quarta-feira, 19 de abril de 2023

Bernardo Mello Franco – A estranha CPI do golpismo

O Globo

Comissão é defendida por quem deveria temê-la e temida por quem deveria defendê-la

Apesar dos apelos do governo, o Congresso deve instalar uma CPI sobre os atos golpistas de 8 de janeiro. Se sair do papel, a comissão nascerá sob o signo da estranheza. Sua criação é defendida por quem deveria temê-la e temida por quem deveria defendê-la.

A CPI foi proposta pelo deputado André Fernandes, integrante da tropa de Jair Bolsonaro. Ele é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, sob suspeita de incentivar a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes.

O dublê de político e youtuber ajudou a convocar os extremistas a Brasília, a pretexto de divulgar o “primeiro ato contra o governo Lula”. Depois do quebra-quebra, voltou às redes sociais para fazer piada com a destruição de patrimônio público.

Na noite do dia 8, Fernandes compartilhou a foto da porta de um armário do ministro Alexandre de Moraes. A peça havia sido arrancada pela turma que quebrou cadeiras, urinou em gabinetes e tentou atear fogo no plenário do Supremo. “Quem rir, vai preso”, debochou o deputado do PL.

A extrema direita tem seus motivos para defender a CPI. A comissão pode desviar o foco da investigação de verdade, conduzida pela Polícia Federal. De quebra, ameaça dar palanque a uma teoria conspiratória: a de que o governo teria facilitado os ataques para se fazer de vítima.

A tese é delirante, mas convém não subestimar a máquina de desinformação bolsonarista. Para uma fatia expressiva do eleitorado, os vândalos de verde e amarelo eram petistas infiltrados — ainda que nenhum deles tenha sido desmascarado até hoje.

As fake news não são o único fantasma que assombra o governo. O Planalto também teme que a CPI tumultue o ambiente político, atrapalhando a votação da pauta econômica.

O risco é real, mas a distribuição de cargos e emendas não parece a tática mais inteligente para combatê-lo. Até aqui, a operação no varejo não produziu efeitos práticos — só ajudou os bolsonaristas a insinuarem que Lula teria algo a esconder.

Como a oposição já reuniu as assinaturas necessárias, o governo deveria se organizar para não ser coadjuvante na CPI. Para isso, será necessário perder o medo e trocar a defesa pelo ataque.

 

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