sábado, 1 de abril de 2023

João Gabriel de Lima* - A inspiração que vem de Israel

O Estado de S. Paulo

Criticar e desmerecer a sociedade civil é um refrão clássico dos que não toleram os regimes de liberdade

Os israelenses viveram um momento histórico ao longo desta semana. Eles foram às ruas contra o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que ameaçava reduzir os poderes da Suprema Corte do país – expediente que, na Venezuela de Hugo Chávez e na Hungria de Viktor Orbán, deu início a uma escalada autoritária. Ao decretar uma greve geral e protestar de forma vibrante nas ruas, a sociedade civil israelense fez com que Netanyahu recuasse do arreganho despótico.

“Está sendo uma experiência fascinante ver as engrenagens da democracia em ação. Ver como a população influencia as decisões do governo e como o governo reage rápido e até se pauta pelos horários das manifestações”, diz Sérgio Berezovsky, fotógrafo de carreira brilhante no jornalismo brasileiro. Ele foi a Israel para compromissos familiares, viu-se engolfado pelo momento histórico – e fala de sua vivência no minipodcast da semana.

Um estudo recente mostra que existem duas forças capazes de deter uma escalada autoritária: partidos políticos sólidos e uma sociedade civil organizada, capaz de ir às ruas quando o governante ameaça as instituições. O estudo foi feito com dados do V-Dem, instituto sediado na Suécia que elabora o mais detalhado ranking de qualidade democrática da atualidade. Um de seus autores é o presidente da entidade, o cientista político Staffan Lindberg.

A plataforma do V-Dem reúne dados de todos os países do mundo a partir de 1900. O estudo sobre como deter o autoritarismo abarca 110 anos, entre 1900 e 2010. Alguns casos pontuais são citados, como o colapso partidário na Venezuela e na Bolívia, que abriu espaço para a ação de autocratas, e o papel da sociedade civil americana na contenção dos impulsos autoritários de Donald Trump.

Segundo os estudiosos, a ação da sociedade civil não se restringe aos momentos de mobilização. Ela é também importante para monitorar os governos nos intervalos entre os pleitos, dado que o julgamento definitivo dos eleitores só se dá no dia da eleição. Não à toa, criticar e desmerecer a sociedade civil – especialmente as organizações não governamentais – é um refrão clássico dos que não toleram os regimes de liberdade.

“Há um clima de entusiasmo democrático, sem violência, num país que está acostumado a levar sua vida normalmente mesmo em momentos tensos”, diz Berezovsky. Nada garante que Netanyahu não fará uma nova tentativa para “deixar o Judiciário de joelhos”, como escreveu o americano Thomas Friedman em artigo publicado no Estadão. Se isso acontecer, espera-se, a sociedade civil israelense estará outra vez a postos para cumprir seu papel.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em Ciência Política na Universidade de Lisboa

 

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