domingo, 26 de março de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Minha Casa Minha Vida tem de mirar população em risco

O Globo

Programa habitacional relançado pelo governo Lula deveria priorizar quem mora em áreas vulneráveis a chuvas

As tragédias causadas por chuvas torrenciais no Litoral Norte de São Paulo, que deixaram 65 mortos no mês passado, e em Manaus, que mataram oito moradores neste mês — entre eles quatro crianças —, expuseram ao país outra catástrofe: a vulnerabilidade das populações em áreas de risco. Ao longo de décadas, sob a vista do poder público, comunidades foram erguidas em encostas que jamais poderiam ter sido ocupadas, por serem altamente suscetíveis a deslizamentos de terra, especialmente quando submetidas a volumes de chuva excepcionais, como os 683mm que desabaram em 24 horas no Litoral Norte de São Paulo, o recorde no Brasil.

Tivessem essas tempestades arrasadoras desabado noutros lugares, só mudariam o cenário e as vítimas, pois as condições de ocupação não são diferentes no resto do país. Em 2018, uma pesquisa feita pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em parceria com o IBGE em 872 municípios mostrou que viviam em áreas suscetíveis a deslizamentos de terra ou enchentes 8,3 milhões de brasileiros — número atualizado em 2022 para 9,5 milhões, quase 5% da população.

Diante dessa calamidade, o governo federal deveria dar prioridade no programa Minha Casa Minha Vida, relançado recentemente, às famílias que vivem em áreas de risco, pois elas precisam urgentemente se mudar para lugares seguros e em geral não têm recursos para isso.

É possível que os beneficiários das unidades em construção (há milhares de obras paradas que o governo promete retomar) já estejam definidos, mas as novas construções deveriam ser destinadas às populações de áreas de risco. O próprio governo anunciou que o novo foco do programa serão as famílias de menor renda, que recebem como subsídio de 85% a 95% da prestação. Governos estaduais e municipais também deveriam orientar suas políticas habitacionais na mesma direção. Pagar aluguel social indefinidamente a desabrigados, prática comum de governadores e prefeitos, não resolve e só prolonga o sofrimento.

É importante ainda que as novas unidades fiquem em áreas centrais ou de fácil acesso. Historicamente, por falta de programas habitacionais consistentes ou por políticas equivocadas, a população de baixa renda passou a ocupar as áreas de encosta, onde desastres são questão de tempo. Permitir essas ocupações pode render votos a políticos populistas, mas, quando acontecem as tragédias — e elas são cada vez mais prováveis diante das mudanças climáticas —, o erro fica exposto, como ocorreu em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, no Litoral Norte de São Paulo e em Manaus.

Obviamente o problema não será resolvido de uma hora para outra, mas é preciso pelo menos começar. Por isso deveria ser tarefa urgente dos governantes construir moradias em locais seguros para reassentar os moradores das áreas de mais alto risco, demolir as casas condenadas e reflorestar as encostas. É o melhor caminho para impedir que, a todo verão, o Brasil conviva com tragédias que poderiam ter sido evitadas não fossem a incúria, o descaso e a demagogia dos governos.

Bioeconomia é saída para geração de riqueza preservando Amazônia

O Globo

Cientistas estimam potencial de receita dos projetos em US$ 50 bilhões ao longo de uma década

Neste início de governo, o Brasil está diante de uma oportunidade única de aproveitar a imagem da Amazônia no mundo. Preservar a floresta dependerá de apoio externo, como tem insistido a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Mas só isso não basta. A preservação só dará certo se for possível criar negócios que, para a população local, sejam mais rentáveis que derrubar árvores. Enquanto a árvore em pé valer menos que no chão, a destruição persistirá. É essa lógica que precisa ser invertida.

Erros o país já cometeu demais, desde antes de a Amazônia ter sido transformada em alvo de madeireiros e garimpeiros ilegais no governo Jair Bolsonaro. Ainda na ditadura militar, um programa de reforma agrária distribuiu terras sem cuidar da fonte de renda dos assentados. Resultado: os assentamentos se transformaram em polos de desmatamento.

Gerar riqueza sem destruir a floresta é um desafio que hoje mobiliza empresários e cientistas. “Se conseguirmos zerar o desmatamento ilegal, dá para inverter a economia da Amazônia em menos de dez anos”, afirma o climatologista Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo (USP). Ele avalia o potencial de geração de renda da região em US$ 50 bilhões ao longo de uma década por meio de projetos voltados para a bioeconomia.

Um exemplo, apresentado recentemente no Fórum Ambição 2030, realizado no Brasil pelo Pacto Global da ONU, é a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (C.A.M.T.A), no Pará, que extrai da floresta uma centena de produtos com rentabilidade de US$ 1.000 ao ano por hectare, dez vezes o retorno da pecuária.

Produtos da floresta como açaí, castanha ou cupuaçu podem gerar receita de R$ 170 bilhões até 2040 se forem adotadas políticas públicas adequadas, segundo um estudo de 2019 sobre cadeias produtivas no Pará patrocinado por Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Natura e The Nature Conservancy (TNC).

A equipe coordenada pelo economista Francisco de Assis Costa, da Universidade Federal do Pará, pesquisou 30 produtos, desde a produção até a comercialização. Concluiu que a capacidade de a floresta gerar riqueza tem sido subestimada. Só esses 30 produtos geraram R$ 5,4 bilhões em 2019, o triplo do registrado nas estatísticas oficiais do IBGE. A mesma pesquisa constatou que parte da população que trocou a pecuária pelo açaí e por produtos agroflorestais subiu da classe E para a C. A maioria dos produtos era não industrializada, mesmo assim houve, segundo Nobre, melhoria de vida.

Ainda que não houvesse nenhuma cobrança interna e externa, reverter a devastação da Amazônia é simples questão de racionalidade. Além de contribuir para o aquecimento global, a floresta degradada altera os regimes de chuva no Brasil, criando problemas para a agropecuária, setor mais dinâmico da economia brasileira. A floresta em pé, em contrapartida, pode ampliar a pauta de exportação com produtos gerados pela bioeconomia.

Aqui e agora

Folha de S. Paulo

Lula deve abandonar o passado e entender que depende de crescimento econômico

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende reeditar feitos de seus dois primeiros mandatos. Até agora, contudo, nota-se ansiedade traduzida em discursos contraproducentes e manifestações de que a volta aos bons tempos depende da mão forte do governo.

Nos mandatos anteriores, o ritmo de crescimento foi o maior em quatro décadas. A dívida pública diminuía, graças também a superávits fiscais. O problema histórico da dívida externa desapareceu. A inflação estava sob controle, a taxa básica de juros caía.

Esquece-se, Lula inclusive, de que os progressos dependeram também de reformas realizadas.

O cenário econômico, porém, ora está do avesso. O crescimento mundial deve ser no máximo medíocre no próximo biênio e, aqui, parece ser o de 1,5% ao ano. O Orçamento não dá conta nem das presentes despesas. A dívida pública aumentou sobremaneira e, assim, o dispêndio potencial com juros. Já o investimento estatal continua ineficiente e capturado por elites.

A receita federal agora equivale ao dos anos finais de Lula, quando acomodava a despesa e ainda um superávit de 2% do PIB. No entanto os gastos aumentaram, em particular na Previdência e na assistência social. O déficit previsto para este ano é de 1% do PIB.

Sem sinal de que o governo terá algum superávit, a conturbação econômica frustrará as boas intenções, a começar pelo desejo de juros menores. Nem um forte aumento de impostos bastaria para dar conta da quadratura do círculo.

A receita como proporção do PIB é a mesma do final de Lula 2, mas o PIB está no mesmo nível faz uma década. Sem a aceleração do crescimento, pois, não há recursos. Ainda em caso de sucesso, será impossível incrementar a despesa social no ritmo da gestão anterior do petista ou o investimento público, como proporção do PIB.

O progresso social depende do crescimento econômico. Para isso, é preciso fomentar o investimento privado por meio de reformas maiores ou menores. Trata-se de mudança tributária, no crédito, na garantia de investimentos, com remoção do entulho regulatório e revisão de despesas inúteis.

Mesmo assim o governo ameaça rever, para pior, reformas nas estatais e no saneamento, intervir em preços e taxas de juros. Planeja incentivar tecnologias pautadas por preocupação ambiental, mas sugere intervenções caducas, desastrosas sob Dilma Rousseff (PT).

Um bom programa de governo ainda pode ser implementado. Mas Lula precisa acordar do sonho de que está em 2005 ou 2010.

O futuro dos Correios

Folha de S. Paulo

Carente de investimentos, empresa deve ter privatização aprovada pelo Congresso

Com um prejuízo de R$ 809 milhões amargado em 2022, segundo informações preliminares antes da publicação do balanço do ano, foi interrompida a sequência de bons resultados dos Correios. De 2020 a 2021 houve lucro acumulado de R$ 5,5 bilhões, favorecido pela expansão do comércio eletrônico durante a pandemia.

O quadro, segundo informações do jornal Valor Econômico, pode ser menos ruim do que os números vermelhos fazem parecer, pois a mudança principal foi um provisionamento de R$ 1 bilhão referente a processos judiciais.

No período, a empresa estatal ainda teve um lucro recorrente próximo a R$ 1,5 bilhão, muito diferente dos expressivos prejuízos observados nas administrações petistas anteriores —para nem falar dos escândalos de corrupção.

O saneamento recente não garante solidez à frente, contudo, diante da rápida transformação tecnológica do setor. Em 2022, a receita dos Correios caiu R$ 1,6 bilhão, para R$ 19 bilhões. Foram investidos apenas R$ 758 milhões (sendo R$ 202 milhões em tecnologia), muito aquém dos R$ 2,5 bilhões considerados necessários.

É danosa, nesse quadro, a resistência petista à privatização, que vinha sendo preparada nos últimos anos sob a coordenação do BNDES.

Pelos estudos, que consideraram as experiências internacionais, seria preservada a natureza pública dos serviços postais.

As políticas que orientam o setor permaneceriam com o Ministério das Comunicações, com regulação da Anatel, de modo a garantir a permanência de acesso universal e modicidade tarifária para correspondências e encomendas em determinados padrões.

Ao mesmo tempo, haveria reforço da concorrência no mercado nacional de encomendas, que vive crescimento acelerado.

Essa é a lógica do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados e que merece amplo debate por parte dos parlamentares.

Manter o status quo será prejudicial para os Correios e para o contribuinte. O estudo do BNDES mostra os desafios para o setor, a começar pela queda continuada da remessa de correspondências em todos os países analisados.

A oportunidade está no segmento de encomendas, que avança com o comércio eletrônico e exige investimentos em tecnologia e logística.

Sem amarras e ineficiências, os Correios poderão ampliar seu papel. A empresa tem quase 100 mil funcionários e capilaridade única no país. Para que possa competir, precisa de boa gestão, flexibilidade e acesso a capital.

A realidade empareda Lula

O Estado de S. Paulo.

Ante a queda de aprovação, Lula hesita entre medidas para resgatar a popularidade, mas fugazes e deletérias, e medidas impopulares, mas que viabilizariam sustentabilidade do governo

Ante a queda de aprovação, Lula hesita entre resgatar a popularidade e governar.

Segundo pesquisa Ipec divulgada dia 19, 41% dos brasileiros consideram o governo Lula da Silva bom ou ótimo; 30%, regular; e 24%, ruim ou péssimo. Correligionários otimistas, como o ministro da Justiça, Flávio Dino, consideram a fatura “muito positiva”. A comparação é com o governo Jair Bolsonaro, que no terceiro mês tinha os mesmos 24% de reprovação, mas só 34% de aprovação.

A realidade começa a dar as caras quando se compara a popularidade de Lula 3 com os índices maiores dos inícios de Lula 1 e 2, e mesmo de Dilma Rousseff. Mas o choque da realidade não vem do contraste com 2003, nem mesmo com os célebres oitenta e tantos por cento de aprovação de 2010, mas sim com 2023 mesmo, mais exatamente janeiro, quando o Ipec registrou 55% de aprovação e 21% de rejeição. Em dois meses, a aprovação líquida despencou de 34 para 17 pontos porcentuais.

Quedas no início do governo são normais, mas essa magnitude impressiona. Primeiro, pelos presentes políticos recebidos por Lula: do eleitorado, o voto útil ou convicto de adversários históricos atemorizados com um Bolsonaro 2; do Congresso, uma “licença para gastar” de R$ 200 bilhões; e dos antípodas bolsonaristas, a barbárie do 8 de Janeiro e o escândalo das joias da coroa árabe.

Mas ainda mais notável é que a queda usual – em dimensões inusuais – não se explica pelas razões usuais. É regra número 1 do manual presidencialista que início de governo serve para aproveitar a força conferida pela vitória eleitoral para avançar medidas impopulares que garantirão a governabilidade e, se tudo der certo, trarão bons resultados para apresentar quando chegar a época de eleições.

Foi assim em 2003, quando Lula desagradou às bases petistas adotando os parâmetros fiscais do governo FHC, cedendo posições a partidos aliados e aprovando uma modesta, mas importante, reforma da Previdência dos servidores públicos. Agora, a racionalidade exigiria avançar na aprovação de um novo marco fiscal que permitiria ao governo domesticar a inflação e navegar com juros mais baixos. Mas isso exige aceitar a realidade: que sem um freio de arrumação robusto não haverá investimentos privados e arrecadação para financiar ambiciosos projetos sociais; que a mera oferta mercantil de cargos de segundo escalão não lhe dará bases parlamentares sustentáveis; e que a oposição à ideologia lulopetista abarca muito mais gente que os espantalhos, tanto os de sempre, os “ricos”, como os novos, os “fascistas” bolsonaristas. Lula e o PT tentam reescrever a história, mas o povo não a esqueceu: o gosto amargo das tragédias do mensalão, do petrolão e da recessão segue na boca de todos.

Não faltam vozes no governo sensíveis aos imperativos da realidade, a começar pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e dois ministros emblemáticos da chamada “frente ampla”, Simone Tebet, do Planejamento, e Geraldo Alckmin, da Indústria. Mas tampouco falta o coro vociferante dos velhos próceres lulopetistas.

O problema é que Lula parece atordoado nessa cacofonia. Proverbialmente hábil na arte da composição, ele parece capturado pela hesitação. É sinal de que a realidade bate à porta. Lula é pródigo em embriagar as massas com promessas demagógicas. Nos palanques, ele mesmo condescende a uma ou duas doses a mais. Mas, na cadeira presidencial, ele sabe que há limites. Chamar gasto de “investimento” não mudará a realidade de que o Orçamento é um só e dinheiro não dá em árvore. A indulgência aos excessos ambicionados pela militância petista porá um fim precoce a uma festa já limitada em recursos. A ressaca será duradoura e mais dura em 2026.

Mas Lula vacila. De vez em quando salta da cadeira presidencial, gesticula e vocifera como se estivesse no palanque. As claques vão à loucura. Mas o Brasil que trabalha e produz continua a sentir as pressões da inflação e ver as previsões do PIB encolherem no horizonte; o Brasil que tem fome continua com fome; e o Brasil que vota continua a ampliar sua desconfiança. A seguir assim, Lula 3 está se condenando a corroborar a célebre máxima de Marx sacada no retorno do bonapartismo ao poder: “A história se repete primeiro como tragédia, e, depois, como farsa”.

Bolsonaro não pode ficar impune

O Estado de S. Paulo.

Ex-presidente cometeu inúmeros crimes eleitorais e deve pagar por isso, seja qual for a composição da Justiça Eleitoral; sua absolvição será o mesmo que chancelar o vale-tudo eleitoral

Há rumores de que a mudança de composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski neste semestre, poderia favorecer o ex-presidente Jair Bolsonaro, que responde a várias ações na Justiça Eleitoral. O tema é sério, afetando não apenas a autoridade do Judiciário, mas o próprio funcionamento do regime democrático. A vigência da lei e, consequentemente, a sua aplicação não podem depender da composição específica de um tribunal.

É incontestável que Jair Bolsonaro cometeu crimes eleitorais e deve, portanto, ser punido por seus atos, a começar pela decretação de sua inelegibilidade. Além de ter descumprido as limitações legais próprias do período eleitoral no uso dos recursos públicos – valeu-se sem nenhum pudor da máquina pública em benefício próprio –, Jair Bolsonaro pôs em marcha a maior campanha de difamação da história contra o sistema eleitoral brasileiro. Essa campanha, que incluiu até mesmo o uso da posição de chefe de Estado para desautorizar o regime democrático nacional perante embaixadores estrangeiros, desembocou, entre outros danos, na resistência inédita de milhares de brasileiros ao resultado das eleições e nos atos do 8 de Janeiro. Também há indícios fortes de uso de órgãos de Estado, como a Polícia Rodoviária Federal, para fins eleitorais.

Em 2021, por muito menos, o TSE cassou o mandato do deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Francischini. A Corte entendeu que houve abuso do cargo público – na época, Francischini era deputado federal – por difundir, em benefício próprio, desinformação contra as urnas eletrônicas.

Em respeito à legislação brasileira e à jurisprudência do próprio tribunal, o TSE tem o dever de tornar inelegível Jair Bolsonaro. E deve-se acrescentar outro motivo, não menos importante: em respeito à moralidade pública e ao regime democrático. Há no caso uma questão primária de exemplaridade. Se depois de Jair Bolsonaro ter usado o mais alto posto da República em benefício próprio e contra as regras do sistema eleitoral a Justiça não tornálo inelegível, sendo-lhe permitido continuar disputando eleições, tal impunidade será a desautorização extrema da Justiça Eleitoral. Além de dizer com todas as letras que o crime compensa, o TSE não terá nenhuma autoridade para aplicar a pena de inelegibilidade a mais ninguém. Significaria pôr, em um só ato, o manto da impunidade no mais alto estágio, alcançando todos os casos.

Por isso, respeitar a lei e a jurisprudência, sem tolerâncias seletivas com Jair Bolsonaro, é respeitar e defender a própria Justiça. Do mesmo modo que atacou o sistema eleitoral, o bolsonarismo vem ameaçando e atacando, de longa data, o Poder Judiciário. Agora, com o andamento dos processos contra Jair Bolsonaro no âmbito eleitoral, são patentes as tentativas de seus seguidores para desautorizar de antemão a Justiça Eleitoral, qualificando-a de política e parcial.

A melhor resposta a mais essa manobra é a aplicação serena da lei, sem atentar para o nome que consta na capa dos autos do processo. Tornar inelegível Jair Bolsonaro não é uma retribuição da Justiça pelos seus quatro anos de governo, tampouco uma espécie de contra-ataque do Judiciário contra os devaneios de um chefe do Executivo federal. O tema é mais simples e linear, menos conturbado e controvertido. É apenas a vigência do princípio basilar da República, a igualdade de todos perante a lei. Assim como qualquer outro brasileiro, Jair Bolsonaro não merece tratamento especial. A lei também vale para ex-presidentes da República, por mais populares que sejam.

É muito salutar, também como mensagem para os que ocupam agora cargos nas diversas esferas estatais, em concreto no Executivo federal, que nenhum abuso no exercício do poder público fique impune. O País precisa desse mínimo civilizatório. A lei deve prevalecer sempre, seja qual for a coloração ideológica do investigado ou a composição do tribunal. Jair Bolsonaro não é mito nem mártir. É um cidadão, que, como todos os outros, deve responder por seus atos.

Greve mostra despreparo de SP

O Estado de S. Paulo.

Toda cidade sofre quando o metrô para, mas o caos paulistano é sinal de que falta um plano de contingência

A paralisação do metrô, seja por pane, acidente ou greve de metroviários, causará problemas para a população de qualquer grande cidade do mundo. O modal é indispensável para o deslocamento de grandes contingentes de pessoas nas metrópoles, com reflexos até na fluidez de outros meios de transporte urbano. No caso da paralisação por greve, causar esses transtornos aos usuários é objetivo deliberado, pois é esse o instrumento de pressão que os grevistas têm à mão para exigir que governos ou empresas deem atenção às suas reivindicações.

Porém, o que acontece na cidade de São Paulo é coisa de outra ordem. A capital paulista claramente não tem um plano de contingência minimamente decente para o caso de paralisação de seu sistema de trens e metrô. Quando isso acontece, a metrópole para e os paulistanos vivem dias de caos.

Foi o que ocorreu na quinta-feira passada, pela enésima vez, quando o Sindicato dos Metroviários decidiu iniciar uma paralisação dos trens das Linhas 1 (Azul), 2 (Verde), 3 (Vermelha) e 15 (Prata) da Companhia do Metropolitano do Estado de São Paulo (Metrô), que durou dois dias. Foi o que bastou para que centenas de milhares de passageiros não conseguissem chegar ao trabalho, perdessem seus compromissos e enfrentassem dificuldades para sair ou chegar em casa.

Não se discute aqui se as reivindicações dos metroviários paulistas eram justas ou não. O sindicato alegou descumprimento de acordos com o Metrô que vêm desde antes da pandemia de covid-19. Fato é que a Justiça e o Ministério Público do Trabalho atuaram na mediação da contenda e um acordo celebrado na manhã do dia 24 levou ao fim da greve.

A questão de fundo é o inferno que essas paralisações representam para os paulistanos. Não há ônibus suficientes para deslocar todos os passageiros. É comum ver grandes aglomerações nas estações, algumas chegando a invadir pistas de ruas e avenidas da capital paulista. O transporte por carros de aplicativos fica insustentável para a maioria dos trabalhadores, que não têm condições de arcar com as tais “tarifas dinâmicas”.

Tão graves foram esses transtornos que, pela primeira vez na história do Estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas autorizou a liberação das catracas durante a greve, uma demanda antiga do Sindicato dos Metroviários e jamais atendida por antecessores de Tarcísio. A liberação só não aconteceu porque o Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região (TRT-2) impediu a política de “catraca livre”. Com bom senso, o desembargador Ricardo Apostólico Silva avaliou que o transporte gratuito “poderia submeter o sistema ao recebimento de usuários acima do regular, diante da evidente migração de passageiros de outros meios de transporte”. O risco de colapso, evidentemente, não era desprezível, sem falar no risco à integridade física dos passageiros e funcionários do Metrô.

Essa não foi a primeira e decerto não foi a última vez que o Metrô de São Paulo deixou de circular, pelas mais variadas razões. Passa da hora de o governo do Estado e a Prefeitura planejarem e implementarem um plano de contingência que represente um mínimo de respeito com os cidadãos que só querem ir e vir.

 

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