sexta-feira, 14 de abril de 2023

Claudia Safatle - Tributação e emprego no mundo digital

Valor Econômico

Troca de pessoas por máquinas exige regulação

A economia e a sociedade já mudaram de forma intensa e radical, da revolução digital à nova geração de programas de inteligência artificial, passando pela pandemia da covid-19 e pela guerra da Ucrânia. As novas tecnologias oferecem inúmeras possibilidades de “se fazer e se viver mais e melhor”. Mas os impactos são grandes, sobretudo sobre o emprego. A transformação digital é “inexorável e devastadora” e é preciso, com urgência, gerir a sua transição. “É crucial impedir que a emergência de um processo de fragmentação social tenha curso, especialmente nas economias ditas emergentes e mais fortemente ainda em situações sociais onde a exclusão já era uma marca ou chaga social e histórica”, alerta o economista José Roberto Afonso, pesquisador do CAPP/ISCSP/Universidade de Lisboa, que assina o ensaio “Trabalhar e Empreender: o novo mundo da economia digital” com mais três economistas. São eles: Geraldo Biasoto Júnior, especialista em contas públicas e consultor independente, Murilo Ferreira Viana, doutorando em Economia pela Unicamp e Édivo Almeida Oliveira, doutor em Economia pela Unicamp.

Diversos aspectos das mudanças em curso são analisados. Desde os impactos sobre as economias e sociedades, no nível global, ao caso brasileiro, onde a ocupação é marcada pela precariedade, com elevada informalidade, e para mudar essa cena vai ser preciso enfrentar “de forma atualizada e corajosa a questão tributária”, assinala o trabalho. O avanço de novas tecnologias pode colocar em xeque a coesão social, temem os autores.

Embora o novo mundo digital abra grandes oportunidades, ele traz imensa necessidade de regulação dos tempos de implementação das mudanças, para que a sociedade brasileira não descambe a situações de conflito social de grande magnitude. O primeiro exemplo é a absorção de tecnologias que apenas eliminam postos de trabalho sem ampliar a produtividade do sistema econômico. A troca de trabalhadores por máquinas exige capacidade de regulação governamental. Taxar atividades que nada trazem além da eliminação de postos de trabalho é uma decisão que leva em conta a coesão social. Mas é apenas um dos aspectos. É preciso, também, atualizar políticas de emprego para considerem e privilegiem o trabalho cuja realização e remuneração passa a se dar como empreendedor - ou seja, a pessoa física travestida formalmente de pessoa jurídica individual e singular. Hoje esses são um dos focos do fisco.

O ensaio trata, ainda, de aspectos críticos da questão tributária, em especial a premência de revolucionar o sistema, com recursos digitais, “para dar vazão ao empreendedorismo”.

O alto custo tributário da folha salarial, mecanismo indutor da automação, muitas vezes de forma espúria, também é objeto de debare, assim como o trabalho em condições alternativas. “Por décadas, a noção disso era o trabalho informal. Agora, temos nova institucionalidade, o microempreendedor individual, e nova dinâmica no mercado de trabalho”.

Nas economias maduras a questão do desemprego não é tão dramática. Em geral, um posto de trabalho perdido pela automação do processo produtivo gera outro posto de trabalho na produção da máquina que gerou a perda. Este não é o caso das economias sem grande capacidade tecnológica, que sofrem com a perda de empregos decorrente da automação mas não conseguem gerá-los em outros estágios da cadeia produtiva. Ao contrário, é bastante provável que os empregos sejam criados nos países aptos ao desenvolvimento tecnológico.

Em diversos países avançados, uma parte da automação tem se dado por razões tributárias. A máquina que promove a automação é incorporada ao ativo imobilizado como investimento. É verdade que substituir um trabalhador no caixa de uma loja por um caixa automatizado não envolve ganho de bem-estar à sociedade, apenas elimina um emprego. E isso se dá pela vantagem tributária na troca de um trabalhador que custa contribuições sociais por uma máquina.

Neste caso, a sugestão dos economistas que assinam o ensaio é que, no Brasil, o governo use da tributação para favorecer quem cria empregos.

A nova organização da produção abre grandes possibilidades às empresas de menor porte. Em 2006, a Lei Complementar 123 conferiu à micro e pequena empresa tratamento especial. Mediante o Simples Nacional, a empresa pode escapar de grande ônus administrativo pela redução de obrigações tributárias acessórias e pode pagar todos os tributos na mesma guia de recolhimento.

É inegável que o mercado de trabalho brasileiro é caracterizado pela informalidade. Metade dos trabalhadores brasileiros ocupados, hoje, não possui proteção social, nem direito a seguro-desemprego ou ao auxílio-doença, diante de infortúnio, quanto menos à renda futura porque sequer poderão se aposentar.

A reforma previdenciária de 2019 nem chegou a discutir esse fenômeno antigo, mas que agora se tornou “inevitável e premente”. Restou ao auxílio emergencial, de tapa-buraco emergencial a uma peça recorrente, crescente e permanente, se transformar em um benefício que vai muito além da assistência social, na ausência de política social estruturada.

O avanço tecnológico tem tudo para agravar este quadro.

Em todos os cantos da economia, uma máquina está substituindo um trabalhador. No atendimento telefônico, vozes eletrônicas são cada vez mais frequentes. É difícil sustentar que se trata de aumento da eficiência. Mais provável que seja eliminação de encargos previdenciários e sociais. Nos cinemas, caixas deram lugar a máquinas de venda por cartão. Nos supermercados, caixas têm transferido tarefas a consumidores. Que ganho de produtividade há nisso, não se sabe.

Percorrer um caminho de sucateamento do trabalho sem alternativas e numa velocidade como a atual, certamente terá desdobramento sociais explosivos. A repactuação social no Brasil sequer entrou na agenda nacional de debates.

Certamente é uma agenda mais complexa e grave do que a reforma de impostos sobre consumo, em que se foca na qualidade da taxação e a proposta é trocar tributos, sem alterar tanto o nível global de arrecadação.

 

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