quarta-feira, 26 de abril de 2023

Lu Aiko Otta - O fator democrático do novo arcabouço fiscal

Valor Econômico

Mandato começa com decisão sobre tamanho do Estado

Em suas conversas com integrantes do mercado financeiro, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, notou que os cálculos e modelos sobre o novo arcabouço fiscal não têm considerado o fator democrático. E essa é, na sua avaliação, a principal inovação trazida pela proposta do governo para um novo regime fiscal sustentável.

O projeto do arcabouço estabelece que, no primeiro ano do mandato presidencial, que coincide com o primeiro ano das legislaturas na Câmara e no Senado, seja feita uma discussão sobre quanto será gasto e quanto será poupado para pagar a dívida naquele ano e nos três seguintes. O Executivo proporá, e o Legislativo apreciará, um compromisso sobre o tamanho do Estado brasileiro naquele período.

As críticas segundo as quais o arcabouço não consegue estabilizar a dívida pública se esquecem do fator democrático, comenta o secretário. Isso porque projetam para longos períodos à frente a intensidade de ajuste fiscal escolhida para o atual mandato presidencial. No entanto, o fator democrático dá base a que, em 2027, o jogo possa ser outro.

Poderá ser adotado um ajuste fiscal que corte fortemente as despesas, por exemplo. Ou que faça um ajuste rigoroso e derrube a dívida pública como proporção do PIB.

A diferença será dada pelos parâmetros inseridos no arcabouço. Esses serão objeto de discussão entre o Executivo e o Legislativo no primeiro ano de cada ciclo político.

Então, quem não está entendendo nada do arcabouço fiscal se prepare: nas próximas eleições, a discussão fundamental poderá ser sobre parâmetros.

Se em 2022 debateu-se o teto de gastos, se seria ou não mantido, em 2026 a discussão tende a ser se as despesas seguirão crescendo a um ritmo menor do que as receitas, e quanto.

De forma bem resumida, o arcabouço é um conjunto de regras que busca estabilizar a dívida pública. Combina uma meta de resultado primário (diferença entre receitas e despesas, exceto juros, usada para abater a dívida pública) e uma regra de crescimento das despesas em relação às receitas.

Neste governo, as despesas vão crescer ao ritmo de 70% do aumento das receitas. As metas de resultado primário foram fixadas em 0% em 2024, 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 1% do PIB em 2026. Com isso, a dívida ficará em 77,7% do PIB em 2024, 78,5% do PIB em 2024 e 79,3% do PIB em 2026.

Ou seja: a dívida não se estabiliza. Até cresce.

O arcabouço é acusado de ser frouxo. É por causa dos parâmetros escolhidos para o período até 2026. Eles determinam um ajuste gradual. E é assim, explica Guimarães, porque o projeto vencedor nas urnas em 2022 contempla a recuperação de políticas públicas e a retomada de programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Isso exigiu acrescentar R$ 145 bilhões no Orçamento deste ano, via PEC da Transição. É algo que não pode ser cortado de uma vez nos anos seguintes.

Assim, o compromisso para os quatro anos do atual mandato presidencial é cumprir uma regra de limite de despesa, mas com um espaço maior do que haveria, por exemplo, se fosse mantida a regra do teto de gastos.

Essa proposta está colocada com clareza para todo o período, o que permite aos agentes econômicos colocar preço na dívida pública.

Esse comprometimento com a meta reduz a importância relativa das dificuldades eventualmente enfrentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para recompor a base tributária do Estado brasileiro, avalia o secretário. De uma forma ou outra, assegura, a Fazenda buscará os R$ 155 bilhões que faltam para zerar o déficit fiscal no ano que vem.

Prova disso é a discussão sobre o retorno da tributação federal sobre combustíveis, ocorrida em março. Não foi possível retomar 100% da cobrança, como queria a área econômica. Mas o resultado foi obtido com uma reoneração parcial e uma elevação temporária do Imposto de Exportação sobre petróleo. O mesmo deve ocorrer na taxação de compras no exterior. Após idas e vindas, os marketplaces chineses prometem aderir às normas da Receita Federal.

É dessa forma que o debate do momento, o corte de incentivos fiscais, será conduzido, diz Guimarães. Ninguém na equipe econômica tem ilusão que será um debate fácil. Mas o propósito é colocá-lo sob a luz, para avançar da forma possível.

Outra novidade do arcabouço é tentar acabar com um “me engana que eu gosto” que vigora há anos na política fiscal. Por exemplo, ao tornar facultativo o bloqueio de verbas caso as contas públicas estejam rumando para um saldo menor do que a meta.

Pelas normas atuais, um quadro assim exige o bloqueio de despesas. Não raro, o ano começa com esse tipo de medida. No segundo semestre, geralmente, o dinheiro é liberado. Os ministros precisam correr para executar seu orçamento. É uma prática ruim para a gestão orçamentária, segundo o secretário.

O arcabouço permite que o bloqueio não seja feito. Até porque haverá uma margem de tolerância para o resultado fiscal. Se ainda assim a meta for descumprida, estão previstas duas sanções: o Executivo tem de se explicar ao Legislativo e, no ano seguinte, as despesas crescerão a 50%, e não mais a 70% das receitas.

Na mesma linha, a proposta diz que a falha em alcançar a meta não configura descumprimento da lei.

Guimarães afirma que não é a criminalização que fará o gestor buscar o objetivo de resultado primário. Compara com o que ocorre com o Banco Central. Se a autoridade monetária é leniente na busca da meta de inflação, afirma ele, as expectativas se deterioram. O mesmo deverá ocorrer com a condução da política fiscal, e esse será o maior incentivo à boa condução das contas públicas.

A agenda da política fiscal brasileira tem à frente discussões difíceis que, por isso mesmo, são adiadas há décadas. Seria muito bom se as dificuldades políticas, com Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no radar, não colocassem esse ímpeto a perder.

 

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