quinta-feira, 27 de abril de 2023

Míriam Leitão -CPI, militares e a busca da verdade

O Globo

O brigadeiro Joseli Camelo admite que houve contaminação de militares da ativa no bolsonarismo, mas não da instituição em si

Quatro generais podem se sentar na CPI do 8 de janeiro como interrogados. Três que serviram ao governo Bolsonaro e um que servia agora ao governo Lula. Apesar de serem da reserva, mantinham contato estreito com o pessoal da ativa. E outros militares da ativa foram filmados de braços cruzados enquanto vândalos praticavam crimes no lugar que eles deviam proteger, o Palácio do Planalto. São os sinais exteriores de quão fundo se foi no país recentemente na politização das Forças Armadas.

O brigadeiro Joseli Camelo, presidente do Superior Tribunal Militar, que entrevistei ontem na Globonews, acha que a CPI será uma excelente oportunidade para todos os militares explicarem seus atos. Os possíveis convocados da CPI instalada ontem são os generais e ex-ministros de Bolsonaro, Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Defesa) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil). Além do general Gonçalves Dias.

— Todos esses oficiais generais estavam em cargos públicos, em cargos políticos. Conheço bem o general G.Dias, porque trabalhei com ele por oito anos. É uma pessoa espetacular, mas ele e todos os outros devem explicações à população. E acho isso natural — disse o brigadeiro.

Devem sim explicações porque estavam em cargos públicos, mas também porque os que trabalharam no governo Bolsonaro, mesmo os da ativa, desconheceram os limites entre a atuação num determinado governo, e o ato de servir a um projeto autoritário e inconstitucional. Perguntei ao brigadeiro Joseli sobre os acampamentos em frente aos quartéis militares que passaram a ser foco do golpismo.

—Realmente é uma coisa que não é correta. Mas, como havia um governo que apoiava este tipo de manifestação, achava-se que era normal, que era a livre expressão, só que na realidade não é. Ninguém pode pedir uma intervenção militar. Isso é crime. Havia uma certa conivência. O governo aceitava e os militares também. Mas o presidente é comandante supremo das Forças Armadas.

Perguntei a ele: se um comandante supremo ordenar que as Forças Armadas façam algo inconstitucional, elas devem fazer? Ele respondeu que havia pessoas “fanatizadas” no governo anterior, inclusive dentro das Forças Armadas.

– São pessoas que passaram a achar que, quem não pensa como eles, está doente, e que acreditam que são salvadores da Pátria. E isso influenciou muito a decisão de aceitarem aqueles acampamentos em frente aos quartéis.

A grande questão é quanto dessa polarização contaminou as Forças Armadas como um todo. Afinal, o que se viu foi uma participação ativa de militares na tentativa de tirar a credibilidade das urnas eletrônicas, uma peça-chave do plano golpista que culminou nos atos de 8 de janeiro. A visão do presidente do STM é diferente. Ele admite que houve contaminação, mas acredita que não da instituição em si.

–Não há nada institucional. Não tivemos os altos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica coniventes com isso. Nas reuniões de alto comando, tudo isso era discutido, mas jamais nenhum deles foi integralmente favorável, institucionalmente favorável. Tivemos casos isolados — disse o brigadeiro.

O presidente do STM tem uma visão de que, nesse momento, é necessário pacificar o país. E não acredita que se a CPI interrogar generais ou se acirrar o conflito político, possa interromper esse processo de pacificação que, segundo ele, está em curso em relação às Forças Armadas. É bom sonhar com essa pacificação e o presidente Lula tem se esforçado. Porém há muito caminho a andar, inclusive para entender profundamente a conspiração que levou ao 8 de janeiro, e quais são as responsabilidades dos líderes civis e militares naquele atentado.

A CPI ainda é uma grande incógnita, como todas, mas essa tem toques irreais. Foi proposta pela força política que originou os atos de golpismo, e defendida por parlamentares que antes, durante e depois, apoiaram os atentados. Chega na sua instalação com o governo tendo maioria dos integrantes e chances de comandar a CPI mista. Mesmo assim, a oposição bolsonarista vê nela uma chance de redução do dano à imagem política do grupo. Eles usarão todo o tempo para construir uma narrativa bem diferente dos fatos, porque os fatos os condenam.

 

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