segunda-feira, 17 de abril de 2023

Bruno Carazza* - Um ministério de presidenciáveis

Valor Econômico

No governo Lula 3, todos são sócios e concorrentes entre si

O retorno de Lula, em decorrência da anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, detonou uma reconfiguração no jogo do poder tão significativa que a vitória sobre Jair Bolsonaro foi apenas o primeiro capítulo de uma história que ainda terá muitas reviravoltas até o final do seu mandato.

Terremoto que abalou as estruturas da política brasileira, a Operação Lava-Jato decretou o fim da carreira de figurões de Brasília e dizimou o patrimônio eleitoral de alguns dos partidos mais fortes da República. De 2014 a 2018, muitos tentaram se apresentar como o novo e ocupar o vazio provocado pelas prisões e acordos de delação premiada - até que surgiu Bolsonaro.

Quando Lula deixou a prisão em Curitiba, abriu-se a possibilidade concreta não apenas de sua volta à Presidência da República, mas da restauração da ordem política institucional devastada pela Lava-Jato e pela gestão de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.

O terceiro mandato de Lula precisa ser interpretado como a passagem para um futuro que, em muitos sentidos, é também passado. E isso fica muito claro pelos lemas adotados nestes primeiros quatro meses de governo: “União e Reconstrução” e “O Brasil Voltou”.

A reabilitação eleitoral de Lula representou uma injeção de ânimo no seu Partido dos Trabalhadores, que vinha definhando desde as primeiras fases da Operação Lava-Jato e o impeachment de Dilma Rousseff.

A campanha vitoriosa de Lula à Presidência abriu os horizontes e ampliou as perspectivas para uma nova geração de políticos petistas que estavam fadados a carreiras nos seus próprios Estados ou restritas ao Legislativo. Muitos deles estão abrigados no ministério lulista - Fernando Haddad, Rui Costa, Alexandre Padilha, Wellington Dias, Camilo Santana - ou exercem papel de liderança no Congresso, como Gleisi Hoffmann.

O fenômeno se espraia por todo o campo da esquerda, e representantes que se formaram fora dos quadros do PT também integram o governo, como o ministro da Justiça Flávio Dino (antes do PCdoB e agora no PSB), ou têm atuação de destaque no Senado e na Câmara, casos de Randolfe Rodrigues (Rede) e Guilherme Boulos (Psol).

A possibilidade de volta de Lula a Brasília também foi vista como uma oportunidade por políticos aparentemente condenados ao ostracismo. O primeiro a perceber a viragem do vento foi Geraldo Alckmin, cuja improvável aproximação com o petista resultou no convite a integrar a posição de vice em sua chapa. Marina Silva, que como o ex-tucano teve uma votação inexpressiva quatro anos atrás, aderiu no segundo turno - mesmo movimento feito por Simone Tebet, terceira colocada em 2022.

Assim, a ideia de “União e Reconstrução” perpassa não apenas a reconstrução dos laços de relacionamento com o Legislativo e o Judiciário e a recuperação de políticas públicas descontinuadas por Bolsonaro. Ao abrigar em seu ministério ex-candidatos à Presidência da República e nomes promissores de outras siglas da esquerda, além de integrantes do PT, Lula pretende fazer do seu terceiro mandato uma transição para um Brasil de antes da Lava-Jato.

O risco desse movimento é que, ao buscar demonstrar que esse “Brasil voltou”, Lula montou um governo repleto de candidatos diretamente interessados na sua própria sucessão. E isso já fica explícito nestes primeiros meses.

Virtual herdeiro eleitoral de Lula, pois foi escolhido pelo líder petista para substituí-lo no pleito de 2018, quando estava preso, Fernando Haddad já percebeu que, para ser bem-sucedido, precisa tomar medidas no Ministério da Fazenda que vão além da agenda econômica preferencial do PT.

Sua viabilidade política depende, de um lado, da entrega de crescimento e queda do desemprego, mas também está vinculada ao controle de inflação e à responsabilidade fiscal. Haddad sabe que, sem construir uma imagem de credibilidade junto ao mercado e a setores mais conservadores do eleitorado, seu teto são os 44,87% de votos obtidos no segundo turno de 2018, uma marca insuficiente para ocupar a cadeira que hoje é de Lula.

Não é por outra razão que o atual ministro da Fazenda aposta numa aliança com Simone Tebet, Geraldo Alckmin e Roberto Campos Neto para emular a estratégia de seu antecessor Antonio Palocci, que teria dado certo não fosse abatido pelo escândalo com o caseiro da mansão dos lobistas.

Os maiores obstáculos em seu caminho, além das adversidades do cenário econômico doméstico e internacional, vêm da ala política do governo e do PT. De Gleisi a Rui, passando por Camilo, Wellington e talvez até mesmo Padilha, há uma torcida para que o governo Lula entregue o que prometeu a seu eleitorado em termos de políticas sociais, ganhos salariais e transferências de renda, sem fazer concessões ao mercado ou ao eleitorado de centro. Numa espécie de vestibular da esquerda, todos trabalham para ser ungidos por Lula, caso Haddad fracasse.

Fora do PT, embora ainda à esquerda, Flávio Dino é quem larga na frente ao assumir protagonismo na resposta ao 8 de Janeiro e não se furtar ao embate direto com os bolsonaristas na mídia, nas redes e no Congresso. Marina Silva tem agenda própria, apostando que o tema da sustentabilidade ganhará importância e projeção crescentes nos próximos anos.

Estranhos no ninho, Geraldo Alckmin e Simone Tebet correm por fora. Em troca do lastro de frente ampla que emprestaram à candidatura e ao ministério de Lula, esperam ao fim dos próximos quatro anos tornar seus nomes mais palatáveis aos eleitores de esquerda, enquanto mantêm viva a lembrança de seus nomes junto aos “liberais na economia e conservadores nos costumes”. Com pastas de orçamento e importância reduzidos, suas margens de manobra são igualmente limitadas, contudo.

As chances de sucesso de cada uma dessas alternativas dependem, é claro, de o governo dar certo. E, nesse sentido, todos são sócios na mesma empreitada. Se cooperarem entre si, aumentam a probabilidade de a escolha de Lula chegar forte em 2026. Mas os incentivos para tentarem se destacar e puxar o tapete dos colegas são imensos. Esse é o dilema do ministério de presidenciáveis de Lula.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

 

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