Folha de S. Paulo
Que outros façam entrevistas melhores, com
'afetos de alegria' sem pesar
Entrevistei nesta quinta o presidente Lula. A conversa
foi ao ar, na íntegra, no mesmo dia, no programa "O É da Coisa" na
BandNews FM e na BandNews TV e está no Youtube. Não vou eu comentar detalhes
das respostas porque, afinal, estão disponíveis a todos, para os "afetos
de alegria" e para os "afetos de tristeza", como diria um
filósofo. A razão adicional para não fazê-lo também decorre do fato de que não
sou repórter —e a boa reportagem será sempre o sal da terra dos jornalistas. Eu
opino. E exerci o ofício no encontro com Lula —não mais do que o entrevistado.
Preço dos combustíveis? Está lá. Os dividendos pornográficos da Petrobras (com todas as vênias)? Também. Voltamos a falar sobre Banco Central e sua política celerada de juros, com o varejo na berlinda e o crédito secando —sei lá se para honra e gáudio de certos espíritos apegados às Santas Escrituras à moda Bernardo Gui, o célebre inquisidor francês que virou personagem do romance "O Nome da Rosa", de Umberto Eco. Era temido, consta, por sua competência no combate às heresias de então. É possível até que acreditasse mais da igreja do que em Deus. Decidiu a morte de muita gente.
Falamos sobre a Guerra na Ucrânia, as indicações
que ele tem de fazer para o Supremo e para a Procuradoria-Geral
da República, a força do chamado centrão, os ministros que enfrentam
acusações... E, ainda assim, faltou muita coisa em uma hora e sete minutos.
Lula se preparava para o lançamento do novo Bolsa Família, duplamente
remodelado: porque famílias mais numerosas receberão mais, vejam as regras, e
porque 1,5 milhão de pessoas foram retiradas do programa por evidências de
fraude. O desastre que tomou conta do país não poupou nem o Cadastro Único. Por
onde quer que o bolsonarismo tenha passado, restou a terra crestada.
Lula afirma que a tarefa principal de seu governo —e lá
vêm os "afetos de tristeza" como reação— é devolver o país à
normalidade, que traz a política de
volta. Por isso mesmo, este escriba não se escandaliza, e
deixou isso claro, quando afirmam que Fernando Haddad teve de enfrentar Gleisi
Hoffmann para conseguir reonerar a gasolina. Eu não gosto, isto sim, é quando
um ministro da Economia vende a sua "recuperação em V", põe fim ao
Auxílio Emergencial e, assim, "deixa a terra esfaimando". Com a
concordância dos políticos.
Prefiro que as alas "econômica" e
"política" se enfrentem e que aquele a quem cabe decidir —no caso, o
presidente da República— o faça. Às vezes, tenho a impressão de que estamos
fazendo o ninho para novos filhotes do lava-jatismo fascistoide. Seus
porta-vozes já estão por aí, diga-se. Se vão prosperar de novo, não sei. Foi
uma conversa cordial. Perguntei tudo o que quis no tempo que tive. Que outros,
com "afetos de alegria", possam fazer ainda melhor. Acho que ganham
os brasileiros e o Brasil.
Divido aqui com os leitores um momento
desta quinta. Deu-se antes do meu encontro com Lula —embora transpareça na
primeira pergunta que lhe fiz. E, estivesse eu sob o rigor de Bernardo Gui,
talvez fosse parar da fogueira. Passei pelo Salão Nobre do Palácio do Planalto
a caminho da sala da entrevista. Vi o quadro "As Mulatas", de Di
Cavalcanti, danificado pelos vândalos. Restam ainda no prédio outros sinais do
ataque. Senti vontade de chorar.
Estava ali o emblema dos desastres por que
passou o país. E estou a cada dia mais certo de que aquele espírito ainda nos
ameaça. Eu li Di Cavalcanti sendo furado de novo na nota dos empresários de Bento Gonçalves, que atribuíram o
trabalho escravo nos vinhedos de nossos brindes ao Bolsa Família, aquele mesmo
que Lula reinaugurou nesta quinta em novos moldes. Eu vi e ouvi qualquer noção
de bem, de belo e de justo ser perfurada nas palavras do vereador Sandro
Fantinel, de Caxias do Sul, que responsabilizou as próprias vítimas pelas
condições de trabalho análogas à escravidão. Afinal, disse ele, são uns baianos
sem qualquer compromisso com a higiene e que só pensam em bater tambor na
praia.
Eu jamais vou me esquecer daquele quadro e
do que senti. E agora é parte da minha memória e do meu trabalho. Como
aconteceu na entrevista com Lula, um pernambucano.
Quem diria... Reinaldo um verdadeiro Petralha!
ResponderExcluirMelhor do que Bolsoanarca, né não?
ResponderExcluirMuitíssimo melhor. Incomparavelmente melhor.
ExcluirLembrem-se que Lula pediu que a imprensa cobrasse do seu governo e apresentasse críticas! O próprio Lula falou isto... De puxa-sacos, o entorno do Lula já está cheio, não precisa a imprensa aumentar este número!
ResponderExcluirReinaldo está muito grato pela entrevista que obteve, e já foi mais jornalista e crítico quando não estava tão perto do poderoso do momento!
Sugestão de outro título pra esta coluna:
ResponderExcluirMuito perto do Lula, quase agarrado nas partes pudendas dele.
Então tá!
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