Valor Econômico
Com possível adesão à “Belt&Road”, Lula
pretende impactar expectativas do mercado com âncora fiscal
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
desembarcará no Brasil no dia 1º de abril de volta de sua viagem à China e aos
Emirados Árabes não apenas com a esperada âncora fiscal, mas com compromissos
encabeçados por uma possível adesão ao “Belt&Road” (Cinturão&Rota),
iniciativa chinesa global de investimento em infraestrutura.
O adiamento da âncora fiscal para depois da
viagem não se explica apenas pelos embates em torno dos limites dos gastos
sociais nas novas regras, mas pela aposta no impacto dos resultados da viagem
sobre as expectativas.
Mais do que a manutenção do juro, o azedume de seu comunicado pressiona por uma âncora mais dura. Por isso, a viagem ganha mais centralidade. Se o crescimento depende de investimentos, estes de confiança e esta, por fim, de austeridade fiscal, Lula pretende se tornar pivô desta equação. Se trouxer da China e dos Emirados Árabes ele arrancar uma penca de investimentos, não lhe venham por um garrote fiscal.
O portfolio com o qual Lula pretende
arrancar, do mercado, expectativas positivas sobre o futuro da economia passa
ainda pela concretização da vinda para o Brasil da fabricante de carros
elétricos BYD para a planta da antiga Ford na Bahia, a venda de 20 aviões E-190
para a aviação regional chinesa e o anúncio, nos Emirados Árabes, de recursos para
o desenvolvimento da tecnologia do hidrogênio verde.
É verdade que ainda precisa combinar com os
chineses o que o “Belt&Road” vai render. O assédio já tem 10 anos, desde
que a iniciativa foi lançada como “One belt, one road” (um cinturão, uma rota).
A ambição inicial de um “Plano Marshall” global foi redimensionada pela
pandemia e pelos imperativos domésticos nas prioridades econômicas do país. Em
2022, a China amargou o pior crescimento desde 1978, de 2,7%.
As comemorações dos 10 anos da iniciativa
no início de março, porém, tiveram ares de relançamento. Até aqui, 150 países
aderiram, mais de 3 mil projetos estão em andamento com custos na casa dos
bilhões de dólares. “Não tem razão para o Brasil não entrar”, diz Celso Amorim,
chefe da Assessoria Especial da Presidência.
O embaixador descarta danos políticos
advindos da iniciativa. Não vê, numa eventual adesão, uma opção preferencial
pela China relativamente aos Estados Unidos. Proposta pela China na versão
preliminar do comunicado conjunto que os dois países têm discutido desde que a
visita começou a ser planejada, em janeiro, a adesão ainda depende de muitos
acertos. A parceria com empresas brasileiras é um deles.
O Itamaraty, aí incluído Amorim, mantinha
resistências à iniciativa chinesa por temer atrelamento. Nos últimos dez anos,
porém, o “Belt&Road” avançou para toda a América do Sul. Apenas Brasil e
Colômbia não aderiram. Paraguai não entra na lista porque não tem relações
diplomáticas com a China. Da União Europeia, aderiram Portugal, Grécia e Itália.
Nem todos, é verdade, receberam os
investimentos esperados, mas a famosa reestruturação das cadeias globais de
valor, que tanto beneficiaria o Brasil em função das ameaças impostas pela
pandemia e pela guerra da Ucrânia ao suprimento do Hemisfério Norte, tampouco
adquiriu a velocidade esperada.
Na visão de diplomatas brasileiros, se o
enviado especial dos Estados Unidos para o Clima, John Kerry, não conseguiu
acenar para além de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia, os americanos não podem
se queixar da aproximação brasileira de uma iniciativa para alavancar a
infraestrutura nacional.
A negociação com o “Belt&Road”
reforçaria ainda a posição brasileira na presidência do banco dos Brics, a ser
assumida pela ex-presidente Dilma Rousseff, que integrará a comitiva. Um
eventual ingresso do Brasil na iniciativa chinesa, na visão do Itamaraty, não
prejudicará o acordo do Mercosul com a União Europeia, visto que quase toda a
América do Sul integra o “Belt&Road”, e três países do bloco europeu também
o fazem.
Desde 2009, quando a China ultrapassou os
EUA como principal parceiro comercial do Brasil, o fluxo comercial entre os
dois países quadruplicou. As exportações brasileiras para aquele país são
superiores à soma daquelas registradas com os EUA e a União Europeia. Na área
energética, em 15 anos, os investimentos saíram de zero para US$ 70 bilhões.
Como toda visita, tudo será negociado até
os últimos minutos antes da redação dos acordos. E nem tudo que for anunciado
tem garantia de cumprimento. A BYD, por exemplo, é a fábrica que melhor copia
os carros da Tesla, mas não terá 100% da produção em carros elétricos num país
sem rede de abastecimento. Uma cota será dedicada a carros híbridos.
Lula será o primeiro chefe de Estado a ser
recebido pelo presidente chinês, Xi Jinping, depois de sua ida a Moscou. Amorim
vê a visita de Xi na mesma direção da busca pela paz na guerra entre Rússia e
Ucrânia apregoada pelo Brasil. E torce para que o presidente chinês também vá
aos EUA e converse com Volodimir Zelensky.
O futuro da democracia brasileira depende
muito de outro cinturão, aquele que pode protegê-la das investidas da extrema
direita. Isso remete à saúde das relações do Brasil com os Estados Unidos e com
a União Europeia. O avanço do Brasil rumo ao cinturão chinês sinaliza o quanto
a necessidade de investimentos externos norteia hoje o pragmatismo da
diplomacia nacional. A dúvida é se a entrada no cinturão chinês será suficiente
para livrar o Brasil de apertar o seu.
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Lula pretende reverter a venda da
Eletrobras, mas seu governo quer viabilizar aquilo que nem o Congresso, na
tramitação da medida provisória que permitiu a privatização da estatal,
admitiu: o uso de recursos públicos para a construção dos gasodutos. O uso da
PPSA para isso vai inaugurar outro capítulo na já tensa relação entre os
ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda).
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O ponto futuro da briga entre os dois
ministros, todo mundo sabe, é 2026. O que muita gente esqueceu é que a primeira
pedra foi atirada pelo atual titular da Casa Civil, em 2019, quando, em
entrevista à Veja, disse que o PT deveria ter apoiado Ciro Gomes na eleição do
ano anterior, disputada por Haddad. E foi além. Disse que não se excluiria das
opções do partido para a disputa de 2022. Dois meses depois da entrevista, Lula
deixou a prisão de Curitiba no rumo de volta ao Palácio do Planalto.
Maria Cristina sabe das coisas.
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