O Estado de S. Paulo
A dinâmica e a força dos papéis nos fazem esquecer que, um dia, saímos do palco. Mas qual é o papel do palco?
Penso que ninguém põe em dúvida a reflexão
shakespeariana segundo a qual o mundo é um palco e todos os homens e mulheres
são meros atores neste palco. Nele, eles têm saídas e entradas e, na sua hora,
desempenham vários papéis.
Shakespeare escreveu essa meditação entre
1599 e 1600 na comédia As You Like it (Do Jeito que Você Gosta). Ela
impressiona pela ênfase na liberdade e no individualismo, hoje constitutivos de
nossas vidas.
Essa observação é básica para a sociologia dos papéis sociais. Para o fato de que nós só sabemos quem somos por meio dos papéis sociais com os quais atuamos no palco da nossa casa, classe, região, crença, país e momento histórico. Tal desempenho tem dois períodos: o da entrada num palco que não escolhemos, e o angustiante momento no qual escolhemos o nosso caminho. Há, pois, papéis atribuídos e adquiridos e o desempenho é um marco decisivo do trânsito da infância para a vida adulta.
O teatro da vida social é marcado por
passagens entre papéis. Alguns são instantâneos (o de passageiro de avião);
outros são obrigatórios (o de aluno); muitos são problemáticos, porque se
pretendem perpétuos (daí sua problemática) como o de homem ou mulher; ou o de
honesto e puro.
A dinâmica e a força dos papéis nos fazem
esquecer que, um dia, saímos do palco. A intensidade de estar no palco é
tamanha que ela abafa o papel subjacente de “vivo” em contraste com o de
“morto”. Esse indecifrável e inevitável papel que todos vamos desempenhar
dormindo e certos de que a vida vai seguir sem a nossa presença...
Mas qual é o papel do palco? Ora, o palco é
o chão cuja firmeza sustenta nossas fantasias; é o nosso alicerce. Sua firmeza
produz uma paisagem que compete com – e até mesmo supera – a das montanhas,
exceto quando esse palco fala e vira protagonista...
Quando saímos de casa, perguntamos sobre o
tempo. Jamais questionamos sobre a terra. Só os poetas falam das pedras do
caminho. Então, quando o palco se movimenta, tornando-se um inesperado ator,
nos seus catastróficos terremotos e deslizamentos, vivemos o absurdo de uma
horrível inversão. De fato, se toda ação social tem um alvo, qual é o propósito
de um terremoto ou de uma tromba d’água?
Eis o que vivemos quando Gaia, a Terra-mãe,
fala, mostrando suas feridas: terremotos, trombas d’água, nevascas e furacões
fora de hora e lugar. Não é fácil descobrir que o palco também tem um papel
quando perversões do mesmo teor, como guerra, bomba atômica e pandemias nos
obrigam a enxergar os limites de nossa humanidade.
Mais que falar, o palco age e se move! Independente dos humanos que se julgam os protagonistas. Meros figurantes por 200 mil anos num enredo de 4,5 bilhões de anos...
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