domingo, 23 de abril de 2023

Bernardo Mello Franco – O chefe do golpe

O Globo

Por ordem do STF, ex-presidente prestará primeiro depoimento sobre ataques de 8 de janeiro

Jair Bolsonaro tem novo encontro marcado com a Polícia Federal. Vai depor na quarta-feira sobre os atos golpistas de 8 de janeiro.

O ex-presidente já deu versões bem distintas para a intentona. Na noite após os ataques, disse condenar “depredações e invasões de prédios públicos”. “A gente lamenta o que aconteceu no dia 8, uma coisa inacreditável”, reforçou, na semana seguinte.

Depois da comoção inicial, ele mudou o tom e saiu em defesa dos extremistas. Acusou a PF de prender “chefes de família, senhoras, mães e avós”, que estariam sendo “tratadas como terroristas”. “No Brasil, tudo passou a ser fake news, atentado contra o Estado democrático de direito”, reclamou.

No mês passado, o capitão adotou mais um discurso diferente. Em entrevista à rede americana NBC, esqueceu os aliados na cadeia e descreveu os atos como uma “armadilha feita pela esquerda”. “Jamais o nosso pessoal faria o que foi feito”, disse.

A conversa não tem base factual, mas foi disseminada nas redes da extrema direita. Agora será amplificada por deputados e senadores bolsonaristas numa CPI inventada para confundir, trocando os papéis de vítimas e algozes.

Em tempos de pós-verdade, há quem julgue ser possível culpar as árvores pelo incêndio na floresta. Mas as teorias conspiratórias dificilmente convencerão os investigadores e o Supremo Tribunal Federal. Nos últimos dias, a Corte formou maioria para mandar os primeiros cem golpistas ao banco dos réus. Todos têm histórico longo e documentado de militância a favor do ex-presidente.

O 8 de janeiro não surgiu como um raio em céu azul. Foi o ápice de um longo processo de ataque à democracia. O movimento era organizado e controlado a partir do Planalto. Tinha conexões nas polícias, nos quartéis e em setores do empresariado.

Bolsonaro dedicou sete mandatos parlamentares à defesa da ditadura. Ao se eleger presidente, tentou impor um novo regime autoritário, que permitiria sua perpetuação no poder. Com cinco meses de governo, o capitão e seus filhos já estimulavam manifestações antidemocráticas. Os primeiros atos foram promovidos em maio de 2019. Pediam a prisão do presidente da Câmara e a cassação de ministros do Supremo.

A marcha golpista se acelerou em 2020, quando Bolsonaro discursou numa manifestação que defendia a volta do AI-5 em frente ao QG do Exército. Depois viriam a guerra contra as vacinas e as ameaças cada vez mais agressivas ao Judiciário, à oposição e à imprensa.

Ao pressentir que não seria reeleito, o capitão voltou sua artilharia contra a urna eletrônica. Liderou uma campanha de desinformação para vender a tese de que só perderia se houvesse fraude. Derrotado no voto, trancou-se no palácio e passou a conspirar contra a posse do sucessor. A articulação deixou rastros, como a minuta de golpe encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres.

Enquanto Bolsonaro se fingia de morto, sua tropa começou a agir. O badernaço após a diplomação de Lula e o plano de explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília foram atos preparatórios para o 8 de janeiro. Ao mandar a PF ouvir o ex-presidente, o ministro Alexandre de Moraes anotou que é preciso responsabilizar os “autores intelectuais” do ataque à democracia. E os investigadores já sabem que o golpe tinha chefe.

 

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