terça-feira, 11 de abril de 2023

Hélio Schwartsman - Lula e a Crimeia

Folha de S. Paulo

Presidente erra ao extrapolar lógica sindical para a geopolítica

A formação política de Lula deu-se nos sindicatos. Em negociações laborais, o "não dá para querer tudo" pode fazer sentido. Mas Lula erra ao extrapolar a lógica sindical para a geopolítica e insinuar que a Ucrânia precisa ceder território para encerrar a guerra com a Rússia. O conflito entre os dois países não se dá em torno de uma pauta em que ambas as partes exibem uma lista legítima de reivindicações, para a qual existe um ponto médio alcançável. Ao usar força militar para conquistar território, a Rússia violou a proibição às chamadas guerras de agressão, o que torna sua posição ilegítima.

E Lula erra no geral e no específico. Mesmo que os ucranianos desistissem da Crimeia, como sugeriu o presidente brasileiro, não apaziguariam Putin. A menos que o autocrata russo esteja disposto a oficializar seu fiasco militar, precisa sair da guerra com mais território do que tinha antes de entrar, o que significa abocanhar também um bom pedaço do Donbass.

Estou entre os que acham que a Otan cometeu muitos erros desde a extinção da URSS. Penso que a organização deveria ter tentado integrar a Rússia, não isolá-la. Tampouco vejo a Crimeia como essencialmente ucraniana. De 700 a.C. para cá, a península foi controlada, entre outros, por cimérios, búlgaros, gregos, citas, romanos, godos, hunos, cazares, bizantinos, venezianos, genoveses, kipchaks, otomanos, tártaros, mongóis, russos, alemães e ucranianos. Nos últimos dois séculos, a população que ali vive consolidou-se como majoritariamente russa.

O problema é que, nos anos 1990, após a confusão que se seguiu à dissolução da URSS, ficou acertado entre Moscou, Kiev e os locais que a Crimeia integraria a Ucrânia, um entendimento que não pode ser alterado "manu militari".

Lula e o PT passaram a campanha falando em pacto civilizacional. Bem, no plano internacional, um de seus aspectos mais fundamentais é o veto às guerras de conquista.

 

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