quarta-feira, 29 de março de 2023

Vera Magalhães - Dino na cova dos leões

O Globo

Ministro demoliu pegadinhas como as feitas pelo deputado André de Paula e pareceu se divertir com o despreparo dos inquisidores

A audiência de Flávio Dino na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), ontem, funcionou como termômetro de como pode ser a dinâmica entre lulistas e bolsonaristas num Congresso que, até aqui, não votou absolutamente nada de relevante, paralisado pela intenção de Arthur Lira de mudar a Constituição a seu bel-prazer para comandar a tramitação de matérias — hoje são medidas provisórias, amanhã o que mais?

Não são poucos os temas relevantes sobre os quais parlamentares devem interpelar o ministro da Justiça de qualquer governo. Num que começou com um revogaço de medidas do mandato anterior e enfrentou antes de seu décimo dia uma tentativa de golpe de Estado, mais ainda.

Mas a intenção da tropa de choque bolsonarista que se aboletou na CCJ não era esclarecer nada, e sim lacrar para cima do ministro a fim de se exibir nas redes sociais, palco por meio do qual a quase totalidade desses deputados se elegeu e único espaço em que sabem transitar.

O ministro entende como poucos no governo Lula essa dinâmica e tem se mostrado disposto a combater a lógica de exacerbação da polarização com as armas de que dispõe — conhecimento jurídico acima da média, experiência política ampla, bom humor e, se preciso, recurso à Justiça para reparar crimes.

O debate é velho e foi bastante travado nos anos Bolsonaro, em especial na última campanha: imunidade parlamentar pode ser usada como salvo-conduto para a prática de fake news, incitação a crimes, crimes contra a honra, atentados contra o próprio Estado Democrático de Direito e apologia a discurso de ódio? Não pode.

Dino apresentou queixa-crime contra parlamentares que o acusaram de ter fechado um pacto com o crime organizado antes de visitar o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma imputação de conduta ilícita ao ministro da Justiça, não “opinião” ou “liberdade de expressão”, como malandramente defendeu o deputado Carlos Jordy na audiência que ele e outros bolsonaristas pretendiam transformar em show particular.

Não contavam com o fato de o ministro estar disposto a roubar a cena e atuar na mesma frequência, só que com dados e argumentos jurídicos sólidos. Dino demoliu pegadinhas como as feitas pelo deputado André de Paula, pareceu se divertir com o despreparo parlamentar e jurídico dos inquisidores e comandou o depoimento por quatro horas.

A audiência lembrou, pela reversão de expectativas, o depoimento que o então ministro Luiz Gushiken deu à CPI dos Correios em setembro de 2005, no auge do mensalão.

— Me espanta a leviandade com que o senhor trata o governo. Para me acusar de formador de quadrilha, apresente provas! Não se esconda sob seu mandato para fazer acusações levianas! — respondeu, em tom ríspido, diante de uma pergunta do então deputado Onyx Lorenzoni.

O depoimento marcou uma mudança em relação aos dados pelos governistas depois das acusações do publicitário Duda Mendonça e passou a ser usado pelo governo como exemplo de que era preciso sair das cordas.

Uma das táticas mais claras do bolsonarismo para acuar o governo está na convocação em série de ministros em comissões para arranca-rabos como o de ontem. Dino foi a convite, mas já há convocações aprovadas em colegiados como a Comissão de Fiscalização e Controle, controlada pela deputada Bia Kicis.

Se por um lado a postura de Dino deixa claro que o país não escapará tão cedo da exacerbação da polarização política, do ponto de vista do Planalto aponta um caminho para não deixar que os oposicionistas radicais produzam seus videozinhos e dominem a narrativa nas redes, território que tem sido crucial.

É lamentável que o debate parlamentar esteja restrito a isso, e a culpa é, em grande parte, da falta de maioria do governo para furar o bloqueio que Lira promove na pauta. Mas ao menos o titular da Justiça mostrou como não se deixar tragar quando tentam lhe arrastar para a cova dos leões.

 

6 comentários:

  1. O bolsonarismo está vivo, mas vai cair de podre porque é da sua natureza.

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  2. Dino é o elo que faltava entre justiça e política

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  3. "Dino ..., pareceu se divertir com o despreparo parlamentar e jurídico dos inquisidores e comandou o depoimento por quatro horas."

    Sim. Sabemos q os bozo são despreparados. Seguindo o bozo, só podem ser.
    Teve até um bozo q demonstrou interesse na macheza do Dino.... q prontamente saltou fora.
    Foi hilário!
    Rsrsrsrs.

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  4. Cova dos leões? Isto deve ser na receita federal... Aquilo era a cova dos vermes bolsonaristas, o esgoto onde vivem e chafurdam!

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