Folha de S. Paulo
Pior do que o conteúdo das gravações do 8
de janeiro foi o sigilo sobre elas
Num primeiro momento, ver o ministro e
oficiais do GSI conversando,
andando ao lado e, num caso, até servindo água aos invasores do palácio causa
espanto.
Cada lado encontrou aí o que queria: para
os bolsonaristas as imagens provam que o ministro
Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, estava em conluio
com os invasores. Para os petistas, as imagens dos demais oficiais do GSI
—herança do governo Bolsonaro—
supostamente ajudando os golpistas (como na incriminatória garrafinha d’água)
provam que o GSI bolsonarista colaborou com o golpe.
Nenhuma das duas me convence. Pelo contrário, a mim parece que ministro e oficiais agiram dentro do que era possível naquelas circunstâncias de crise.
Primeiro, a conduta do ministro. Se ele
estivesse de conluio com os golpistas, o que ele certamente não faria: dirigir-se
até o palácio durante a invasão e interagir com os golpistas na frente das
câmeras. E foi exatamente isso que ele fez. Sua passagem pelo palácio foi
pragmática: checou o gabinete presidencial e conduziu alguns invasores ali
presentes para fora do terceiro andar. Confrontado com alguns invasores,
deveria ter feito o quê? Partido para a briga?
Algo similar se dá com a conduta do major
José Eduardo Pereira, supostamente bolsonarista. Ele é visto dando uma
garrafinha de água aos manifestantes. Mas isso não é prova de colaboração.
O que os servidores do GSI poderiam fazer
naquele momento? Não havia força policial capaz do enfrentamento. Qualquer
hostilidade —tentar o confronto físico, dar voz de prisão etc.— poderia gerar
reações violentas. A estratégia descrita pelo major é plausível: criar uma
relação diplomática com os invasores para então tirá-los do terceiro andar
—mais sensível— e guiá-los ao segundo. Até onde sabemos, foi isso que ele fez.
Uma vez reunidos no segundo andar, os invasores foram presos assim que o
efetivo policial chegou ao local.
A falha do GSI deu-se antes das gravações:
não ter se preparado para a invasão do palácio desde os dias anteriores.
Talvez constatando que não há muito o que
acusar no ex-ministro, o próximo passo da militância bolsonarista que sempre
apoiou o golpe e agora tenta se distanciar dele apontando culpados fictícios
(exatamente como seus correligionários fizeram nos EUA com a invasão do
Capitólio) é apontar a presença de um
fotojornalista da Reuters na invasão.
Mas é parte do trabalho de fotojornalista
entrar mesmo em campos de batalha. Estar presente no dia 8 não tem
absolutamente nada de especial.
Aliás, muitos jornalistas foram agredidos
pelos invasores. Todos ali interagiram e negociaram sua presença junto aos
golpistas como puderam. A tentativa de demonizar seu trabalho para alimentar
mais uma acusação falsa —algo feito não só por comentaristas de rede social,
mas por deputados federais— só tende a aumentar a violência contra jornalistas.
Até agora, muito mais incriminador do que o
conteúdo do vídeo é o fato de o vídeo ter sido mantido sob sigilo. Teria
o GSI tentado
ocultá-lo do próprio governo? Ou foi o governo que o escondeu da população?
O que poderia ter sido só mais um vídeo do
dia dos ataques, algo a ser compreendido e explicado junto com tantos outros
—como os dos policiais que desistiram de lutar— virou a grande bomba com novas
e seríssimas acusações.
Não há nada ali. Mas o impacto negativo
veio potencializado pelo sigilo, causando a queda de um ministro e selando a
certeza da CPMI. Hoje em dia, a transparência, além de melhor eticamente, é
também a melhor estratégia.
Joel Pinheiro sabe das coisas.
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