O Globo
Governo Lula enfrenta tensões na economia
em meio a um redemoinho político com instalações de CPIs
O Banco Central deve manter esta semana a
taxa de juros nos mesmos 13,75%, apesar de a inflação ter caído em um ano de
12% para 4%. A decisão dos juros ficarem inamovíveis será fonte de estresse
político. Mas esse não será o único fato relevante dos próximos dias, porque a
agenda do Brasil tem sido de uma intensidade estonteante. A primeira regulação
brasileira sobre o mundo digital, que mexe com interesses das maiores empresas
do mundo, vai ser votada em regime de urgência. A CPI mista dos atos golpistas,
inicialmente pedida pelos apoiadores dos próprios golpistas, testará a
capacidade política do governo. Enquanto isso, outra CPI, a do MST, pode dar
trabalho ao governo, por culpa de seus próprios aliados.
A independência do Banco Central é uma conquista importante e qualquer retrocesso nesse ponto teria um efeito bumerangue no governo. Isso não significa que o BC não erre. A decisão de manter os juros é muito controversa porque o ambiente inflacionário é totalmente outro do que era quando a taxa chegou ao nível em que permanece. Muitos economistas defendem o BC com o argumento de que a projeção da inflação para o final do ano ainda está acima do teto da meta.
Vamos olhar de perto os dados com o
professor Luiz Roberto Cunha. A projeção dele para o IPCA de abril é de 0,52%.
Isso levaria o acumulado em 12 meses a 4,09%. Se os índices de maio e junho
forem os previstos pelo Boletim Focus, a taxa em 12 meses fechará o primeiro
semestre em 3,87%. Isso abaixo do teto da meta. E em abril de 2022, a inflação
estava em 12,13%. O professor alerta que o segundo semestre tem outra história.
— Esse é o desafio do BC. Em julho, agosto
e setembro, a inflação vai dar um pulo, porque nestes meses, no ano passado,
houve deflação provocada pela retirada dos impostos dos combustíveis. O pico
deve ser setembro. Se ficar em 0,30% ao mês chega a 6,22% e termina o ano em
5,46% — detalha Luiz Roberto.
Mas o fato é que a alta que haverá no
terceiro trimestre não é um novo surto inflacionário e o Brasil estava num
surto quando a Selic subiu, de forma tecnicamente correta, em 2021 e 2022.
Agora, seria possível reduzir as taxas, não para atender à pressão política à
qual o BC deve resistir, mas porque ele já foi vitorioso em sua política
deflacionária. Além do mais, se as taxas nominais não caem quando a inflação
cede, o que está acontecendo é uma alta real de juros.
Os dados de atividade do primeiro trimestre
estão bons. O Bradesco na sexta subiu para 1,8% a previsão do PIB este
ano. O
agro está com forte expansão, e o setor de serviços tem surpreendido. Isso
vai dar ao BC a ideia de que sua política de juros não tem tido efeito
colateral. Falsa impressão.
O mercado está esperando junho para saber o
que acontecerá com a meta de inflação. E isso tem mantido a expectativa de
juros mais alta. Há duas coisas a dizer sobre isso. Primeiro, pode-se alongar
no tempo o cumprimento da meta, sem ser no ano-calendário, como ocorre em
outros países. E em segundo lugar, por um detalhe que passou despercebido, mas
é alertado pelo professor Luiz Roberto Cunha.
–A meta foi caindo de forma lenta, gradual
e insegura. Em 2017, era 4,5% com margem de 1,5 ponto percentual para cima e
para baixo. E foi caindo 0,25 ponto percentual até os 3% de 2024. Só que nesse
meio tempo tivemos uma pandemia e uma guerra na Europa com subida das
commodities pressionando a inflação mundial.
Esse é o contexto das tensões na área da
economia, em que o ministro Fernando Haddad tenta buscar a receita perdida das
renúncias fiscais e aprovar o seu arcabouço, que teve uma crítica dura de Armínio
Fraga, que em audiência no Senado, afirmou que a aritmética da proposta não
fecha.
Se a economia fosse o único problema já
seria difícil. Mas tudo acontece no meio de redemoinhos políticos. O governo
terá que aprovar o arcabouço enquanto briga para garantir a maioria numa CPI
mista que foi inventada pela oposição, apesar de o governo Lula e a democracia
brasileira terem sido as vítimas do atentado de 8 de janeiro. E outra CPI se
fortalece a cada nova invasão do MST. O Congresso votará a primeira regulação
para vasta terra sem lei das plataformas digitais, um assunto tenso e complexo.
Na sexta-feira passada, com milhares de indígenas em Brasília, o governo
demarcou as primeiras terras indígenas em cinco anos, e dava os últimos
retoques na MP para combater o terrível mercado de ouro ilegal no país. É com
essa intensidade que se vive no Brasil.
Uma barafunda sem fim.
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