Valor Econômico
É a dívida privada, não a pública, que
corre risco e pressiona a política a convergir por redução no juro
No jogo de adivinha sobre as novas regras
fiscais que estão por ser apresentadas já se disse quase tudo. Quando a PEC da
transição, que impôs o prazo para sua apresentação, foi votada, a única certeza
que se tinha é que estas regras teriam que ser aprovadas sob pena de o teto de
gastos voltar a vigorar. As ambições anunciadas com a posse do novo governo lhe
deram centralidade e a crise de crédito da economia as tornaram um imperativo.
Foi sob a vigência do teto de gastos que o Congresso ampliou a obrigatoriedade da execução e o espaço fiscal de suas emendas. O teto haveria de vigorar apenas para o Executivo, não fossem as sete mudanças constitucionais que o furaram sob a régua e o compasso legislativos. A equação não tem mais como ser reprisada. A crise de crédito, inaugurada pela Americanas, e a zoada amplificada pela quebradeira de bancos estrangeiros também passou a acossar o Legislativo.
Com o acordo entre a União e os Estados em
torno da recuperação das receitas dos combustíveis, não é a dívida pública que
parece correr risco, mas a privada. Isso não passa desapercebido no Congresso,
pressionado a colaborar com a tramitação de uma fórmula fiscal que permita a
queda nos juros.
Silenciosamente, os governistas tomaram 14
das 16 comissões do Senado. O balanço é menos favorável na Câmara, mas o
naufrágio da federação União Brasil-PP está a demonstrar a força da gravidade
do governismo. É este o carimbo da disputa entre Câmara e Senado em torno do
rito das medidas provisórias.
Dois meses e meio de governo Luiz Inácio
Lula da Silva foram suficientes para demonstrar sua pressa em apresentar
resultados e a pressão sobre os gastos públicos dela derivada. Bastaram também
para mostrar que seu ministro da Fazenda busca a poção mágica capaz de ampliar,
para o mercado, a confiança que lhe deposita o presidente da República. Esta
poção mágica é o arcabouço fiscal.
A moderação com a qual Fernando Haddad se investiu
no cargo não é apenas o tempero da poção. É a receita - das regras e do mandato
do ministro. Sua condição de número 2 do PT o torna alvo preferencial do fogo
amigo no partido majoritário do governo. A confiança do mercado pode ancorá-lo
na medida em que as tentativas de desestabilizá-lo passem a inflacionar os
preços que financiam o Estado. O trauma produzido por Antonio Palocci ensinou
que a confiança do mercado só não pode ser maior do que aquela que lhe deposita
o presidente da República.
A identidade do mercado com o governo
passado fez com que as estripulias fiscais fossem engolidas sem grande alarde.
Já há evidências de sobra - acrescidas pela pesquisa Quaest/Genial desta quarta
- de que o azedume das mesas de operação com Lula será eterno enquanto dure. Se
não gostam do presidente, parecem aceitar o ministro da Fazenda. Isso pode
tornar a poção mágica mais palatável para o fim a que se destina: empurrar a
taxa de juros para baixo.
Está claro que esta foi a motivação da
antecipação das novas regras fiscais. A PEC da transição deu-lhe até 31 de
agosto. O governo tinha previsto sua apresentação para abril e depois antecipou
para março. A explicação de que é preciso dar tempo ao Congresso para
discuti-las cabe no figurino de negociador envergado por Haddad, mas é a
pretensão de impactar o próximo Copom que o move.
Nem o economista Luiz Gonzaga Belluzzo,
porém, acredita que as novas regras sejam capazes de produzir uma redução no
juro nesta próxima reunião do Comitê de Política Monetária. Prefere apostar que
as regras, com limites de gasto atrelados ao desempenho da economia e, por
conseguinte, da receita, se pautarão por um ritmo tão paulatino quanto deve ser
o da redução na taxa de juros.
No meio do caminho há as ansiedades. A
pressa que Lula cobra de seus ministros produz atropelos multiplicados por 37.
Autor de uma tese de doutorado na UNB sobre a aprovação das regras fiscais e
integrante da secretaria de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento,
Girley Damasceno, trata de desfazer o mito de que as estruturas dos ministérios
produzem despesas. O que aumenta, diz, são as propostas, ou que Lula preferiu
chamar de “genialidades”.
Se o governo parlamentarista de Michel
Temer inchou a participação do Congresso no Orçamento e Jair Bolsonaro a ampliou,
Lula não a reduziu. E ainda ampliou o número de Pastas, em busca de uma base no
Congresso, que também faz proliferar genialidades como a passagem de avião a R$
200.
Não poderia haver proposta mais emblemática
do momento. Ex-governador de São Paulo, derrotado na disputa pela reeleição e
pelo Senado, Marcio França não sepultou suas ambições eleitorais por ter sido
colocado num ministério insípido como o de Portos e Aeroportos.
Achou que poderia reviver os tempos em que
os aeroportos tinham clima de rodoviária e encontrou empresas aéreas mais do
que receptivas à ideia de ocupar a capacidade ociosa das aeronaves com o que
França chamou de “nosso público” (estudantes do Fies, aposentados e
servidores).
Num governo marcado pela paralisia do
Estado, a proatividade dos ministros não deveria espantar. O ministro da
Previdência, Carlos Lupi, o primeiro a ser repreendido, nas 48 horas iniciais
do governo ao falar em rever a reforma aprovada no governo passado, resolveu
voltar à carga. Juntou forças no Conselho Nacional da Previdência para reduzir,
numa canetada, o juro do consignado. Num mercado já competitivo, a medida
arrisca a racionar e encarecer o crédito, na contramão do Desenrola.
Depois de um governo marcado pela paralisia
do Estado, seria esperada tamanha proatividade dos ministros. O difícil será
fazer caber tudo isso num garrote fiscal. Consultor legislativo de Orçamento,
Orlando Neto é testemunha de todas as regras fiscais propostas nas últimas
décadas. Não titubeia em dizer que, seja qual for a proposta da vez, será
descumprida. Basta olhar para a pedalada de Paulo Guedes que jogou, para 2026,
uma conta de R$ 121 bilhões de precatórios. Se o mercado aprecia limites
rígidos, há de aceitar que um rombo desses, por irremovível, deve ser
reconhecido nas regras. Esta é a mágica.
Lendo e tentando aprender.
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