Folha de S. Paulo
Comparado aos salários, combustível está
quase no preço médio registrado de 2012 até a epidemia
Combustíveis são
um assunto politicamente explosivo pelo menos desde o caminhonaço de 2018,
quando o país quase parou por causa de greves de caminhoneiros e locautes de
empresas de transporte. Gasolina ou diesel estão tão mais caros agora do que o
foram nos últimos 10 ou 20 anos? Não no caso da gasolina. Mais sobre o assunto
mais adiante.
A discussão dos preços da Petrobras causa raiva intensa e leva políticos a adotar ou sugerir medidas de baixíssima qualidade técnica e que provocam iniquidade social e danos ambientais. A volta da cobrança de parte do imposto federal sobre a gasolina enfureceu muita gente.
Este jornalista, por exemplo, escreveu
nestas colunas algumas defesas do reajuste, da dita reoneração. O imposto
surrupiado por Jair
Bolsonaro a fim de levar votos na eleição de 2022 acabara com
uma receita que faz falta para os cofres exauridos do governo. Além do mais,
era um subsídio para combustíveis poluentes e a medida não beneficiava a metade
mais pobre do país, pelo menos. Foi motivo de fúria.
Como acontece algumas vezes por ano, recebi
centenas de mensagens de ódio, ameaças, sentenças de morte e votos de que minha
filha fosse estuprada (sic), entre outras manifestações de estima e
consideração, por e-mail e diversas redes sociais, que também foram invadidas
pelas milícias digitais.
Mas o assunto aqui é a fúria com os preços.
Gasolina e diesel ficaram assim tão mais caros?
Um meio de medir o peso relativo
dos combustíveis no orçamento das famílias é calcular o poder
de compra de salários em termos de gasolina e diesel, por exemplo. Não conta a
história inteira de dificuldades econômicas, mas é um ponto de partida.
Por exemplo, um salário mínimo atual compra
mais gasolina do que o fazia entre 2001 e 2017, em geral. Entre fins de 2017
até o começo da epidemia, comprou bem menos, com uma baixa pronunciada em meados
de 2018. Esse poder de compra de gasolina baixou para os menores níveis desde
2009 entre meados de 2021 e meados de 2022, quando o governo de trevas baixou
os impostos.
Quando a comparação é como rendimento médio
do trabalho ("salários"), segundo dados da Pnad do IBGE, a história é
parecida. O poder de compra do salário médio em termos de gasolina está perto
do nível médio verificado entre 2012 e 2018 (e assim deve ficar mesmo se todo o
aumento de imposto vier a ser repassado para o preço nas bombas).
Um dado de interesse é que o poder de
compra de combustíveis (de diesel e gasolina) foi ao nível mais alto durante a
grande queda de preços do petróleo, em meados de 2020. O contraste com 2021 foi
violento. Daí talvez se explique parte da revolta.
O caso do diesel é diferente. Pelo menos
medido em termos de salários, o diesel está muito mais caro do que a média de
2012 a 2020 (pré-pandemia), apenas mais barato do que nos anos 2002-2006 --e os
impactos econômicos da carestia do diesel tem muito mais alcance. Em anos
recentes, houve problemas maiores na produção mundial de diesel. Por falar nisso,
o atual governo não reonerou
o diesel.
Deve haver mais motivo para revolta, além
de a "polarização" ter chegado também às bombas dos postos. Faz quase
uma década o Brasil está em colapso econômico. A renda (PIB) per capita de 2022
ainda era igual à de 2011.
O salário médio real (descontada a
inflação) recuperou-se depois da epidemia, mas ainda está nos mesmos níveis de
2017 a 2019. Anos de crise, quebras de negócios e desemprego abalaram salários,
patrimônios e vidas inteiras. A metade mais pobre do país, que não compra
gasolina, sofreu ainda mais.
Ainda assim, é difícil de explicar a
revolta da gasolina, até porque a comida passou por ondas terríveis de
inflação.
Verdade.
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