sábado, 15 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula ainda não conteve a alta no desmatamento

O Globo

Dados do Inpe revelam recorde da devastação no Cerrado e segundo pior índice histórico na Amazônia

Os números mais recentes sobre desmatamento divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) são implacáveis para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a promessa de estancar a derrubada de florestas que deteriorou a imagem do país no exterior durante a gestão Jair Bolsonaro. No primeiro trimestre de 2023, os alertas de desmatamento no Cerrado bateram recorde, atingindo uma área de 1.375 quilômetros quadrados, segundo o sistema Deter, do Inpe. É uma área comparável à do município do Rio de Janeiro. A Amazônia registrou o segundo pior índice da série histórica, com perda de 844 quilômetros quadrados de vegetação.

Diante dos resultados, o Ministério do Meio Ambiente tentou amenizar a catástrofe. Disse que, no primeiro trimestre deste ano, houve aumento de 219% nas autuações de delitos contra a flora amazônica em relação à média no período dos últimos quatro anos. E que as apreensões de bens pela fiscalização cresceram 133% de janeiro a março, sustentadas principalmente pelas operações contra o garimpo ilegal nas terras ianomâmis. O governo alega que essas medidas descapitalizam os infratores e restringem o comércio ilegal do ouro.

É de conhecimento público que o governo anterior promoveu o desmonte dos órgãos ambientais, da legislação e das estruturas de fiscalização, contribuindo para que o crime organizado se expandisse pela Amazônia. Sabe-se também que operações envolvendo policiais e militares contra atividades ilegais estão em andamento nas terras ianomâmis, onde o garimpo clandestino e a negligência das autoridades provocaram uma tragédia humanitária. Mas o problema vai além das reservas, como mostram os números do Inpe.

O atual governo foi eleito tendo a preservação do meio ambiente como uma de suas principais bandeiras, em contraste com a administração anterior. Em seu primeiro discurso no cargo, Lula prometeu uma política de desmatamento zero na Amazônia. Claro que isso não será obtido de uma hora para outra, nem sem a ajuda dos estados. Porém, com mais de cem dias de mandato, é preciso começar a mostrar resultados. Não há justificativa para que o desmatamento tenha aumentado em pleno “inverno” amazônico, quando os índices costumam dar uma trégua antes de subir a partir de abril. Dizia-se que a ação dos criminosos seria desestimulada pela troca de governo. Só se esqueceram de combinar com os infratores.

É preciso passar rapidamente do discurso à ação. O governo tem à disposição diagnósticos robustos produzidos por instituições respeitadas, que fornecem informações sobre desmatamento em tempo real, além de todos os meios legais para combater os desmatadores. Não pode sequer recorrer à velha ladainha da falta de recursos. O Fundo Amazônia, congelado no governo passado em meio à política desastrosa do então ministro Ricardo Salles, foi reativado na atual gestão. São R$ 3,3 bilhões para usar em ações como controle do desmatamento, desde que o governo tenha projetos para isso.

O avanço da devastação em diferentes biomas neste início de ano mostra que os predadores não parecem dispostos a aposentar as motosserras, independentemente de quem esteja no Palácio do Planalto. Isso deveria preocupar o governo — e todo o país.

Pente-fino é fundamental para recuperar foco do Bolsa Família

O Globo

Governo suspendeu benefício a 1,2 milhão de famílias formadas por uma só pessoa, inscritas no período eleitoral

O Bolsa Família passa por um pente-fino, necessário para voltar a atender apenas famílias de baixa renda. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome informou ter bloqueado 1,2 milhão de cadastros de “famílias unipessoais”, ou pessoas que vivem sozinhas, no jargão da administração do programa. Em geral são integrantes de uma mesma família inscritos isoladamente para receber mais dinheiro do Estado como se não tivessem vínculos.

A parcela dos beneficiários unipessoais passara de 15% para 26% dos inscritos no programa ao longo do governo passado. Dos 6 milhões de cadastros sob averiguação — abertos no período eleitoral, quando o governo aumentou o valor do Auxílio Brasil e facilitou o acesso —, dois terços não atendem às exigências da lei (renda familiar per capita inferior a R$ 218), segundo afirmou ao GLOBO o ministro Wellington Dias. No início do ano, 1,5 milhão de inscrições já haviam sido canceladas, porque os beneficiários tinham renda superior ao teto. Desse grupo, 7 mil recebiam R$ 6.500 mensais.

O êxito do Bolsa Família sempre se deveu a ser um programa social focado, capaz de levar o dinheiro a quem realmente precisa para enfrentar a pobreza absoluta. Com gasto inferior a 0,5% do PIB alcançou resultados na inclusão jamais obtidos por outras despesas sociais da mesma envergadura. Com as ampliações e aumentos sucessivos, o custo do programa hoje gira entre 1,5% e 2% do PIB, sem que ele tenha a mesma precisão. Daí a relevância do pente-fino no cadastro. Qualquer programa social precisa de um sistema eficiente de checagem de informações para que não haja desperdício de recursos.

As duas versões do Auxílio Emergencial durante a pandemia foram marcadas por desvios. Devido à pressa na liberação dos recursos, não foi possível construir um sistema de controle eficaz. Levantamentos detectaram que funcionários públicos, militares e outras categorias se aproveitaram das brechas e da generosidade do programa.

Uma das tarefas do governo Lula é atualizar o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), uma espécie de relação dos pobres brasileiros, acessado em todo município. É a partir do CadÚnico que se melhora a qualidade do Bolsa Família e de outros programas. Deveria ser uma tarefa rotineira dos governos zelar pela fidedignidade dos dados.

O Bolsa Família — atualmente de R$ 600 e mais R$ 150 por criança até 6 anos de idade e R$ 50 por dependente entre 7 e 18 anos ou gestantes — precisa resgatar e preservar o princípio da contrapartida oferecida pelas famílias beneficiadas: permanência das crianças na escola, pré-natal e vacinação em dia. É a única forma de quebrar a cadeia de transmissão da pobreza e da miséria de geração em geração.

Câmara em blocos

Folha de S. Paulo

Associações de partidos visam postos de poder na Casa, e governo fica à margem

Dois grandes blocos partidários acabam de se formar na Câmara dos Deputados. A disputa de poder orienta essa movimentação, e a linha programática teve pouca importância nas alianças. Em quase nada a oposição ou a adesão ao governo influenciou as decisões.

A política no Congresso tem preponderância sobre as relações com o Executivo, assim como, desde meados da década passada, os parlamentares passaram a ter mais poder ante o Planalto. É mais um traço de uma configuração nova da política brasileira, ainda pouco compreendida e em evolução.

Deputados desses novos blocos procuram se sobressair na ocupação de postos em comissões e de relatorias de projetos, influenciar a tramitação de pautas e ter prioridade na distribuição de recursos e em discussões do Orçamento.

Ressentem-se de terem sido excluídos do comando das comissões permanentes, tomadas por PL e PT. Uma vaga divisão a respeito da próxima disputa pelo comando da Câmara, no distante 2025, também pesou na divisão em grupos.

Um deles é formado por PSD, MDB, Republicanos, Podemos e PSC, com 142 deputados —agremiações do centro à direita.

Em resposta, o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira, aliou-se a União Brasil (com a qual quase formara uma federação), PSDB-Cidadania, Avante, Patriota e partidos mais à esquerda que fazem parte da base do governo petista, casos de PSB, PDT e Solidariedade. Ao todo, o grupo soma 173 deputados.

Vê-se que o apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava em jogo. Ambos os blocos se dizem dispostos a colaborar com o Planalto e contam com ministérios.

O governo receou se imiscuir na formação dos blocos, sobre os quais tem parca influência. O PT nem sequer conseguiu manter PSB e PDT em sua órbita. De certo modo, ficou isolado, assim como o PL que ora abriga Jair Bolsonaro.

A coalizão de Lula tem, em tese, algo em torno de 280 dos 513 deputados, caso aí se contem parlamentares ligados a legendas com ministérios e postos no segundo escalão. Mas, reitere-se, vários desses partidos são divididos internamente. Já os dois novos blocos contam com 315 integrantes.

A geografia da Câmara é confusa, e fronteiras se formam à revelia do governo. Em um ambiente no qual não está claro quem conduzirá a oposição, mostra-se ainda menos clara a definição de lados.

O sistema partidário e a relação entre Executivo e Legislativo estão em mudança nos últimos anos. O governo ainda não mostrou como atuará diante dessa nova configuração. Age no varejo. Terá de elaborar uma estratégia, pois em breve o Congresso tomará decisões fundamentais para o destino de Lula 3.

Pretensões cambiais

Folha de S. Paulo

Lula contesta o poder do dólar numa semana em que o mercado sorriu para o país

De acordo com uma piada contada entre economistas, Deus inventou o câmbio para humilhá-los, ou ao menos para ensinar-lhes humildade —tamanha é a imprevisibilidade dos movimentos das moedas e tantos são os fracassos de governos em controlar as cotações.

Nesta semana, o câmbio sorriu para o Brasil, pela primeira vez no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A moeda nacional teve expressiva valorização, e a cotação do dólar ficou abaixo dos R$ 5, como não se via desde junho de 2022.

Como de hábito nessas ocasiões, motivos diversos foram aventados. Números da inflação no Brasil e nos EUA vieram abaixo dos esperados; a economia da China se recupera; haveria mais otimismo quanto à regra a ser proposta pelo governo para conter a dívida pública.

De mais certo e óbvio, pode-se dizer que aumentou a oferta de dólares, em boa parte graças a um avanço de exportações, e caiu a demanda pela divisa americana, provavelmente por uma menor apreensão de investidores. Como sempre em qualquer mercado, o apetite por ganhos e o medo de perdas guia os participantes.

A valorização da moeda nacional não é necessariamente boa ou má notícia. Economistas da corrente dita desenvolvimentista, muito influentes no PT, preferem o dólar mais caro, para incentivar exportações. Neste momento, a queda da cotação vem a calhar, por contribuir para o recuo da inflação.

Foi apenas coincidência que, numa semana favorável no mercado, Lula tenha contestado o poder do dólar durante sua viagem à China. O petista questionou por que os Brics, que incluem também Rússia, Índia e África do Sul, não podem fazer suas transações em outra moeda, própria do grupo.

Essa é uma ideia recorrente na esquerda e em outros meios antipáticos aos EUA. Poucas semanas atrás, os governos aliados de Brasil e Argentina especulavam sobre uma moeda em comum.

O câmbio deveria ensinar humildade também a políticos. Imagine-se a tarefa dantesca de unir os interesses brasileiros aos de países tão diferentes quanto a China ditatorial, a Rússia em guerra e a Argentina no caos econômico.

A aceitação de uma divisa depende não apenas das dimensões econômicas, mas também da confiabilidade do Estado emissor —a começar por seus compromissos em honrar dívidas e conter a inflação. Por aqui, nem mesmo a autonomia do Banco Central é tema pacífico.

Jogo de cena na reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Quando deputados julgam que todos os setores merecem tratamento especial, entende-se como o sistema tornou-se disfuncional e por que nunca se aprovou uma reforma ampla

O grupo de trabalho da Câmara responsável por construir um texto para a reforma tributária começou a estudar formas para garantir tratamento diferenciado a alguns setores. De acordo com reportagem publicada pelo Estadão, o colegiado defende criar alíquotas específicas – e menores – para o setor de serviços, em particular as áreas de educação e saúde. Também se discute, no âmbito do grupo, assegurar benefícios ao agronegócio e ao transporte público.

Uma reforma tributária que se inicia assim começa muito mal. Originalmente, o cerne da proposta, resultado da fusão das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019, é extinguir taxas federais, estaduais e municipais sobre o consumo e substituí-las pelo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), que teria uma alíquota geral de 25%. A ideia por trás disso é simplificar o sistema, marcado por tantas exceções que tornam seu entendimento complexo e oneroso para o País.

É natural que os setores se mobilizem para entender as mudanças propostas na reforma tributária, explicar as particularidades das áreas em que atuam e propor sugestões de melhorias. Mas o que tem acontecido no Congresso nada tem a ver com isso. Trata-se de uma disputa na qual vence quem conta a história mais triste, cujo prêmio é pagar menos impostos que os demais.

Há 30 anos, há um consenso no País sobre a necessidade de modernização do sistema tributário, considerado confuso, regressivo e injusto. Como esse diagnóstico não vem de hoje, seria de esperar que a reforma já tivesse sido aprovada há muito tempo, o que nunca aconteceu. Mas isso não significa que o sistema tributário não tenha sido alterado ao longo de tantos anos.

Enquanto governo e Congresso não conseguiam chegar a um denominador comum, inúmeros subterfúgios foram criados para reduzir a carga tributária de alguns setores – quase sempre sob a justificativa de criar ou manter empregos –, além de regimes especiais, desonerações e isenções concedidas para determinados segmentos. Algumas medidas são absurdas a ponto de gerarem créditos sobre impostos que nunca foram pagos, e que são usados pelas empresas para abater e quitar outros tributos.

Nenhum desses temas é novo para quem acompanha as discussões sobre a reforma tributária, como é o caso dos parlamentares que integram o grupo de trabalho, em particular o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da proposta atual e da PEC 45/2019. Por isso, chama muito a atenção a quantidade de audiências e visitas que o colegiado tem feito para ouvir lamúrias de diversos setores nas últimas semanas.

A escolha do grupo de trabalho como meio para discutir a reforma já demonstra, por si só, a recusa do presidente Arthur Lira (PP-AL) em cumprir a proporcionalidade e a representatividade dos partidos e da população na Câmara. Mas, ao menos em tese, por ser menor que uma comissão, um grupo de trabalho facilitaria a construção de um texto consensual para, depois, ser submetido ao plenário.

Mas o fato é que a maioria dos membros do colegiado, escolhidos a dedo pelo próprio Lira, tem atuado contra o objetivo central da proposta. Afinal, se todos os setores merecem receber tratamento especial, princípios como simplicidade, equidade, neutralidade e progressividade são abandonados ao longo do caminho. Ao fim desses debates, o País terá um sistema disfuncional e muito semelhante ao que já vigora hoje. Daí se entende por que a reforma nunca foi aprovada. Para muitos, o apoio a esse tipo de proposta é meramente teórico. Se em público defendem mudanças, na prática querem manter tudo como está e preservar privilégios conquistados no passado.

O cronograma do grupo de trabalho da reforma tributária prevê que o relatório final seja apresentado até o fim de maio. Até lá, espera-se que os deputados tenham mais objetividade na condução dos debates e deem rumo à proposta final. O País depende disso para sair da armadilha da baixa competitividade e do crescimento pífio. Por enquanto, tudo indica que essas discussões não passam de encenação.

Papel civilizatório do ensino integral

O Estado de S. Paulo

O País precisa investir na ampliação da jornada escolar. Só assim a reforma do ensino médio conseguirá entregar tudo o que promete, e a educação brasileira dará um salto de qualidade

Não existe bala de prata para resolver os problemas da educação − e os resultados, em geral, demoram a aparecer. Há, contudo, caminhos já testados e capazes de conduzir as escolas rumo a um salto de qualidade: um deles, a oferta de ensino em tempo integral. Eis uma iniciativa a ser priorizada em todo o País, ainda mais diante dos desafios inerentes à implementação do novo ensino médio, cujo cronograma foi suspenso pelo Ministério da Educação (MEC) a pretexto de discutir ajustes no formato da reforma que começou a ser efetivada no ano passado. Bem, se há um ajuste que precisa ser feito, é acelerar a ampliação da carga horária.

Chega a ser intuitivo: à medida que crianças e adolescentes passam mais horas nas salas de aula, as oportunidades de aprendizagem também aumentam. Não surpreende que seja esse o modelo adotado em países desenvolvidos. A propósito, como bem lembrou o diretor executivo do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, o ensino em tempo integral é a regra no mundo desenvolvido, a ponto de não existir sequer nome específico para designar escolas que oferecem jornada ampliada. “Escola em tempo integral lá se chama escola”, destacou Nogueira Filho, em recente entrevista ao Estadão. Essa é a regra nas nações que obtêm melhor desempenho no exame internacional Pisa, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A fala do diretor executivo do Todos pela Educação joga luz sobre um dos principais desafios da implementação da reforma do ensino médio. Como se sabe, a reforma flexibilizou a organização curricular das escolas: além das tradicionais aulas de formação básica, como Português, Matemática e Biologia, passaram a ser ofertadas novas disciplinas agrupadas em itinerários formativos que ocupam atualmente 40% da carga horária. O resultado é que sobra menos tempo para as aulas de formação básica, aquelas que preparam para o vestibular − e isso, claro, gera críticas.

Ora, a solução passa por ampliar a jornada escolar − acomodando as disciplinas da parte obrigatória e da parte flexível do currículo sem prejuízo de nenhuma delas. Uma escola que se pretenda atrativa para os jovens precisa ir além dos conteúdos tradicionais, e é isso que a reforma promete. Ao romper com o modelo de currículo único e flexibilizar a oferta de disciplinas, dando aos jovens a oportunidade de escolha, a reforma acenou com avanços inequívocos. Mas esse lado inovador do novo ensino médio não deve implicar perdas para a formação básica dos estudantes.

Daí por que a implementação do novo ensino médio e a oferta de ensino em tempo integral devem avançar juntas. Algo, aliás, que a própria lei que instituiu o novo ensino médio corretamente previu, ao determinar o aumento progressivo da carga horária anual: primeiro, de 800 para 1.000 horas, o que já foi feito e corresponde a 5 horas diárias; depois, até alcançar 1.400 horas, o equivalente a 7 horas por dia. Pena que a lei não estabeleceu prazo para essa elevação até 1.400 horas por ano, um passo indispensável para que o novo ensino médio seja capaz de entregar tudo o que promete.

O Brasil está atrasado na oferta de ensino em tempo integral. À exceção de alguns Estados que perceberam a importância estratégica da medida, o País condena a imensa maioria de seus alunos a uma carga horária insuficiente. No caso das redes públicas de ensino médio, apenas 20% dos jovens frequentavam jornadas de 7 horas ou mais no ano passado; no ensino fundamental, a média nacional era ainda mais baixa: 14%. Como esperar que as escolas deem conta da sua tarefa de formar cidadãos para o século 21 nesse modelo anacrônico de um único turno de aulas?

Não se ignora que a ampliação da jornada escolar exige mais recursos. Mas aqui vale a máxima de que mais caro é não fazer o devido investimento. Com a expansão do ensino em tempo integral, não é somente a reforma do ensino médio que ganhará uma chance de virar realidade: a educação brasileira, finalmente, terá a oportunidade de cumprir seu papel civilizatório.

Crime a preço de ocasião

O Estado de S. Paulo

Governo acerta ao agir contra sites estrangeiros que cometem fraude para lesar a concorrência

É evidentemente correta a decisão do governo federal de agir para impedir que sites estrangeiros, sobretudo asiáticos, se aproveitem fraudulentamente da isenção de imposto em transações entre pessoas físicas no valor de até US$ 50 para vender produtos a brasileiros por preços muito abaixo dos de mercado. Não é tão difícil de entender: além de crime tributário, a fraude fere as regras concorrenciais ao dar vantagem indevida a certas empresas em prejuízo das outras. Logo, ao governo não cabia outra coisa a fazer a não ser agir para impedir a continuidade desse descaminho.

No entanto, essa decisão aparentemente banal causou espantosa confusão, em especial em razão da incapacidade do governo de explicar suas motivações ao distinto público. Essa inabilidade é especialmente problemática quando a decisão, como é nesse caso, pode ser vista como prejudicial por milhões de consumidores, muitos deles de baixa renda. Logo, cabia ao governo demonstrar que nesse caso a venda de produtos por preços muito baixos, como fazem esses sites, não é um milagre nem estratégia legítima de negócios, mas fruto de manobras criminosas, e que o Estado brasileiro não poderia ficar inerte, pois é sua obrigação cobrar os impostos devidos por todos, sem exceção.

Não parecia ser uma tarefa muito complicada, mas o governo, em vez de explicar o óbvio, de maneira didática, conseguiu caracterizar essa ação trivial como sendo parte de seu esforço de arrecadação para melhorar as contas públicas. O Ministério da Fazenda chegou a divulgar que as novas regras de tributação resultariam em um acréscimo de até R$ 8 bilhões anuais na receita. Ora, ao fazê-lo, deu a entender que isenções tributárias supostamente benéficas para consumidores de baixa renda seriam suspensas com o único propósito de satisfazer necessidades fiscais do governo. Não demorou para que acusassem o governo petista de trair seus eleitores mais pobres.

Há muitos casos em que o governo petista trai seus eleitores mais pobres, sobretudo quando sua tradicional irresponsabilidade no trato do dinheiro público resulta em inflação e desemprego, mas certamente este não é um deles. Aqui, trata-se de impedir que empresas estrangeiras explorem criminosamente uma isenção fiscal para lucrar, deixando de pagar impostos, prejudicando a indústria nacional e criando empregos no exterior em detrimento dos trabalhadores brasileiros.

O esquema é simples. Sites estrangeiros fracionam suas vendas para consumidores brasileiros para que nenhuma dessas frações ultrapasse US$ 50, que é o teto da isenção. Como a isenção só vale para transações entre pessoas físicas, esses sites fraudam a documentação para que o remetente de cada fração da venda seja reconhecido como pessoa física, obviamente fictícia.

Dado o imenso volume de vendas nessas condições, a Receita Federal tem grandes dificuldades em realizar uma fiscalização adequada. Por esse motivo, a suspensão da isenção parece ser a solução mais sensata, nada tendo a ver com eventuais prejuízos políticos para o governo petista. Estes ficam na conta da comunicação capenga.

 

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