O Estado de S. Paulo
Brasil precisa reconstruir pontes com a UE, mas não precisa enviar armas à Ucrânia
Se Chico Buarque tinha um irmão alemão – um cantor obscuro da antiga Berlim Oriental –, Lula tem um irmão diplomata: o próprio Chico Buarque. Toda a tensão que acompanhou a primeira visita do presidente brasileiro à Europa se desfez em Sintra, onde Chico recebeu o Prêmio Camões. O autor de Vai Passar agrada a brasileiros e portugueses, a gregos e troianos, a petistas e tucanos – é apoiador de Lula e já fez jingles de campanha para Fernando Henrique.
A tensão vinha de declarações
desencontradas de Lula antes da viagem que criaram dúvidas sobre a posição
brasileira na guerra na Ucrânia. A imprensa europeia fez a lição de casa e crivou
o presidente brasileiro de perguntas. Lula esclareceu: o Brasil reconhece a
Rússia como Estado invasor, não pretende entrar no conflito militar e se coloca
à disposição para negociações. Passouse, assim, à fase seguinte do videogame,
que tem interesse especial para nós: o acordo entre Mercosul e União Europeia.
O Brasil ainda precisa reconstruir pontes
com alguns países da UE, mas não precisa enviar armas à Ucrânia para estreitar
laços, de acordo com Daniel Pineu, professor de Relações Internacionais da
Universidade de
Amsterdam. “Existem pautas que já são
próprias do Brasil e se casam com os valores europeus, como as causas
ambientais ou LGBTQI”, diz Pineu, entrevistado no minipodcast da semana.
A discussão sobre a área ambiental será
intensa na negociação do acordo. O Brasil tenta evitar que a questão do
desmatamento sirva de pretexto para sanções comerciais. Como afirmou o Estadão
em editorial, o Brasil poderia colocar na mesa um aumento do orçamento do
Ministério do Meio Ambiente, além de recompor as instâncias de fiscalização.
A área dos direitos humanos também conta.
“O Brasil poderia condenar, por exemplo, a violação de direitos da população
LGBTQI na Rússia”, diz Pineu. “Não atrapalharia a relação comercial entre os
dois países – e, de resto, o Brasil não depende tanto assim da Rússia quanto
depende da China.” Criticar a prisão de jornalistas em ditaduras como a da
Nicarágua também ajudaria a marcar posição.
A foto de Lula, Chico Buarque e Marcelo
Rebelo de Sousa em Sintra viralizou nas redes sociais. Com seu jeitão informal
– em seu país ele é chamado apenas de Marcelo –, o presidente português tem
estilo semelhante ao do brasileiro, com quem tem bom relacionamento. Marcelo
seria um “Lula de direita” – ou, como me disse um amigo português, Lula seria
um “Marcelo de esquerda”. Diante da necessidade de reconstruir pontes com a
União Europeia, Lula sempre pode contar com a ajuda de seu irmão português.
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em ciência política na Universidade de Lisboa
O presidente de Portugal é de direita? Tô passaaada!
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