o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG)
roubou a cena, ao subir à tribuna e pôr uma peruca para agredir as deputadas
trans Duda Salabert (PDT-MG), a mais votada do seu estado, e Erika Hilton
(PSol-SP). “A esquerda disse que eu não poderia falar, porque eu não estava no
meu local de fala. Solucionei esse problema. Hoje, me sinto mulher, deputada
Nicole. As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem
mulheres”, afirmou, logo após Erika ter usado a tribuna.
A provocação recebeu pronta resposta das
deputadas presentes. Tábata Amaral (PSB-SP) anunciou que apresentará um pedido
de cassação do mandato de Nikolas na Comissão de Ética da Câmara. Desde 2019, a
transfobia é considerada crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Tábata é autora do projeto que inclui no Código Penal o crime de
condicionamento de dever de ofício à prestação de atividade sexual, aprovado
ontem. A proposta será enviada ao Senado.
Duda e Érica são as primeiras deputadas trans da história, representam a mudança de costumes e a revolução de gênero em curso no mundo. É visível no plenário e nos corredores da Câmara o desconforto com a presença de ambas na Casa, particularmente com Duda, que tem 1,90 e chama muita atenção pela altura. Primeira travesti eleita deputada federal por Minas Gerais, com mais de 208 mil votos.
Vice-presidente nacional do PDT, Duda, de
41 anos, tem uma agenda que não se limita a questões de gênero e combate ao
preconceito e à discriminação. Pretende fazer um “mandato climático”, focado
nos desastres ambientais causados pela mineração. Erika foi eleita com 256 mil
votos, entre os 10 deputados paulistas de maior votação, depois de um
bem-sucedido mandato na Câmara de São Paulo, na qual se destacou como defensora
dos direitos humanos e, principalmente, no combate à exclusão e à violência que
atinge travestis na capital paulista.
O episódio não foi gratuito, não houve
improviso, ninguém encontra uma peruca à disposição no plenário. Foi provocação
política, que sinaliza uma linha de atuação da bancada bolsonarista raiz, que
sempre se pautou por uma narrativa contra a revolução de gênero e homofóbica.
Essa foi uma das marcas do ex-presidente Jair Bolsonaro quando era deputado.
Uma de suas vítimas foi o ex-deputado Jean
Wyllys (PSol-RJ), que renunciou ao terceiro mandato em janeiro de 2019 e deixou
o país. Sofria ameaças das milícias do Rio de Janeiro desde o assassinato da
vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Recentemente, Wyllys anunciou em
Barcelona, onde vive, que voltará ao Brasil.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, tentou
esvaziar a polêmica sobre a intervenção de Nikolas com uma reprimenda pública:
“O plenário da Câmara não é palco para o exibicionismo e muito menos discursos
preconceituoso”, disse. Não funcionou. Na sessão dedicada às mulheres, sob
comando da vice-presidente da Câmara, Maria do Rosário (PT-RS), as deputadas subiram
à tribuna e desancaram Nikolas. Erika Kokay (PT-DF) foi uma das que acusou o
parlamentar de ter cometido um crime de homofobia. Falta de decoro pode ser
motivo de cassação de mandato.
Base desarrumada
O episódio de ontem revelou um ambiente
muito favorável ao radicalismo bolsonarista, porque a base governista está
desarrumada. Na segunda-feira, durante evento na Federação do Comércio de São
Paulo, Lira mandou recado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a
base do governo na Câmara é muito frágil, sem força até para aprovar projetos
por maioria simples. Nos bastidores da Câmara, os deputados da União Brasil e
do PP, que negociam uma federação ou fusão, não escondiam a intenção de impor
uma derrota ao governo na primeira oportunidade.
No Salão Verde da Câmara, o deputado
Eunício de Oliveira (MDB-CE) mostrava desconforto com a situação da bancada do
MDB e a atuação do líder do governo, José Guimarães (PT-CE), seu adversário
político no Ceará. Questionava o fato de o blocão parlamentar formado por todos
os partidos na eleição de Lira não ter um líder, nem ter escolhido o Líder da
Maioria. Com 495 deputados, o blocão vai do PL ao PT; apenas ficaram de fora a
federação PSol-Rede e o Novo. Será desfeito em breve.
O acordão serviu para reeleger Lira à Presidência da Câmara por amplíssima maioria, mas até agora não houve entendimento entre os partidos para formação das comissões permanentes da Casa. É uma cenário perigoso para o governo. Lira já não tem o mesmo poder que tinha no governo Bolsonaro, quando mandava e desmandava no Orçamento. O presidente Lula também não tem uma base parlamentar majoritária, depende de acordo com o Centrão para aprovar seus projetos.
E é!
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