O Estado de S. Paulo
Dia a dia se cava um abismo diante de um governo eivado por contradições. De um lado, iniciativas reparadoras e urgentes; de outro, impressionante volta a um passado nocivo
Os primeiros passos do novo governo federal
desenham jornada marcada por acertos notáveis, mas também atravessada por
descaminhos inacreditáveis, evidenciando, a rigor, preocupante falta de rumo em
direção à gigantesca tarefa de governar o País para todos. Observa-se cenário
de desencontros, fragmentações e impasses que atravancam a ação, o que implica
prejuízos à retomada da normalidade, um desafio num país que se mostrou
profundamente dividido desde as eleições.
Naturalmente, é um alívio testemunhar decisões como a busca de inspiração e fundamentos na bem-sucedida experiência da educação básica do Ceará, com vistas à melhoria da aprendizagem dos nossos jovens. Louvável, também, a prioridade de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), necessidade cabalmente demonstrada durante a pior fase da pandemia da covid-19, seja por sua relevância na travessia, seja pelos problemas gerenciais registrados. Digno de nota, o Brasil ter voltado à cena global como interlocutor e player decisivo em questões como integração regional, comércio internacional e convulsão climática. Vale lembrar o protagonismo na COP27, no Egito, antes mesmo da posse.
De outra sorte, dia a dia vem sendo cavado
verdadeiro abismo diante de um governo eivado por contradições, como se
estivesse perdido em seu próprio labirinto. De um lado, iniciativas reparadoras
e tão urgentes; de outro, impressionante volta a um passado repetidamente
nocivo à vida brasileira. É decepcionante que estejamos assistindo novamente à
subsunção de empresas públicas a arranjos que menosprezam o profissionalismo.
Como não se espantar diante de comportamentos reticentes quanto a uma
normatização fiscal efetiva que ancore as expectativas econômicas no País?
Surpreendentemente, a autonomia do Banco Central entra na mira de fogo, como se
fosse mera letra legal, sem consequências desastrosas. Vale registrar que essas
são questões já assimiladas como fundamentos de governanças modernas mundo
afora, deixando de constar de receituários que diferenciariam esquerda e
direita.
Importante salientar que ruídos e ações
desarticulados em nada contribuem para embasar o esforço nacional no
enfrentamento das turbulências do atual cenário internacional, marcado pelas
disputas entre EUA e China, guerra na Ucrânia, emergência climática, entre
outras. Um já perceptível descompasso entre discurso e prática também pode
levar ao desperdício de oportunidades preciosas que se colocam diante do
Brasil, como a descarbonização da economia, o imperativo da transição
energética ou a expansão da demanda por alimentos, além das possibilidades nos
terrenos da infraestrutura e da digitalização.
O País precisa reafirmar seu rumo em
direção à modernização de suas instituições, o que significa respeito a boas
agências regulatórias, a adequados marcos legais, assim como compromisso firme
com a segurança jurídica. Além de compromisso com o equilíbrio fiscal e progresso
nas inadiáveis reformas estruturantes, alcançando o sistema tributário e as
máquinas governativas. Caso contrário, continuaremos prisioneiros de taxas de
crescimento medíocres, além de perdermos novas oportunidades para um
desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.
Nesse sentido, a preliminar mais
desafiadora é o próprio governo acertar o passo no rumo certo, evitando a
armadilha de caminhos que, no passado, já nos levaram a fracassos retumbantes.
Governos podem muito, mas não podem tudo, nem fazer e acontecer, sem medir
consequências. Os erros cobram o seu preço. E quem paga a maior parcela da
conta são os pobres, com inflação, desemprego e recessão econômica. Ademais, o
que fortalece a democracia são os êxitos que alcança e preserva. Nesse sentido,
uma governança errática só nos imporia ainda mais desafios. Alerto que o Brasil
é parte do ambiente planetário, que vem colecionando exemplos de hostilidades e
violentos ataques aos fundamentos democráticos.
Sem dúvida, cabe à liderança arbitrar as
diferenças e reger a orquestra alçada ao poder, assim impedindo cenário de
disputas internas que virem um “todos contra todos”, o que torna o time
disfuncional e produz momentos de constrangimento público que não favorecem a
superação das emergências postas. De fato, o líder deve abrir espaço saudável à
diversidade de concepções de mundo e às inovações, tendo como princípios o
fortalecimento do conjunto e a consecução das finalidades, em vez de
fragmentação. Abandonando o biombo de uma diversidade de fachada, deve recusar
o lugar de maestro das desavenças, que pode até lhe dar poder fugaz, mas que
certamente engessará o conjunto em discórdias autofágicas.
Enfim, num país que mudou muito nas últimas
décadas e que não para de se transformar, tudo o que menos precisamos é de um
governo que aposta em semear e administrar divergências interna corporis como
forma de gestão e exercício de poder, mantendo-se atrapalhado diante de sua
inadiável agenda modernizante. O Brasil sabe aonde deseja chegar. Esse
desencontro de perspectivas sinaliza erros na largada e, ao persistir, indica
perspectivas pouco alvissareiros, logo adiante. Minha torcida é para que o
governo escolha como estratégia a coesão político-administrativa que passa pela
união da boa política com a boa técnica.
Perfeito. Lucidez analítica e propositiva.
ResponderExcluirÉ por aí! Infelizmente, tudo indica que o atual presidente vai dar continuidade às péssimas práticas de alimentar conflitos para projetar o seu poder e usar abusivamente cargos e recursos públicos para comprar apoios políticos. Temos pago um custo imenso por esse tipo de política mas parece que não aprendemos nada...
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