O Globo
Precisamos estar atentos ao que anda
acontecendo pelo mundo
Nas democracias modernas, a divisão dos
Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário foi concebida para prevenir
abusos. Cada um deveria supervisionar e conter os demais, e das disputas entre
eles deveria emergir uma espécie de equilíbrio virtuoso.
Essa seria a função do controle
constitucional das leis, que permite ao Judiciário supervisionar o Legislativo;
das emendas constitucionais, que permitem ao Legislativo condicionar o
Judiciário; da sanção ou veto presidencial, que permite ao Executivo limitar o
Legislativo; ou do impeachment, que, no limite, permite ao Legislativo conter o
Executivo.
Embora certo nível de conflito entre os Poderes seja previsto — ou mesmo estimulado — pelo desenho institucional, quando esse conflito leva ao enfraquecimento permanente de um deles, é o próprio equilíbrio que fica comprometido.
Nas últimas semanas, três grandes
democracias — México, Argentina e Israel — têm
assistido a uma escalada dos conflitos entre os Poderes, capazes de levar o
Judiciário a se subordinar ao Executivo, ameaçando a integridade de seus
regimes democráticos.
No México, o Congresso, controlado pelo
presidente Andrés Manuel López Obrador, aprovou na quarta-feira da semana
passada uma ampla reforma do Instituto Nacional Eleitoral (INE), equivalente ao
TSE no Brasil.
A reforma cortou drasticamente o orçamento
e o número de funcionários do INE, diminuindo sua autonomia e limitando sua
capacidade de punir políticos que violem a lei eleitoral. A reforma foi
recebida com grande desconfiança e motivou protestos em centenas de cidades
mexicanas.
O presidente alegou que, além de parcial, o
INE é um cabide de empregos, com funcionários demais e salários elevados. O
governo alega que a reforma economizará centenas de milhões de dólares ao
Tesouro. Obrador acusa o instituto de ter fraudado as eleições de 2006 (que ele
perdeu por pequena margem) e de ter sido parcial nas eleições de 2021, quando
desqualificou dois candidatos do partido governista por não terem declarado
pequenas contribuições de campanha.
Na Argentina, o presidente Alberto
Fernández enviou ao Congresso um pedido de impeachment de todos os juízes da
Suprema Corte por “mau desempenho das funções”. O conflito entre Executivo e
Judiciário explodiu quando a Corte argentina arbitrou sobre a divisão de
recursos entre o governo federal e a Cidade Autônoma de Buenos Aires
(equivalente ao Distrito Federal), mais do que dobrando os recursos da
província.
Buenos Aires é governada pelo líder
oposicionista e presidenciável Horacio Rodríguez Larreta. A decisão da Corte
retomou parcela dos impostos federais destinada à província antes de reduções
determinadas por Fernández no contexto da pandemia, em 2020.
Fernández considerou a decisão “um avanço
inadmissível do Poder Judiciário sobre os outros Poderes”. No ano passado, a
base governista no Congresso argentino apresentou Projeto de Lei para aumentar
o número de ministros da Suprema Corte de cinco para 25, o que daria ao atual
presidente controle total sobre a mais alta instância do Judiciário.
Em Israel, a coalizão do primeiro-ministro
Bibi Netanyahu aprovou em primeira votação na semana passada uma ampla reforma
do sistema judiciário, buscando enfraquecer sua autonomia.
Entre várias medidas, o projeto muda a
formação da comissão que seleciona os membros da Suprema Corte, dando maior
controle ao governo, que teria o poder de apontar os juízes. A proposta também
enfraquece o controle constitucional do tribunal sobre leis aprovadas pelo
Parlamento. Se a Suprema Corte considerasse uma lei inconstitucional, o Parlamento
poderia reverter a decisão com o voto de maioria simples. A proposta é eivada
de retórica populista e alega buscar resgatar a soberania popular, transferindo
competências de um órgão técnico não eleito para o governo, representante da
vontade do povo. Milhares de israelenses protestaram nesta semana contra a
reforma do Judiciário.
Precisamos estar atentos ao que anda
acontecendo pelo mundo porque essas tentativas de enfraquecer o Judiciário
também se manifestam por aqui e não têm coloração política específica. Os
governos de México e Argentina são de esquerda, o de Israel é de direita. Mas,
nos três casos, as reformas do Judiciário alterariam estruturalmente o
equilíbrio de forças entre os Poderes, ameaçando a integridade da democracia.
O maldito Jair falso messias Bolsonaro tentou isto no Brasil, e dezenas de seus cúmplices eleitos para o Congresso ainda vão tentar aprovar no Legislativo este tipo de propostas. Com apoio dos segmentos mais fascistas da imprensa.
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