quarta-feira, 12 de abril de 2023

Bernardo Mello Franco - Os cem dias da oposição

O Globo

O governo mal começou, mas o senador Rogério Marinho já tem um veredicto: Lula estaria arrastando o país “de volta a um passado sombrio e retrógrado”. Em artigo intitulado “Cem dias de pesadelo”, o bolsonarista acusou a nova gestão de destruir a imagem do Brasil “com mentiras e números falsos”. “Vivemos com um governo confuso, sem plano econômico ou planejamento”, sentenciou, após usar os adjetivos “atrasado”, “ressentido” e “birrento”.

Marinho disputou a presidência do Senado como candidato da bancada de extrema direita, que sonhava em cassar ministros do Supremo. Dois meses depois, tenta se reposicionar como arauto do liberalismo. Ninguém deve esperar que o líder da oposição elogie o governo, mas convém refletir um pouco antes de endossar o discurso catastrofista.

É falso dizer que o novo governo dilapida a imagem do país. Isso ocorreu na gestão de Jair Bolsonaro, a quem Marinho serviu como ministro do Desenvolvimento Regional. A política externa de Lula é passível de críticas, mas já reconstruiu as pontes com EUA, China e União Europeia, todas dinamitadas pelo capitão. Numa demonstração de prestígio internacional, o presidente acaba de ser convidado para a reunião anual do G7.

Em outro trecho do artigo, o bolsonarista acusou os rivais de disseminar fake news. Abstraindo-se a ironia da situação, ele atacou Marina Silva por inflar o número de brasileiros com fome. Só deixou de informar que a ministra notou o erro e se corrigiu em poucos segundos — algo inimaginável para um Ricardo Salles ou uma Damares Alves.

Marinho também acusou o governo de não ter plano econômico. O plano existe, embora não agrade aos setores que ele representa. Neste caso, faltou combinar com o eleitor, que rechaçou o projeto ultraliberal de Paulo Guedes e reconduziu a centro-esquerda ao poder.

Apontar as contradições do bolsonarismo não equivale a aprovar tudo o que Lula fez. O presidente já errou na escalação de ministros, pecou pela incontinência verbal e ainda não foi capaz de montar uma base no Congresso. Ainda assim, é melhor ler os exageros de Marinho do que ouvir a gritaria da bancada da bala. Ontem a turma voltou a imitar o capitão, recebendo o ministro da Justiça com berros e palavrões.

 

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