terça-feira, 25 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Câmara precisa imprimir urgência ao PL das Fake News

O Globo

Não há mais tempo a perder com debates quando está em jogo a sobrevivência da democracia

Está na pauta da Câmara a votação do regime de urgência para a apreciação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, aprovado no Senado em 2020. É fundamental que os deputados sigam adiante com o plano de votar o requerimento amanhã e levar o PL à apreciação do plenário ainda nesta semana. Os eventos do 8 de Janeiro e os ataques recentes em escolas deixaram claro que é preciso agir com presteza. O Brasil não pode permitir que as redes sociais continuem a ser usinas de desinformação e violência.

A última versão do PL apresentada pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), está madura e incorpora os dispositivos da legislação mais moderna sobre o tema, em particular a europeia. É esperado que as plataformas digitais façam pressão para adiar a votação, mas os deputados precisam resistir. Devem evitar repetir o erro cometido ao não aprovar o PL antes das eleições do ano passado, abrindo caminho ao golpismo que se sucedeu.

Por mais que possa haver margem para críticas pontuais, na essência o PL das Fake News promove duas mudanças essenciais. Primeiro, torna as plataformas corresponsáveis pelos conteúdos que veicularem, acabando com a imunidade que hoje usufruem e estabelecendo o “dever de cuidado” pelo que circular em suas redes (ao mesmo tempo, cria regras sensatas de moderação e governança para preservar a liberdade de expressão). Segundo, sob inspiração da lei australiana, prevê que remunerem os criadores de conteúdos jornalísticos que fizerem circular.

Embora não reconheçam isso, as plataformas digitais funcionam como empresas de comunicação, que faturam com a venda de publicidade, veiculada em conteúdos produzidos por terceiros. Essa relação de parasitismo é a principal responsável pela crise que acometeu as empresas que produzem jornalismo profissional. Ao defender a manutenção desse estado de coisas, as plataformas desviam do ponto central: a preservação da democracia.

O jornalismo profissional é a principal arma da sociedade para se informar de modo fidedigno. Ao deixar de pagar pelos conteúdos, as plataformas enfraquecem a capacidade da imprensa de exercer essa tarefa intransferível. Gigantes digitais como Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) ou Alphabet (controladora de Google e YouTube) não substituíram o jornalismo profissional nem eliminaram sua necessidade. Ao contrário, além de enfraquecê-lo com o parasitismo, criaram modelos de negócios que incentivam desinformação e discurso de ódio.

Produzir jornalismo de qualidade exige pessoal qualificado e editores treinados para trabalhar em nome do interesse público. Investigações envolvem encontros pessoais, viagens e o investimento em várias áreas do conhecimento, nos prazos exíguos ditados pela necessidade dos cidadãos. Todo conteúdo exige checagem exaustiva e apuro técnico. Tudo isso custa caro.

Os projetos montados pelas plataformas para atenuar o parasitismo se revelaram insuficientes. A timidez desses esforços é a melhor prova de que, enquanto a legislação for generosa com elas, nada mudará. Com poderio financeiro e alcance global, elas têm fugido de qualquer discussão minimamente justa para pagar pelo conteúdo jornalístico que circula nas redes. No jargão dos economistas, trata-se de uma falha de mercado que não será corrigida sem uma regulação rigorosa, como a do PL. Não há mais tempo a perder para aprová-lo.

Lei de Responsabilidade Fiscal foi posta em risco por novo arcabouço

O Globo

Caso texto seja aprovado como foi enviado, haverá mais tolerância com gastança sem nenhuma sanção eficaz

São procedentes as críticas feitas à capacidade de o novo arcabouço fiscal sugerido pelo governo conter a expansão dos gastos e da dívida pública nos próximos anos. Independentemente delas, o projeto também promove alterações inaceitáveis na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se forem aprovadas pelo Congresso, abalarão a principal blindagem das contas públicas contra a gastança sem limites.

Aprovada no ano 2000, a LRF foi ingrediente fundamental para a conquista da estabilidade monetária depois do combate à hiperinflação. Embora governos estaduais e municipais tenham desafiado suas balizas, ela passou praticamente incólume ao longo de 23 anos, 13 deles sob governos petistas. Consolidada como referência para a política fiscal de qualquer governo, de esquerda ou de direita, deveria ser vista como uma espécie de “cláusula pétrea” de toda política econômica. Infelizmente, o governo Luiz Inácio Lula da Silva quer agora aproveitar a mudança nas regras fiscais para afrouxá-la. Será um perigo para as finanças públicas e para o país.

Entre as mudanças propostas, o projeto do arcabouço fiscal altera o artigo 9° da LRF, que trata da obrigatoriedade de Executivo, Legislativo e Judiciário agirem com medidas restritivas (leia-se contenção de gastos), caso seja verificado no final de um bimestre que as receitas não permitirão atingir as metas de resultado primário (receitas menos despesas, sem considerar gastos financeiros) e nominal (considerando as despesas financeiras).

Em vez da austeridade obrigatória, o projeto do governo afirma apenas que Executivo, Legislativo e Judiciário “poderão promover, por ato próprio e nos montantes necessários (...), limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias”.

Na prática, isso significa que, caso o texto seja aprovado, a gastança continuaria a ser tolerada sem nenhuma sanção eficaz. A incúria fiscal também deixaria de ser um crime de responsabilidade previsto na legislação (cuja punição hoje, em caso extremo, pode ser até o impeachment). Caso as metas fiscais não sejam cumpridas, no lugar de determinar cortes preventivos para manter o equilíbrio das contas, o projeto do governo prevê apenas uma carta protocolar e burocrática do presidente da República ao Congresso, até 31 de maio do exercício seguinte, “com as razões do descumprimento e as medidas de correção”.

Nenhuma dessas mudanças tem cabimento. O governo Lula e o PT aproveitam o projeto do novo arcabouço fiscal para abalar um dos pilares da gestão responsável do dinheiro público. Para além de alterações necessárias à regra de cálculo das metas fiscais, de modo a garantir a redução no endividamento, o Congresso tem o dever de impedir essas mudanças descabidas na LRF.

O recuo de Lula

Folha de S. Paulo

Ante europeus, presidente tenta ser mais equilibrado sobre a Guerra da Ucrânia

Não é segredo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha obsessão narcísica com a construção de sua persona, em particular no cenário internacional.

Líder como poucos outros na história brasileira, ele viu seu prestígio interno, indicado por mais 80% de aprovação no fim de seu segundo mandato, enfraquecer-se.

Vieram a debacle econômica e o impedimento de sua sucessora, a associação quase imediata do petismo a atos de corrupção e, por fim, a prisão. Mesmo a volta por cima com vitórias judiciais, a saída da cadeia e a eleição em 2022 não devolveram a Lula todo o seu lustro.

O petista bateu Jair Bolsonaro (PL) por mero 1,8 ponto percentual, enfrenta rejeição similar a do antecessor e forte oposição potencial.

Para o público externo, contudo, Lula parecia manter-se mais ou menos intocado. Produto de uma história de vida única, ampliada por um marketing eficaz, sua figura seguia encantando plateias, em especial na Europa.

Isso até aqui. Noves fora a ausência de projeto estratégico do governo, atitudes do mandatário causaram estranhamento, inclusive porque ele dispunha de temas favoráveis para explorar, como o clima.

A aproximação com a China, algo explicável pelas expressivas relações comerciais, veio embalada por declarações antiamericanas típicas do esquerdismo regional.

Provocados, os EUA morderam, com críticas, e assopraram, com a promessa de decuplicar o dinheiro para o Fundo Amazônia. Mas o cerne da questão, o lado que Lula escolherá, segue incerto.

Idealmente, não deveria ser necessário optar. Entretanto essa é uma decisão difícil diante das pressões de um mundo no qual as disputas entre o Ocidente e seus oponentes embutem até um confronto real, na Ucrânia.

Exemplo claro disso é o recuo tático do presidente na questão ucraniana. Desde a campanha eleitoral, ele insiste na tese de que tanto os governos de Kiev quanto de Moscou são culpados. Diplomaticamente, a tese é inglória —foi Vladimir Putin quem puxou o gatilho.

Lula também sugeriu que a Ucrânia deveria ceder território, enviou seu mentor internacional Celso Amorim a Moscou e recebeu o chanceler russo, Serguei Lavrov.

Foi criticado de Washington a Kiev. Agora, iniciando em Portugal um giro entre os países ricos, nega ter defendido o que defendeu, buscando voltar ao ponto em que apenas sugeria a criação de um "clube da paz" de países neutros.

Como em 2010, quando tentou mediar um acordo nuclear no Irã, Lula meteu os pés entre a mãos. Tem a oportunidade de se corrigir e até de ganhar um lugar na fotografia em 2023, mas precisa saber que não será o mais destacado.

LGBTQIA+ na mira

Folha de S. Paulo

Mesmo após avanços, mundo vê reações de graus variados a direitos da comunidade

Embora o mundo tenha inegavelmente avançado no reconhecimento dos direitos de pessoas LGBTQIA+, observam-se reações e retrocessos em regiões com níveis de desenvolvimento tão diversos quanto os de EUA e África.

No caso extremo de Uganda, uma lei recém-instituída estipula nada menos que a pena de prisão perpétua para relações homossexuais, e a mera identificação do indivíduo como LGBTQIA+ passa a ser ilegal.

Ficam também proibidas o que a norma chama de promoção do comportamento e cumplicidade com a homossexualidade —o que pode levar à criminalização de ONGs e agências humanitárias.

Segundo o jornal The New York Times, o vizinho Quênia já recebe refugiados que tentam escapar da legislação draconiana.

Mas Uganda não é caso isolado nem recente. De acordo com levantamento da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais, dos 70 países que puniam relações homossexuais em 2019, 33 eram africanos.

Já nos EUA, onde o movimento então chamado LGBT surgiu em 1969, diversas leis e programas sociais garantem direitos à comunidade. Mas parlamentares conservadores estão reagindo contra algumas demandas recentes.

Neste ano, foram apresentados 160 projetos restringindo ou banindo discussões relacionadas à comunidade LGBTQIA+ nas escolas, e seis estados já barraram o tema em currículos escolares.

Ademais, 19 estados proíbem participação de estudantes trans em competições esportivas na categoria de gênero com a qual se identificam e em sete esses alunos não podem usar banheiros que refletem a sua identidade.

Esses dois pontos são controversos até para parte dos movimentos do campo dito progressista. Associações internacionais, como a de atletismo, têm impedido a participação de mulheres trans em competições femininas dadas as incertezas científicas sobre as vantagens da puberdade masculina.

Com democracia pujante, Judiciário robusto e imprensa livre, nos EUA as posições divergentes podem ser debatidas para que a sociedade alcance consenso sobre pautas inovadoras.

Já em países autoritários, como Uganda, o obscurantismo se perpetua. Resta à comunidade internacional garantir refúgio a pessoas LGBTQIA+, dar apoio a ativistas locais e fazer pressão por direitos humanos fundamentais.

Sem Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro

O Estado de S. Paulo

CPMI do 8/1 tem tudo para ser uma grande confusão. Mas que os bolsonaristas não se enganem: falar daqueles eventos é expor a incontornável responsabilidade de Bolsonaro

Prevê-se para amanhã a leitura do pedido de instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos do 8 de Janeiro. É preciso reconhecer: apesar da resistência do governo federal, poucas situações da vida nacional mereceram de forma tão cristalina a instauração de uma comissão de investigação por parte do Congresso como os eventos golpistas em Brasília do início do ano. O Poder Legislativo não podia ignorar tal barbárie cometida contra o Estado Democrático de Direito.

Ao mesmo tempo, poucas vezes na história nacional foi tão nítido o risco de uma CPMI ser convertida, mesmo antes de instaurada, no exato oposto de sua finalidade constitucional. Há indícios abundantes de que, em vez de investigar, apurar e esclarecer, o objetivo da comissão é não apenas confundir e dificultar o conhecimento dos fatos e das respectivas responsabilidades, mas reescrever a história.

Diante dessa manobra gestada por alguns parlamentares, torna-se necessário relembrar o óbvio. O 8 de Janeiro não é um caso sobre o qual faltam provas ou que os fatos sejam pouco conhecidos. Na verdade, há excesso de provas. Ao longo de anos, o País assistiu à trajetória de enfrentamento do bolsonarismo contra as instituições democráticas – de forma muito concreta, contra a Justiça Eleitoral –, alimentando a resistência a todo e qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável e criando as condições políticas e sociais para uma ruptura institucional.

Após o segundo turno das eleições de 2022, mais um passo de desestabilização democrática e de desordem republicana foi dado com acampamentos em todo o País pedindo intervenção militar e a manutenção de Jair Bolsonaro no poder. Não foi mero gesto tresloucado de alguns apoiadores mais exaltados. Basta ver que lideranças importantes do bolsonarismo atuaram para qualificar as manifestações golpistas, muitas delas em áreas militares, de exercício legítimo da liberdade de expressão.

Eis o fato que a CPMI do 8 de Janeiro não pode negar. Os lamentáveis eventos do segundo domingo deste ano não foram fruto de geração espontânea, tampouco se enquadram em meros atos de vandalismo. A cada novo elemento probatório – seja uma gravação das câmeras de segurança do Palácio do Planalto, um vídeo postado nas redes sociais pelos manifestantes, uma minuta de golpe na casa do último ministro da Justiça do governo Bolsonaro ou uma notícia de atuação aparelhada da Polícia Rodoviária Federal (PRF) –, torna-se mais nítida a digital do bolsonarismo.

Sem Jair Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro. É impossível narrar os fatos relacionados à tomada das sedes dos Três Poderes sem incluir o ex-presidente que, em toda sua carreira política, atacou a ordem democrática da Constituição de 1988 e defendeu a ditadura militar. Nesse sentido, o trabalho investigativo do Congresso pode não apenas ajudar a explicitar o inegável protagonismo de Jair Bolsonaro no curso de eventos que culminaram no 8 de Janeiro – ele se valeu até de uma reunião com embaixadores para criar condições para o golpe –, mas também colher novos elementos que sirvam para a devida responsabilização no âmbito da Justiça penal.

Essa é a grande cegueira dos parlamentares bolsonaristas. Acham que vão controlar o desenrolar dos trabalhos da comissão de inquérito tal como controlam as versões delirantes disseminadas por suas redes sociais. A CPMI do 8 de Janeiro, que nasce um tanto desacreditada, pode ser ocasião para o Congresso, em respeito à sua própria história e existência, expor a farsa bolsonarista e ajudar a identificar os envolvidos na intentona golpista. Afinal, sabe-se como uma CPI começa, mas não como ela termina.

Como já se criticou neste espaço, o governo de Lula da Silva tratou equivocadamente várias vezes o 8 de Janeiro, utilizando-o como pretexto seja para não enfrentar os problemas nacionais, seja para aprofundar divisões na sociedade. O bolsonarismo, no entanto, vai além. Insiste em usar o próprio crime em benefício político. Que os fatos venham a público e escancarem a semvergonhice.

A crescente degradação do Orçamento público

O Estado de S. Paulo

Se as eleições são a raiz do processo democrático, o Orçamento público é sua culminação. Através dele, em tese, os representantes eleitos retribuem os votos dos cidadãos alocando seus recursos com isonomia e eficiência para a melhor oferta dos serviços públicos. Mas, na prática, o Orçamento no Brasil caminha para o pior dos mundos: gastos engessados e investimentos arbitrários.

Por um lado, a negligência dos representantes em promover reformas tem comprometido cada vez mais as despesas com o custeio de servidores e benefícios previdenciários e sociais. Em 2008, os gastos obrigatórios da União representavam 85% dos dispêndios. Hoje são 93%. Por outro lado, com o aumento exponencial das emendas parlamentares, a parcela diminuta dos gastos discricionários, fundamentalmente com investimentos, é alocada de maneira cada vez mais pulverizada, arbitrária e opaca.

A fim de promover a colaboração entre os Poderes eleitos no emprego dos recursos públicos, a Constituição previu a possibilidade de emendas parlamentares na proposta orçamentária enviada pelo Executivo para que os congressistas orientassem recursos discricionários às necessidades das populações locais. Mas as disfunções estruturais do chamado “presidencialismo de coalizão”, contingencialmente agravadas por debilidades políticas dos governos de turno, têm desvirtuado esse princípio.

Enquanto a dotação e as modalidades de emendas se multiplicavam em níveis inauditos em comparação com outras democracias, os critérios de alocação e mecanismos de fiscalização eram desmontados. O exemplo mais aberrante foram as emendas RP9, que conferiram ao relator do Orçamento imensos poderes para distribuir recursos a aliados do governo sem qualquer transparência. Esse orçamento “secreto” foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, mas o governo e seus aliados têm ensaiado formas de reciclá-lo.

Outro exemplo são as “transferências especiais” (alcunhadas emendas “Pix” ou “cheque em branco”), pelas quais os parlamentares repassam a governadores e prefeitos recursos que eles podem gastar praticamente como bem entenderem.

Ao contrário das modalidades originais de emendas, como as individuais ou de bancada, as de relator e as “Pix” são distribuídas sem transparência, critérios técnicos ou equidade. As políticas públicas são degradadas, porque os recursos são alocados sem planejamento. A pressão fiscal cresce, porque eles são drenados das políticas setoriais administradas pelos ministérios. O risco de corrupção aumenta, porque eles são alocados e geridos sem transparência. E a competição democrática é distorcida, porque são canalizados aos redutos eleitorais dos parlamentares.

Um levantamento do Instituto Nacional de Orçamento Público reportado pelo Estadão ilustra esses efeitos. Uma das poucas restrições que ainda imperam sobre as emendas “Pix” é a determinação constitucional de que pelo menos 70% devem ser destinados a investimentos e no máximo 30%, ao custeio. Mas no ano passado, período de campanha eleitoral, pelo menos R$ 286,7 milhões em “transferências especiais” de 162 parlamentares descumpriram essa disposição. A manobra consistiu em concentrar o custeio em alguns municípios, deixando investimentos para outros. Em muitas prefeituras, não raro governadas por familiares dos parlamentares, os recursos foram usados para abastecer veículos ou realizar festas e eventos, em detrimento de investimentos, como em obras ou equipamentos.

Uma portaria do governo determinou que a partir de 2023 a proporção de 70% passe a ser respeitada em cada indicação, e não só nas emendas totais. É um passo ainda tímido. Para que as emendas em geral sejam moralizadas e racionalizadas, satisfazendo os propósitos do constituinte e, assim, os princípios da impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência, será preciso mais. Um bom começo seria condicionar a sua distribuição à aprovação pelas comissões temáticas da Câmara e Senado. Isso em tese garantiria a sua inserção em uma estratégia integrada dos investimentos da União conforme um filtro técnico. É o mínimo que se espera na gestão do Orçamento.

De boas intenções

O Estado de S. Paulo

Haddad reitera disposição de atacar gastos tributários, mas, como sempre, o diabo está nos detalhes

É muito didática a entrevista do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao Estadão. Ali está um governo que está prenhe de boas intenções. Mas o problema é que, como sabemos todos desde tempos imemoriais, de boas intenções o inferno está cheio.

Saliente-se, de saída, que Fernando Haddad é o que de melhor este terceiro mandato de Lula produziu. Mereceria uma medalha por bravura só por resistir ao acintoso assédio petista contra seu regime fiscal. Não é fácil aguentar a companheirada sabotando a mera sugestão de responsabilidade na administração do suado dinheiro do contribuinte.

Mas o ministro parece que começa a ceder. Se o novo regime fiscal depende de um forte aumento de arrecadação, como de fato depende, então Haddad precisa ser mais firme na sua bem-vinda cruzada contra os gastos tributários, que é como são chamadas as muitas exceções que privilegiam alguns setores da economia e subtraem arrecadação. Na entrevista, contudo, Haddad limitou-se a dizer genericamente que vai mexer em benefícios a empresas, que terão seus CNPJs expostos – como se criminosas fossem, malgrado estejam dentro da lei. Depois de anunciar essa caça às bruxas, Haddad elencou uma série de programas, setores e subsídios que não serão atingidos. Fazendo as contas, não sobra muita coisa para cortar.

Não parece ser uma boa estratégia, mas não se pode acusar o governo de Lula da Silva de incoerência: afinal, recorde-se que os gastos tributários atingiram quase 7% do PIB no final do mandarinato lulopetista encerrado em 2016. Se hoje esses gastos estão em pouco menos de 5%, foi por discreta iniciativa do governo de Michel Temer, que assumiu a Presidência depois do desastroso governo de Dilma Rousseff.

Haddad ainda merece o benefício da dúvida, pois o governo mal começou, mas deve saber que não tem muito lastro de credibilidade, mormente porque é petista e, ademais, porque é leal a um presidente que parece convencido de que dinheiro dá em árvore. Por isso, Haddad não pode se dar ao luxo de subestimar a inteligência alheia – como fez, por exemplo, ao comparar a meta de superávit fiscal com a meta de inflação.

Como se sabe, o projeto do novo regime fiscal dispensa o governo de cumprir a meta de superávit, bastando-lhe enviar mensagem ao Congresso para explicar por que não conseguiu e prometer melhor resultado da próxima vez. Isso torna a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) letra morta. “Não se criminaliza o presidente do Banco Central porque ele não cumpriu a meta de inflação”, comparou Haddad. Ora, a comparação é, na hipótese benevolente, esdrúxula: o Banco Central não controla a inflação, apenas os instrumentos para combatê-la; já o governo controla (ou deveria controlar) seus gastos, contingenciando-os sempre que a meta de superávit estiver sob ameaça. Se não o faz, como prevê a LRF, comete crime de responsabilidade, pois a meta de superávit está estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias e é aprovada pelo Congresso.

Para quem precisa desesperadamente cultivar credibilidade para que se acredite nas suas boas intenções, não é prudente achar que todo mundo é bobo.

Pacote de crédito é paliativo para o aperto monetário

Valor Econômico

O pacote é uma resposta que deixa a desejar. Muitas medidas parecem dispersas e não relacionadas

O pacote de crédito que o governo pretende executar é um paliativo diante de uma situação incontornável: a política monetária restritiva encarece e reduz a oferta de empréstimos para toda a economia. As 13 medidas com foco no crédito, mais três relacionadas às Parcerias Público-Privadas (PPPs), são um amarrado de projetos, muitos dos quais dependem da boa vontade do Congresso, sem efeito imediato.

Os dados do crédito neste ano acenderam sinal de alerta. O volume de crédito dos bancos caiu 0,3% no primeiro bimestre, para R$ 5,3 trilhões, não repondo a inflação do período. Apenas em fevereiro, as novas concessões despencaram 9,5%. A inadimplência está em alta.

A situação piorou a partir da segunda quinzena de janeiro depois da eclosão da crise da Americanas. Na sequência, outras grandes empresas mostraram dificuldades como a Oi e a Light. Dados da Serasa Experien revelaram que, no primeiro trimestre houve um aumento de 37,6% nos pedidos de recuperação judicial frente ao mesmo período de 2022, enquanto as solicitações de falências subiram 44,1%. O crédito para as famílias também está mais caro e escasso.

O Banco Central reduziu a previsão de crescimento do crédito neste ano de 8,3% para 7,6%, no último Relatório Trimestral de Inflação divulgado. A estimativa é até mais pessimista do que a do mercado. A Febraban espera avanço de 8,3% no ano, bem abaixo dos 12,8% de 2022.

Ainda assim, a avaliação é apoiada na expectativa de que o governo Lula deve estimular o crédito direcionado, baseado em fontes subsidiadas de recursos, que representavam 41,5% do estoque de crédito ao fim do ano passado, bem acima dos 4% da média dos países, como disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao falar em evento em Londres, na semana passada.

O pacote de crédito do governo Lula não trata desse tipo de problema. Entre as propostas estão três projetos que já tramitam no Congresso, que o Ministério da Fazenda gostaria de agilizar. Uma delas é o novo marco de garantias, enviado ainda no governo Bolsonaro. O projeto flexibiliza o uso de imóveis e bens móveis, mesmo ainda não quitados, como garantia para empréstimos, cujo custo poderia baratear. Um dos problemas é que a garantia poderia servir para vários empréstimos, o que levanta problemas legais para a definição de prioridades em caso de necessidade de execução.

Uma sugestão antiga do mercado foi incluída e envolve usar recursos de planos de previdência complementar e seguros pessoais como garantia na tomada de crédito, a juros mais baratos. A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) estima demanda para 5% a 10% das reservas previdênciárias, que somam R$ 1,2 trilhão, e poderiam lastrear R$ 60 bilhões a R$ 120 bilhões em crédito.

O mercado de capitais é especialmente beneficiado com a proposta de se simplificar a emissão de debêntures e permitir em decreto a emissão de debêntures com isenção de Imposto de Renda (IR) para investimento em projetos nos setores de educação, saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos, unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana. Projeto de lei será enviado ao Congresso para proteger investidores minoritários de empresas que sofreram fraudes e poderão propor ação civil coletiva de responsabilidade dos controladores e administradores para pedir ressarcimento por eventuais prejuízos.

Um dos pontos polêmicos no pacote é a elevação do “mínimo existencial” da Lei do Superendividamento dos R$ 303 em vigor para R$ 600, que é o valor que precisa ser preservado para a subsistência do tomador de crédito. Para os bancos, a medida pode surtir efeito contrário ao desejado, já que reduz a disponibilidade de recursos para pagar prestações de empréstimos. Com isso, a oferta pode diminuir.

Diante da situação atual do crédito no país, o pacote é uma resposta que deixa a desejar. Muitas medidas parecem dispersas e não relacionadas, como a que aponta o Banco Central como responsável pelo real digital. Muitas não são novas e não foram adiante no passado. As que valem a pena surtirão resultado mais a longo prazo se forem adiante no Congresso ou saírem a contento das pranchetas dos técnicos. Resta à Fazenda se empenhar para que o pacote não pareça apenas uma jogada de marketing e que resulte em benefício palpável para os tomadores de crédito.

 

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