O Globo
O brigadeiro Joseli Camelo admite que houve
contaminação de militares da ativa no bolsonarismo, mas não da instituição em
si
Quatro generais podem se sentar na CPI do 8
de janeiro como interrogados. Três que serviram ao governo Bolsonaro e um que
servia agora ao governo Lula. Apesar de serem da reserva, mantinham contato
estreito com o pessoal da ativa. E outros militares da ativa foram filmados de
braços cruzados enquanto vândalos praticavam crimes no lugar que eles deviam
proteger, o Palácio do Planalto. São os sinais exteriores de quão fundo se foi
no país recentemente na politização das Forças Armadas.
O brigadeiro Joseli Camelo, presidente do
Superior Tribunal Militar, que entrevistei ontem na Globonews, acha que a CPI
será uma excelente oportunidade para todos os militares explicarem seus atos.
Os possíveis convocados da CPI instalada ontem são os generais e ex-ministros
de Bolsonaro, Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos
(Casa Civil). Além do general Gonçalves Dias.
— Todos esses oficiais generais estavam em cargos públicos, em cargos políticos. Conheço bem o general G.Dias, porque trabalhei com ele por oito anos. É uma pessoa espetacular, mas ele e todos os outros devem explicações à população. E acho isso natural — disse o brigadeiro.
Devem sim explicações porque estavam em
cargos públicos, mas também porque os que trabalharam no governo Bolsonaro,
mesmo os da ativa, desconheceram os limites entre a atuação num determinado governo,
e o ato de servir a um projeto autoritário e inconstitucional. Perguntei ao
brigadeiro Joseli sobre os acampamentos em frente aos quartéis militares que
passaram a ser foco do golpismo.
—Realmente é uma coisa que não é correta.
Mas, como havia um governo que apoiava este tipo de manifestação, achava-se que
era normal, que era a livre expressão, só que na realidade não é. Ninguém pode
pedir uma intervenção militar. Isso é crime. Havia uma certa conivência. O
governo aceitava e os militares também. Mas o presidente é comandante supremo
das Forças Armadas.
Perguntei a ele: se um comandante supremo
ordenar que as Forças Armadas façam algo inconstitucional, elas devem fazer?
Ele respondeu que havia pessoas “fanatizadas” no governo anterior, inclusive
dentro das Forças Armadas.
– São pessoas que passaram a achar que,
quem não pensa como eles, está doente, e que acreditam que são salvadores da
Pátria. E isso influenciou muito a decisão de aceitarem aqueles acampamentos em
frente aos quartéis.
A grande questão é quanto dessa polarização
contaminou as Forças Armadas como um todo. Afinal, o que se viu foi uma
participação ativa de militares na tentativa de tirar a credibilidade das urnas
eletrônicas, uma peça-chave do plano golpista que culminou nos atos de 8 de janeiro.
A visão do presidente do STM é diferente. Ele admite que houve contaminação,
mas acredita que não da instituição em si.
–Não há nada institucional. Não tivemos os
altos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica coniventes com isso. Nas
reuniões de alto comando, tudo isso era discutido, mas jamais nenhum deles foi
integralmente favorável, institucionalmente favorável. Tivemos casos isolados —
disse o brigadeiro.
O presidente do STM tem uma visão de que,
nesse momento, é necessário pacificar o país. E não acredita que se a CPI
interrogar generais ou se acirrar o conflito político, possa interromper esse
processo de pacificação que, segundo ele, está em curso em relação às Forças
Armadas. É bom sonhar com essa pacificação e o presidente Lula tem se esforçado.
Porém há muito caminho a andar, inclusive para entender profundamente a
conspiração que levou ao 8 de janeiro, e quais são as responsabilidades dos
líderes civis e militares naquele atentado.
A CPI ainda é uma grande incógnita, como
todas, mas essa tem toques irreais. Foi proposta pela força política que
originou os atos de golpismo, e defendida por parlamentares que antes, durante
e depois, apoiaram os atentados. Chega na sua instalação com o governo tendo
maioria dos integrantes e chances de comandar a CPI mista. Mesmo assim, a
oposição bolsonarista vê nela uma chance de redução do dano à imagem política
do grupo. Eles usarão todo o tempo para construir uma narrativa bem diferente
dos fatos, porque os fatos os condenam.
Coisas do Brasil.
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