O Globo
Estudo mostra que referências científicas
no debate da Covid-19 foram de péssima qualidade
O uso de termos técnicos e científicos no
debate sobre a Covid-19 no país durante a pandemia, especialmente no decorrer
da CPI do Senado, mostra como é possível desvirtuar evidências científicas em
políticas públicas, propiciando a grave crise que levou à morte de quase 700
mil pessoas no país. Um estudo do Laboratório Lagom Data, de inteligência de
dados, apoiado pelo Instituto Serrapilheira, instituição privada de incentivo e
valorização da ciência no Brasil, levantou todas as 91 mil falas das 69 sessões
da CPI da Covid, com mais de 3 milhões de palavras, e fez uma análise
quantitativa e qualitativa para entender como as referências científicas foram
usadas.
Os pesquisadores concluíram que quem mais trouxe estudos científicos para a discussão foram justamente os parlamentares e depoentes ligados ao campo negacionista, mas com referências de péssima qualidade, estudos falhos e enviesados. O discurso negacionista, segundo os pesquisadores Daniel Duarte (USP) e Pedro Benetti (Uerj), estrutura-se em cinco estratégias:
1) a identificação de conspirações;
2) o uso de falsos experts;
3) a seletividade ou ênfase em pesquisas
isoladas que contrariam o consenso científico;
4) a criação de expectativas impossíveis
para as pesquisas;
5) o uso de falácias lógicas e deturpações.
As referências usadas foram identificadas
para, segundo o estudo, entender as controvérsias que se apresentavam ao
público em torno das evidências que embasaram o combate (e o combate ao
combate) à Covid-19. Um filtro de palavras encontrou 2.828 falas com citações a
estudos. A partir de uma análise quantitativa e qualitativa das referências
mobilizadas na CPI, os principais pontos que podem ser observados, segundo o
estudo, são:
1) Negacionistas usaram a “pompa” da
ciência
Com o apoio de um grupo de WhatsApp de
médicos governistas, a “tropa de choque” governista metralhou a comissão com
referências enviesadas de estudos, vocabulário científico fora de contexto e
demandas de credenciais, tudo usado como argumento de autoridade. Esse tipo de
argumentação — uma espécie de “você sabe com quem está falando?” — é um
clássico usado por “mercadores da dúvida” para confundir o ambiente de
informação.
2) Didáticos, os pró-ciência pouco citaram
O didatismo e a relevância no debate
público foram critérios dos convites. Foram chamados divulgadores, como Natalia
Pasternak, e autoridades, como Dimas Covas e Luana Araújo, mas o foco de suas
falas não foi o debate sobre evidências; sobretudo, buscaram esclarecer temas.
Foi uma escolha acertada em relação ao público das audiências, mas ao mesmo
tempo faltou densidade científica aos debates.
3) Critério de convite não foi o currículo
Lattes
O epidemiologista Pedro Hallal foi um raro
convidado da CPI a já ter publicado, quando foi à CPI, estudos de qualidade
sobre Covid-19 feitos em instituições de pesquisa acadêmica. É preciso reunir
relevância científica ao debate público.
4) Citações foram usadas como armas no
embate
Os estudos mais citados dentre os
identificados nos debates da CPI foram alvo de objeções metodológicas,
apontadas seja pelo governo, seja pela oposição. Eles não constituem a maior
parte da produção científica e sobretudo não representam toda a riqueza de
conhecimento sobre a doença, gerada também com recursos públicos.
5) Faltou mais consultoria científica
As sessões com mais concentração de
citações de evidências foram as que reuniram especialistas para falar sobre o
combate à Covid-19 ou defender as decisões do governo. Do lado governista, um
grupo municiava depoentes e senadores com vocabulário e referências que,
apresentadas como argumento de autoridade, corroborariam as ações tomadas. Do
lado da ciência, faltou esse tipo de mobilização.
O capitalismo em sua atual fase de desenvolvimento, um cadáver insepulto, necessita de um clima espiritual no qual as pessoas chamem urubu de meu louro e deem bom dia a cavalo. Instaurar esse clima é a tarefa do populismo trumpo-bolsonarista.
ResponderExcluirTexto bem informativo e equilibrado, parabéns ao colunista e ao blog que divulga o seu trabalho!
ResponderExcluirParece mentira que o Brasil passou por tudo isso!
ResponderExcluirNa época, o Mervsl não ajudou em nada, muito pelo contrário
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