terça-feira, 25 de abril de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - O que não está nos vídeos

Folha de S. Paulo

Pior do que o conteúdo das gravações do 8 de janeiro foi o sigilo sobre elas

Num primeiro momento, ver o ministro e oficiais do GSI conversando, andando ao lado e, num caso, até servindo água aos invasores do palácio causa espanto.

Cada lado encontrou aí o que queria: para os bolsonaristas as imagens provam que o ministro Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, estava em conluio com os invasores. Para os petistas, as imagens dos demais oficiais do GSI —herança do governo Bolsonaro— supostamente ajudando os golpistas (como na incriminatória garrafinha d’água) provam que o GSI bolsonarista colaborou com o golpe.

Nenhuma das duas me convence. Pelo contrário, a mim parece que ministro e oficiais agiram dentro do que era possível naquelas circunstâncias de crise.

Primeiro, a conduta do ministro. Se ele estivesse de conluio com os golpistas, o que ele certamente não faria: dirigir-se até o palácio durante a invasão e interagir com os golpistas na frente das câmeras. E foi exatamente isso que ele fez. Sua passagem pelo palácio foi pragmática: checou o gabinete presidencial e conduziu alguns invasores ali presentes para fora do terceiro andar. Confrontado com alguns invasores, deveria ter feito o quê? Partido para a briga?

Algo similar se dá com a conduta do major José Eduardo Pereira, supostamente bolsonarista. Ele é visto dando uma garrafinha de água aos manifestantes. Mas isso não é prova de colaboração.

O que os servidores do GSI poderiam fazer naquele momento? Não havia força policial capaz do enfrentamento. Qualquer hostilidade —tentar o confronto físico, dar voz de prisão etc.— poderia gerar reações violentas. A estratégia descrita pelo major é plausível: criar uma relação diplomática com os invasores para então tirá-los do terceiro andar —mais sensível— e guiá-los ao segundo. Até onde sabemos, foi isso que ele fez. Uma vez reunidos no segundo andar, os invasores foram presos assim que o efetivo policial chegou ao local.

A falha do GSI deu-se antes das gravações: não ter se preparado para a invasão do palácio desde os dias anteriores.

Talvez constatando que não há muito o que acusar no ex-ministro, o próximo passo da militância bolsonarista que sempre apoiou o golpe e agora tenta se distanciar dele apontando culpados fictícios (exatamente como seus correligionários fizeram nos EUA com a invasão do Capitólio) é apontar a presença de um fotojornalista da Reuters na invasão.

Mas é parte do trabalho de fotojornalista entrar mesmo em campos de batalha. Estar presente no dia 8 não tem absolutamente nada de especial.

Aliás, muitos jornalistas foram agredidos pelos invasores. Todos ali interagiram e negociaram sua presença junto aos golpistas como puderam. A tentativa de demonizar seu trabalho para alimentar mais uma acusação falsa —algo feito não só por comentaristas de rede social, mas por deputados federais— só tende a aumentar a violência contra jornalistas.

Até agora, muito mais incriminador do que o conteúdo do vídeo é o fato de o vídeo ter sido mantido sob sigilo. Teria o GSI tentado ocultá-lo do próprio governo? Ou foi o governo que o escondeu da população?

O que poderia ter sido só mais um vídeo do dia dos ataques, algo a ser compreendido e explicado junto com tantos outros —como os dos policiais que desistiram de lutar— virou a grande bomba com novas e seríssimas acusações.

Não há nada ali. Mas o impacto negativo veio potencializado pelo sigilo, causando a queda de um ministro e selando a certeza da CPMI. Hoje em dia, a transparência, além de melhor eticamente, é também a melhor estratégia.

 

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