terça-feira, 18 de abril de 2023

Míriam Leitão – Único cenário possível para o governo é a aprovação do arcabouço fiscal

O Globo

Do contrário, Lula e a equipe econômica ficarão entre dois riscos de descumprimento da Constituição

O governo precisa da aprovação do arcabouço fiscal. Do contrário, ele ficará entre dois riscos de descumprimento da Constituição. Ou ele descumpre o limite do teto de gastos hoje ainda em vigor. Se o teto cair, o risco é de descumprir os percentuais mínimos estabelecidos na Constituição para Saúde e Educação. Por isso, o único cenário possível para o governo é a aprovação da nova regra de limite de gastos públicos. Ontem, o documento estava pronto e instituía o que será chamado de “regime fiscal sustentável”, mas o presidente Lula decidiu enviar apenas hoje.

Dos dilemas do governo, a ministra Simone Tebet falou ontem ao apresentar a LDO. Olha a dificuldade de governar o Brasil. A LDO tem que cumprir o prazo para chegar ao Congresso e, por isso, já foi enviada. Mas o que ainda está em vigor é o teto de gastos. Não importa que o governo anterior tenha furado o limite inúmeras vezes, a Constituição ainda o registra como a regra fiscal do país. Por isso é uma LDO que depende do que vier a ser aprovado pelo Congresso.

Simone Tebet explicou que se for para cumpri-lo, o país teria apenas R$ 24,3 bilhões para os gastos livres, os chamados discricionários. E isso mal dá para o custeio da máquina.

—Se não aprovarmos o arcabouço fiscal não temos recursos para o Minha Casa, Minha Vida, para a manutenção da malha rodoviária, para a educação, para as bolsas, para o funcionamento de instituições superiores de ensino. Todos os programas sociais ficariam comprometidos naquilo que avançou do ano passado para cá — falou a ministra na entrevista coletiva em que explicou o projeto que dará os parâmetros para a confecção do orçamento.

O que a LDO calcula para os gastos discricionários são R$ 196,35 bilhões, mas o teto vinha comprimindo essas despesas, até se tornar inviável. Caiu não por decisão do atual governo. Desabou por inviabilidade, pelos ataques sucessivos a ele no governo anterior, mas oficialmente é o teto que estará em vigor. Se for cumpri-lo, esse valor cai para os R$ 24,3 bilhões sobre os quais ela falou.

Quando o teto deixar oficialmente de existir, então os percentuais mínimos da receita que precisam ir para a Saúde e Educação voltarão a vigorar, porque eles estavam suspensos pela regra do teto. O problema é que se for tudo reposto ao mesmo tempo, quebra-se o limite da nova regra de gasto. Diante desse dilema entre dois descumprimentos constitucionais, o que o governo deverá fazer será pedir um “waiver" no Tribunal de Contas da União, para que o mínimo constitucional das duas áreas sociais não entre em vigor imediatamente.

O governo decidiu no fim de semana mandar um Projeto de Lei Complementar contendo tanto o desenho quanto os parâmetros do arcabouço. Isso significa submeter-se a um quórum mais difícil de ser atingido. Se mandasse os parâmetros por Lei Ordinária, como havia pensado anteriormente, precisaria apenas de maioria simples dos presentes. Sendo Lei Complementar precisa de maioria absoluta dos parlamentares nas duas casas. Já o próximo governo, a partir de 2026, poderá mudar os parâmetros por lei ordinária.

O novo regime fiscal atende a pedidos feitos pelo Ministério do Meio Ambiente, universidades e estados. Estarão fora do limite de gastos, tanto as doações que o Meio Ambiente recebe, por exemplo, através do Fundo Amazônia, quanto qualquer receita própria das universidades públicas. Além disso, as transferências para os estados e municípios para o cumprimento dos pisos nacionais da enfermagem.

Todos os sinais são de que o projeto será bem recebido no Congresso e o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, avisou que pode ser aprovado em três semanas. Mas ontem os últimos detalhes ainda causavam tensão. Integrantes da equipe garantiam que as mudanças seriam em pequenos detalhes, mas a pressão por mais gastos está cada vez maior no governo Lula.

Foi isso que fez adiar o envio do projeto para hoje. Há detalhes que podem fazer toda a diferença, como, por exemplo: o que entra na Receita para dar o limite da despesa? Dividendos de estatais, despesas extraordinárias entram ou não? Pela equipe econômica, nenhuma receita como essa deveria ser incluída no cálculo que estabelece o limite para as despesas públicas. A semana começou intensa em Brasília. O governo decidindo a dimensão do que pode gastar, enquanto na diplomacia o assunto está cada vez mais complicado. Mas isso já é outra coluna. 

 

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