O Globo
O cenário econômico não é desastroso, mas
também não é muito positivo: inflação de alimentos está em queda, e o cenário
de crédito piorando
É difícil definir uma conjuntura como a
atual. Há excelentes notícias e vários complicadores. A inflação de alimentos
está caindo e os preços de grãos e de carnes já estão baixando, apesar do
número ruim do IPCA de fevereiro. Este é o primeiro alívio desde o começo da
pandemia. Arroz e feijão, no entanto, permanecerão altos. O PIB vai desacelerar
e crescer 1% este ano, mas tem chances de subir no ano que vem, com a
recuperação mundial. Os juros estão muito elevados e o mercado de crédito está
piorando. O governo tem desarmado bombas herdadas como, por exemplo, o bom
acordo que fez com os estados e anunciado na sexta-feira, para resolver o
problema da queda forçada do ICMS imposta pelo governo Bolsonaro.
O economista José Roberto Mendonça de
Barros é taxativo ao analisar as várias nuances dessa conjuntura.
– Vai errar quem comprou o cenário desastre, aliás muita gente já está perdendo dinheiro por acreditar nesse cenário ruim. Houve quem apostasse em dólar a R$ 5,60 ou mais, mas ele tem ido, no máximo, a R$ 5,20. Quem comprar o cenário muito positivo também vai errar. No meio vai acontecer muita coisa boa e ruim, que cabe ao analista ver a combinação.
A queda dos preços dos alimentos é a melhor
notícia da temporada e ela acontece em parte pela supersafra que está sendo
colhida. Com redução dos preços de soja e milho, rações ficam mais baratas, o
que derruba o preço de frango e porco. Carne vermelha já estava em queda antes
do embargo. E isso eu conversei também com o ministro da Agricultura, Carlos
Fávaro, que é pecuarista. Ele contou que está acontecendo o ciclo de baixa do
boi e deu seu próprio testemunho de estar comprando agora o bezerro muito mais
barato do que há um ano. E os insumos também estão em queda. O problema vai
ficar restrito à dobradinha arroz com feijão.
– La Niña atingiu fortemente o Rio Grande
do Sul o que afetou a produção de arroz que, contudo, é fácil importar. O
problema é o feijão que consumimos aqui que só nós produzimos, e não adianta o
PT falar em estoque regulador. Feijão não se guarda – explicou José Roberto.
No governo, a preocupação é com a taxa de
juros que é vista como a causa de todos os problemas, como me contou um
participante de recente reunião no Palácio. A avaliação interna é que os juros
vão impedir o crescimento e ampliar o risco de empresas quebrarem pela piora
das condições do mercado de crédito.
– Vamos ficar entre um cemitério de
empresas ou a necessidade de um pronto socorro – me disse o político.
José Roberto admite que os juros estão
altos sim e acha que essa parte da crítica está certa. Prevê queda mais
adiante, mas diz que os problemas no mercado de crédito são decorrentes da
crise das Americanas e estão restritos ao setor.
– Houve uma reprecificação no volume,
condições financeiras e taxas dos empréstimos, e isso levará a uma
reorganização do varejo e afetará o fornecedor do varejo, mas não é o
suficiente para provocar uma crise – afirmou José Roberto.
Roberto Padovani, do BV, não vê também o
risco de uma crise de crédito.
– Esse é um debate ainda em aberto, mas na
minha avaliação não é uma crise de crédito. Isso acontece quando a economia
entra em recessão, as empresas têm receita caindo e há um fenômeno generalizado
de piora das condições financeiras, calotes, oferta de crédito. Agora o que
está acontecendo pega o varejo e o pequeno varejo.
Em Brasília, o governo Lula tem agora o
desafio de construir uma base sólida na Câmara, até porque tem uma pauta
econômica ampla pela frente.
– A reforma tributária vai sair. Se vai ser
melhor ou pior, depende das circunstâncias, mas o fato é que ela pode ser sim
uma mudança estrutural relevante com impacto no custo das empresas, aí a
inflação vai cair muito mais do que está caindo – diz José Roberto.
Ele acha que se o governo confirmar uma
política orçamentária que leve o déficit a menos de 1% do PIB este ano e perto
de zero no ano que vem, como tem prometido o ministro Fernando Haddad, e a
âncora fiscal for “minimamente razoável”, o dólar vai para menos de R$ 5 e o
país pode crescer mais no ano que vem. Até porque, ele prevê uma retomada da
economia dos Estados Unidos em 2024, e da própria Europa. Mas, como alerta,
“tudo vai depender da nova regra fiscal”. Nessa semana, ela será apresentada ao
presidente Lula e o debate vai começar.
Bons ventos sopram na economia.
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