O Globo
É necessário que a preocupação de promover
as mulheres atinja a camada da política nua e crua, a que define ministras do
STF
A troca de turno político em Brasília
representa uma possibilidade de revisão de retrocessos e interdições em muitas
áreas, mas em poucas ela é tão flagrante quanto na construção de uma urgente e
ainda distante equidade de gênero nos espaços da política, das instituições e
do mercado de trabalho.
Quatro anos de Jair Bolsonaro representaram
para as mulheres, tanto em termos de possibilidade de ver implementadas
políticas públicas quanto de violação de direitos, o pior período desde a
redemocratização, e agora há muito a recuperar, mas ainda poucas sinalizações
de avanços palpáveis.
Uma frente bastante emblemática da distância entre o discurso progressista da igualdade de gêneros e a prática política está na disputa frenética que se trava nos bastidores pelas duas vagas no Supremo Tribunal Federal que serão abertas neste ano com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — uma das duas únicas mulheres entre os 11 integrantes da mais alta Corte de Justiça brasileira.
Simplesmente não há nenhuma mulher na lista
de cotados. Aqueles que incluem a presidente do Superior Tribunal de Justiça,
Maria Thereza de Assis Moura, no rol dos nomes cogitados por Lula o fazem só
para tentar afetar alguma paridade de armas.
Para a primeira vaga, será difícil bater
Cristiano Zanin. Mas e para a segunda, justamente a de Rosa? Existe o risco
real de ser o governo de Lula a promover não a ampliação, mas a redução da
participação feminina no STF, a menos que esse seja um tema que a sociedade
tome para si e que passe a exercer pressão capaz de suplantar os múltiplos
lobbies e interesses políticos à mesa.
Não é só nessa seara que a maior
participação real das mulheres na política pode ser testada. A tentativa
artificial de transformar Michelle Bolsonaro em pré-candidata a presidente, que
tem como cálculo único o tamanho do fundo partidário ainda mais gordo que o PL
espera abocanhar, em vez de projetar apequena a ideia de representação
feminina. Parte de estereótipos inaceitáveis em pleno 2023, ainda mais tendo em
vista o currículo da família Bolsonaro em termos de depreciação da mulher e de
seu uso apenas como instrumento para obtenção de votos.
A imagem que se quer vender de Michelle,
como cristã e devotada à família, contrasta com os escândalos em que, por
iniciativa própria ou graças ao ex-presidente, o nome da ex-primeira-dama
aparece. Dos cheques de Fabrício Queiroz às joias da família real da ditadura
da Arábia Saudita presenteadas ao casal Bolsonaro, são muitos os episódios a
esclarecer, condição primeira para quem deseja ingressar na vida pública.
A simples ideia de que a mulher seja uma
espécie de “peça de reposição” mais palatável e vendável ao marido que tem
muitos seguidores, mas é visto como muito truculento ou pode ficar inelegível,
já é uma demonstração da completa desconexão entre a proposta de projetar
Michelle e qualquer preocupação genuína com as pautas de interesse da mulher.
Seu lançamento — com direito a road show de filiações pelo Brasil — nada tem a
ver com a ideia de que o partido mais rico do Brasil se abra à presença de
mulheres em postos-chave. É só fazer ainda mais dinheiro o que se quer, já com
os olhos postos na bancada de 2026.
As bem-vindas políticas de promoção da
igualdade de gênero e a maior presença de mulheres no Congresso e na Esplanada
dos Ministérios são antídotos necessários para as trevas bolsonaristas. O fato
de o discurso de ódio de cunho misógino e machista não ser mais não apenas
endossado, mas iniciado pelo chefe maior da nação não deveria ser motivo de
celebração no 8 de Março, mas é.
Ainda assim, é necessário que a preocupação
de promover as mulheres atinja essa outra camada, a da política nua e crua, a
que define ministras do STF e candidatas para além do marketing barato. Nesse
front, ainda temos muito a avançar.
Verdade.
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