terça-feira, 4 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Com juro alto e calote, oferta de crédito continua caindo

Valor Econômico

O endividamento das famílias está ao redor de 49%, e o comprometimento da renda é de 27%

Dados mais recentes do Banco Central (BC) dão razão às reclamações das empresas e das famílias de que o crédito não só está mais caro como também mais escasso. As taxas estão no maior patamar desde 2017. O mercado se deteriorou ao longo do ano passado em consequência da alta dos juros, e a situação se agravou no início deste ano com os problemas de grandes empresas. A perspectiva de que os juros vão continuar elevados durante boa parte do ano não é promissora. O próprio Banco Central, apesar de não ver aperto de liquidez no horizonte, voltou a reduzir a previsão de crescimento do crédito neste ano de 8,3% para 7,6%, no Relatório Trimestral de Inflação.

O sinal de alerta aparece no relatório de crédito de fevereiro do Banco Central, o mais recente divulgado. O volume de crédito dos bancos caiu 0,1% na comparação com janeiro, para R$ 5,3 trilhões. As novas concessões despencaram 9,5% e somaram R$ 421,9 bilhões. Considerando o ajuste sazonal que leva em conta o fato de fevereiro ter menos dias, a queda ficou em 2,2%.

Os bancos estão pondo o pé no freio principalmente dos empréstimos para as pessoas jurídicas, preocupados com as dificuldades de empresas como a Americanas, a Oi e, mais recentemente, o grupo Petrópolis. Os pedidos de recuperação judicial já somam cerca de 200 nos dois primeiros meses deste ano. O estoque de crédito para as empresas diminuiu 0,7% em fevereiro e as concessões tiveram retração de 4,4%.

Algumas linhas foram afetadas devido às dificuldades do varejo. O volume de crédito com recursos livres para empresas, que teve queda média de 1,2% em fevereiro na comparação com janeiro, despencou 7,7% nos descontos de duplicatas e 5,9% na antecipação de faturas de cartão de crédito. O corte do crédito por setor confirma a seletividade dos bancos. Os empréstimos para o varejo de bens duráveis caíram 5,4% em fevereiro, acumulando recuo de 5,7% no ano; e para o varejo de bens não duráveis diminuiu 0,5% e 4,7%, respectivamente. Os números explicam as reclamações de Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, contra os juros elevados.

As pessoas físicas não têm sido afetadas com a mesma intensidade. O saldo do crédito para as famílias aumentou em 0,4% em fevereiro e as novas concessões em 0,8%, mas mostram desaceleração. Nas linhas de crédito rotativo o aumento foi de 4,6%, do crédito pessoal consignado para aposentados, de 1,1%, já as operações de cartão de crédito à vista declinaram 3,6% no mês. O endividamento das famílias está ao redor de 49%, e o comprometimento da renda é de 27%.

O próximo levantamento do BC deve mostrar redução no volume de crédito para as pessoas físicas, resultado da suspensão do consignado para aposentados em março, só retomado após acordo entre bancos e governo em relação à redução da taxa de juros cobrada. A concessão mensal de consignado para aposentados gira ao redor de R$ 3 bilhões.

O presidente Lula arbitrou a taxa de 1,97% ao mês para o consignado de aposentados, 26,4% ao ano. A taxa não é muito distante da média de 26,7% do consignado, que é mais barata para os funcionários públicos. São, de toda forma, juros mais em conta do que a média de 58,3% do crédito livre cobrada das pessoas físicas.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, apenas acena com possível liberação de compulsório caso haja aperto de liquidez, o que considera improvável. Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad promete para os próximos dias um pacote de 12 medidas para facilitar o crédito.

Entre elas antecipou, sem detalhar, uma espécie de “plano safra” para financiar a indústria - não se sabe se quis insinuar juros subsidiados para o setor -, e a intenção de baixar o rotativo do cartão de crédito. Não poupou críticas às taxas do rotativo, que considera “exorbitantes”, “estratosféricas”, um “abuso”. O juro do rotativo do cartão atingiu 417,4 pontos em fevereiro, com aumento de 6 pontos percentuais no mês e de 62,2 pontos em um ano. Embalado pela experiência com a redução do juro do cheque especial, que disputava o podium com o rotativo, Haddad acredita que há espaço para redução.

O BC argumenta que a restrição ao crédito é decorrência do aperto monetário para derrotar a inflação, e que o caso Americanas não teve efeito contágio relevante até agora. Por enquanto, a restrição ao crédito se assemelha à ocorrida em 2017, na saída de uma longa recessão. A situação exige monitoramento atento e pragmatismo.

Marco fiscal precisa de ajuste para dar certo

O Globo

Diversos pontos despertam dúvida — e única forma de contas fecharem será aumento na carga tributária

A proposta de novo arcabouço fiscal do governo pretende dar previsibilidade à trajetória da dívida pública e limitar o aumento de gastos. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou a intenção de zerar o déficit primário em 2024 e de alcançar superávits em torno de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. As metas ambiciosas são o primeiro compromisso público da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a responsabilidade fiscal. Pelo que foi apresentado até agora, contudo, será preciso melhorar muito a proposta para que elas tenham chance de ser cumpridas.

Haddad nega intenção de aumentar a carga tributária, mas, pela regra exposta, o objetivo de reduzir a dívida bruta do governo será inatingível sem isso. Será preciso aumentar a receita em torno de 1 ponto percentual do PIB já neste ano. Como será recomposta a arrecadação para cumprir a meta agressiva? O governo fala em combater o patrimonialismo, a apropriação do Estado por segmentos injustamente beneficiados.

Na lista estão fundos de investimentos, empresas de apostas on-line e companhias com isenções tributárias dos mais variados tipos. A estimativa é um reforço no caixa entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões. Faltam detalhes sobre a viabilidade de aprovação das medidas necessárias no Congresso ou sobre o risco de judicialização. Sem esse aumento na carga tributária, a conta não tem chance de fechar. Outro perigo é que se criem despesas permanentes lastreadas em receitas temporárias.

No lado dos gastos, diversos outros pontos despertam dúvida. O primeiro é a vinculação constitucional das despesas de saúde e educação à receita. Como, pela regra, a despesa total tenderia a crescer menos que a arrecadação, a tendência é essas duas rubricas ocuparem mais espaço no Orçamento. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirma que uma proposta de correção será discutida mais para a frente. Mas, se o objetivo é um marco fiscal com credibilidade, ela precisa ser debatida imediatamente.

Outra dúvida: o governo prevê um piso para os investimentos públicos, incluindo o Minha Casa Minha Vida, da ordem de R$ 75 bilhões, corrigidos pela inflação do ano anterior e impulsionados sempre que a arrecadação crescer. Novamente, será criada mais uma rubrica que tende a consumir espaço das demais no Orçamento.

É certo que, na comparação internacional, o investimento público no Brasil é baixo como proporção do PIB, em razão das despesas orçamentárias engessadas. Mas não será criando uma nova rubrica engessada que se resolverá o problema. A intenção de todo ano aumentar gastos pelo menos 0,6% além da inflação se choca com a realidade em que só as despesas (obrigatórias) com Previdência (45% do Orçamento) têm aumentado mais de 1,5%.

Haddad afirmou que os gastos relativos ao Fundeb e à criação do novo piso salarial da enfermagem, gravados na Constituição, não entrarão no cálculo das despesas sujeitas às regras fiscais. Por que a exceção? Não há justificativa plausível.

Lula e sua equipe demonstraram ter feito o diagnóstico correto ao prometer dois anos de superávit antes do final do governo, mas só cumprirão a promessa se o novo arcabouço fiscal sofrer ajustes. Sem eles, sua credibilidade fica em xeque. Deveriam ser prioridade antes do envio ao Congresso.

Indefinição da Petrobras sobre preços aumenta o risco de desabastecimento

O Globo

Novo presidente da estatal tem fugido do assunto, dando a entender que quem manda é o Planalto

Na campanha eleitoral e depois de empossado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o compromisso de “abrasileirar os preços dos combustíveis”. Não explicou bem o que isso significa. Aparentemente, além do previsível jogo de cena para a plateia, ele pretende que o novo presidente da Petrobras — o ex-senador Jean Paul Prates — deixe de seguir a cotação internacional do petróleo na formação dos preços da gasolina e do diesel, como dita o princípio do Preço de Paridade de Importação (PPI), seguido pela estatal desde 2016.

Prates chama o PPI de “dogma” e costuma tentar se desvencilhar de perguntas diretas sobre o assunto com respostas enigmáticas. “Estamos flutuando de acordo com a referência internacional e com o mercado brasileiro”, afirmou certa vez sobre a política de preços sem dar mais explicações. Noutra oportunidade foi mais claro ao afirmar que o preço internacional é o melhor para a empresa, mas que “isso não quer dizer que se tenha de andar em cima da linha do preço do importador” — o Brasil importa quase 30% do diesel e 15% da gasolina que consome. “Para cliente que paga bem, você dá desconto. É uma política de empresa”, repete Prates como se justificasse a redução de preços na bomba.

Entre outros motivos, o PPI vem sendo deixado de lado porque foi criado para garantir a quem comprasse refinarias da Petrobras que o preço interno dos derivados de petróleo estaria em linha com os praticados no exterior. Era uma forma de dar segurança aos investidores. A estatal precisava vender ativos para abater dívidas de US$ 100 bilhões. Das grandes refinarias, apenas uma foi vendida: a Landulpho Alves, na Bahia, ao Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi. No poder, Lula congelou as privatizações, necessárias para dinamizar o mercado e aumentar a competição que reduziria o preço nas bombas.

Prates dá sinais de que quer definir os preços na avaliação dos mercados no dia a dia. Como? É algo viável numa empresa do porte da Petrobras? Não se sabe. O certo é o risco de desabastecimento, já que boa parte dos combustíveis é comprada no exterior por distribuidoras privadas. Se o preço nas bombas não lhes garantir a margem de lucro esperada, elas pararão de importar, e caberá à Petrobras trazer o derivado de fora. O risco de desabastecimento é ruim para a Petrobras, para o país e para a imagem de Lula.

Ninguém sabe o que a Petrobras porá no lugar do PPI, nem como formará os preços nas refinarias. O assunto deveria preocupar contribuintes, consumidores de combustíveis, acionistas brasileiros e estrangeiros. Sem uma política de preços explícita, sempre haverá a suspeita de que quem manda na gestão é o Planalto.

Argentina sem freios

Folha de S. Paulo

Ruína no país vizinho mostra ao Brasil a importância de seguir regras fiscais

Nas primeiras décadas do século passado, a Argentina figurava entre os países mais ricos e promissores do mundo, exibindo uma renda per capita superior às de França, Alemanha e Itália. Para emigrantes europeus da época, era decisão difícil optar entre a nação da América do Sul e os Estados Unidos.

Até os anos 1940, os argentinos ainda mantinham o país relativamente rico e formado por famílias de classe média. Com solo fértil, as exportações de grãos e carnes puxavam a economia, que passava por processo de industrialização.

A segunda metade do século 20, entretanto, marca o início de uma longa decadência, pontilhada por crises agudas que mantiveram a renda per capita do país estagnada nos últimos 40 anos.

Esse declínio culmina agora na formação de nova tormenta, em ano de eleição presidencial. A alta dos preços, superior a 100% em 12 meses, ameaça descambar para um cenário de hiperinflação e agravamento das condições sociais.

Dados oficiais colocam 43,1% dos argentinos (19,8 milhões) abaixo da linha de pobreza. No mercado de trabalho, 70% das novas vagas são informais, e mais de 40% das formais pagam salários insuficientes para a compra de uma cesta básica completa.

Na base da crise argentina está o fato de, em mais de um século, o país ter encerrado apenas dez anos com as contas públicas no azul. E, com a recorrência de governos populistas, ter fechado sua economia e multiplicado benefícios à população e às empresas sem a devida responsabilidade fiscal.

Atualmente, subsídios estatais em energia e transportes consomem quase o dobro das despesas em saúde; o funcionalismo estatal inchou de 2,7 milhões para 3,4 milhões em dez anos; e 55% das aposentadorias foram concedidas sem a contribuição dos beneficiados.

Para financiar gastos, a Argentina passou simplesmente a emitir pesos em quantidades bilionárias, ao mesmo tempo em que sufoca o setor produtivo com mais impostos, sobretudo o agronegócio gerador de dólares, moeda em absoluta escassez no país.

Sem solução no horizonte, o drama argentino explicita como a falta de regras para o funcionamento da economia pode desorganizar um país que já foi rico e próspero —e tornar extremamente difícil a volta à normalidade.

Para o Brasil, o vizinho serve de exemplo prático sobre como metas para a inflação, um Banco Central autônomo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, reformas como a da Previdência e, agora, a busca por um novo arcabouço fiscal foram e são fundamentais para evitar que governos de turno arruínem progressivamente, e sem freios, as condições de vida de uma sociedade.

Jabuti antiambiental

Folha de S. Paulo

Com MP, Câmara abre brecha para devastar mata atlântica e adia Código Florestal

A Câmara dos Deputados atentou contra o meio ambiente ao aprovar emendas a uma medida provisória —baixada na última hora pelo governo Jair Bolsonaro (PL)— que desfiguram a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, e adiam de novo a implantação do Código Florestal, modificado há uma década.

A MP 1.150, de dezembro passado, fixava em seis meses o prazo para proprietários rurais adequarem seu cadastro ambiental rural (CAR), aderindo ao programa de regularização. Mas deputados ruralistas emendaram o texto para postergar pela sexta vez o prazo, do fim de 2022 para 2023 ou 2024, dependendo da área do imóvel.

Trata-se de receita certa para agraciar refratários a assumir compromisso com a recuperação de superfícies ilegalmente desmatadas.

Os parlamentares não se limitaram a alimentar a noção folclórica de que certas leis são feitas para não valer. Contrabandearam para o texto um jabuti sem relação com o Código Florestal, ao modificar a única legislação especial para proteger a mata atlântica, o bioma mais devastado do país.

À parte a possível inconstitucionalidade, a emenda ainda desvirtua a Lei da Mata Atlântica. Altera seu artigo 14, que estabelecia condições excepcionais nas quais poderia ser suprimida vegetação primária, ou com regeneração avançada, em caso de utilidade pública.

Quando se tratar de empreendimentos como linhas de transmissão elétrica, rede de abastecimento de água ou até mesmo, como se cogita, projetos imobiliários, diz o texto da Câmara que a supressão pode ocorrer sem licença de órgãos ambientais estaduais. Bastaria autorização de prefeituras, notoriamente mais vulneráveis a pressões e interesses eleitoreiros.

Organizações ambientalistas, SOS Mata Atlântica à frente, se levantaram com razão para criticar a medida. Seria a pá de cal tanto no Código Florestal quanto na lei do bioma, em afronta ao compromisso internacional firmado pelo Brasil com a mitigação do aquecimento global e ao do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o desmatamento zero.

Apesar disso, a bancada petista participou do acordo que levou à aprovação da MP, ainda que apostando em futuros vetos presidenciais. Manobra mais que arriscada, numa administração que começa aos tropeços, apoiada em frágil base parlamentar. Mais prudente seria o Senado, para onde segue a matéria, abortá-la de pronto.

Lula e a leitura mendaz da história

O Estado de S. Paulo.

Uma coisa é reconhecer os abusos da Lava Jato; outra, muito diferente, é querer fazer o País acreditar que toda a operação não passou de uma ‘farsa’, como Lula anda dizendo por aí

Quando decidiu dar ao sr. Lula da Silva a oportunidade de exercer um terceiro mandato presidencial, malgrado o fato de que sua ficha moral é muito suja, a maioria dos eleitores não lhe delegou superpoderes para fazer a Terra girar ao contrário, apagar fatos e reescrever a história. No entanto, talvez inebriados por um sucesso que está longe de ter sido absoluto, Lula e outros próceres do PT se apropriaram do triunfo eleitoral de 2022 como uma espécie de autorização para reinterpretar, chamemos assim, os muitos malfeitos investigados pela Operação Lava Jato, como se eles simplesmente não tivessem existido.

É indiscutível o fato de que a Operação Lava Jato, como hoje se sabe, esteve eivada de erros e desvios das leis e da Constituição cometidos por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal. Como revelou uma reportagem do Estadão no domingo passado, até mesmo procuradores federais que participaram ou apoiaram a operação, hoje, fazem uma autocrítica pelos excessos cometidos pela força-tarefa. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, debruçou-se sobre casos concretos e anulou, uma a uma, todas as condenações prolatadas contra Lula, tanto que foi revertida a inelegibilidade do petista.

Uma coisa, porém, é reconhecer a incompetência e a parcialidade do exjuiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), além do possível conluio entre um grupo de procuradores federais e o então titular da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Outra coisa, muito distante, é querer fazer o País acreditar que toda a Operação Lava Jato não passou de uma “farsa”, uma “armação” urdida entre autoridades do Brasil e dos Estados Unidos para usurpar as riquezas nacionais, como Lula anda dizendo por aí.

Se “farsa” foi, haja farsantes. O que dizer de tantas confissões? O que dizer da recuperação de ativos bilionários depositados em contas no exterior? O que dizer do resultado de investigações conduzidas por promotores estrangeiros em nada contaminados pela política nacional?

O presidente não precisava ser tão desrespeitoso com a inteligência e a memória de tantos brasileiros que não se ajoelham sob o altar do petismo. À falta de decência, bastaria a Lula um olhar racional para o placar da eleição para que fosse acometido por um súbito surto de humildade.

O petista venceu Jair Bolsonaro por uma margem de apenas 1,8% dos votos válidos, o que indica que o antibolsonarismo é só ligeiramente maior que o antipetismo no País. Lula não teria sido eleito se dependesse só dos votos de seus apoiadores mais devotados, aqueles que tomam sua palavra quase como um dogma religioso. Ele precisou convencer os milhões de eleitores que sabem muito bem o que o PT fez nos 14 anos em que governou o País – com especial ênfase nos escândalos do mensalão e do petrolão – de que era o único capaz de impedir que Bolsonaro fosse reeleito e pudesse concluir a destruição da democracia no Brasil.

Qualquer político, diante disso, teria a decência de reconhecer que a maior parte do eleitorado fez sua escolha por exclusão, e não por convicção. Mas não Lula, claro. O chefão petista considera que os votos que recebeu o autorizam a retocar as fotos em que ele e seu partido aparecem como protagonistas de escândalos e como instigadores da divisão do País. Ao tentar desmoralizar inteiramente a Lava Jato, como se a operação fosse inimiga do Brasil (em conluio com os ianques, claro) e tivesse como objetivo destruir o PT e seu líder, Lula desrespeita as diversas instituições de Estado que verificaram, julgaram e condenaram os numerosos malfeitos do lulopetismo. Por extensão, Lula desrespeita a própria democracia que ele jurou salvar das garras do bolsonarismo.

O PT, como organização privada que é, tem o direito de defender as interpretações que faz da realidade como bem entender, por mais equivocadas ou enviesadas que sejam. O problema é que o que o PT “pensa”, na verdade, é o que Lula pensa. E Lula já não é mais um líder partidário nem tampouco candidato; é o chefe de Estado e de governo. E como tal deve se portar.

O dever de melhorar a Lei do Impeachment

O Estado de S. Paulo.

É preciso revisar a Lei 1.079/1950, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade e o rito do impeachment. Mas a atual proposta do Senado, excessivamente ampla, demanda ajustes

Em 2021, realizando o trabalho fundamental de revisão da legislação de proteção da democracia, o Congresso revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/1983), substituindo-a pela Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021). Foi um passo importante. Mesmo sem ter inconstitucionalidades explícitas, a LSN apresentava uma estrutura voltada à proteção ideológica do Estado, o que, além de não amparar adequadamente o regime democrático, dava margem a interpretações equivocadas e abusivas.

Ficou faltando, no entanto, a revisão da Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950), que, em sete décadas de vigência, teve sua redação alterada apenas em relação aos crimes contra o Orçamento

público em 2000, na época da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Diante dessa carência, no início de 2022, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, criou uma comissão de juristas para estudar a legislação sobre o impeachment, com o objetivo de propor ao Congresso uma possível atualização.

Agora, com base no anteprojeto elaborado pela comissão, Rodrigo Pacheco apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.388/2023, que traz uma proposta de revisão da Lei 1.079/1950. Segundo o presidente do Senado, a atual Lei do Impeachment, pensada para outro contexto social, político e constitucional, é “lacunosa, incompleta e inadequada”, com disposições que se mostraram “anacrônicas e desatualizadas”.

O PL 1.388/2023 tem duas grandes novidades. Em primeiro lugar, ele aumenta o rol de autoridades sujeitas a processos de impeachment, especificando os respectivos crimes de responsabilidade. A Lei 1.079/1950 refere-se apenas ao presidente da República, aos ministros de Estado, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ao procurador-geral da República. Na proposta de Pacheco, também podem ser denunciados por crime de responsabilidade os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP); o advogadogeral da União; os ministros de tribunais superiores; os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e dos Tribunais de Conta dos Estados; os juízes, desembargadores e os membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Por exemplo, segundo o PL 1.388/2023, constitui crime de responsabilidade do magistrado “exercer atividade político-partidária ou manifestar opiniões dessa natureza”, bem como “revelar fato ou documento sigiloso de que tenha ciência em razão do cargo”. No caso dos comandantes militares, são crimes de responsabilidade, entre outros, “expressar-se por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos político-partidários” e “realizar ou permitir atividades de inteligência com desvio de finalidade”. Para cada uma dessas autoridades, há um respectivo tribunal competente para julgar as denúncias de crimes de responsabilidade.

A segunda grande novidade da proposta de Rodrigo Pacheco é a fixação de prazo de 30 dias úteis de análise para cada pedido apresentado no Congresso. Decorrido o prazo, “será considerado indeferimento tácito, com o consequente arquivamento da denúncia”, ensejando recurso para a Mesa Diretora interposto por, no mínimo, um terço da composição da respectiva Casa legislativa. Com isso, diminui-se o poder do presidente da Câmara, que, na sistemática atual, pode inviabilizar toda e qualquer denúncia simplesmente não avaliando sua admissibilidade.

É necessário revisar a Lei do Impeachment, mas ainda mais necessário é assegurar que a revisão seja bem feita. Mesmo imperfeita, a Lei 1.079/1950 tem funcionado. Uma nova lei muito complexa, com pretensão de regular todos os casos de abuso do poder estatal, pode ser contraproducente, seja por impedir as devidas responsabilizações, seja por permitir pressões políticas sobre autoridades cujo exercício do cargo deve justamente estar protegido de pressões políticas. Revisar é preciso, mas com muito cuidado. O dever do Congresso é melhorar a lei, não piorá-la.

Clientelismo escancarado

O Estado de S. Paulo.

‘Emendas Pix’ degradam políticas públicas, distorcem a democracia e facilitam corrupção

Enquanto o Planalto tenta driblar a Suprema Corte reciclando o “orçamento secreto” – a distribuição de recursos públicos a parlamentares aliados sem critérios técnicos nem transparência –, o próprio Congresso tenta driblar o Planalto inflando as chamadas “emendas Pix” – a distribuição de recursos pelos parlamentares a seus feudos eleitorais sem critérios técnicos nem transparência.

Com as emendas Pix – ou “cheque em branco” – os prefeitos recebem repasses federais sem qualquer compromisso e dispõem deles como bem entenderem. Desde que essas emendas foram criadas, em 2019, o seu volume saltou de menos de R$ 600 milhões para R$ 6,7 bilhões em 2023, podendo chegar a R$ 10 bilhões.

Os apologistas alegam que ampliar a discricionariedade orçamentária do Legislativo fortalece sua colaboração com o Executivo; que a prática é comum no mundo; e que ela serve diretamente às populações dos Estados e municípios. Mas essas meias-verdades são incapazes de disfarçar as mentiras inteiras e seus reais propósitos.

Em princípio, nada há de errado em aumentar a participação do Congresso – que, afinal, é a “Casa do Povo” – na definição do Orçamento, tanto que a Constituição previu as emendas. O problema é quando esse ganho de poder não é acompanhado das devidas responsabilidades.

Já no governo Dilma Rousseff e, depois, no de Jair Bolsonaro, as emendas cresceram exponencialmente para garantir a sobrevivência dos incumbentes no cargo. Dos 7% de gastos discricionários da União, quase 25% estão nas mãos dos congressistas. Isso não tem paralelo no mundo. Na maioria dos países da OCDE, as alterações do Legislativo no Orçamento não chegam a 0,01%. Nos EUA, que têm uma das maiores taxas de intervenção, não chega a 2,4%.

Mais aberrante que a quantidade da ingerência legislativa é sua qualidade. Ao contrário das emendas individuais ou de bancada, as de relator (o orçamento secreto) e as Pix são distribuídas sem transparência, critérios técnicos, equidade ou fiscalização.

Em flagrante atentado aos princípios da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, o resultado não poderia ser outro. Os recursos são pulverizados sem planejamento, degradando a qualidade das políticas públicas. Como são drenados dos orçamentos ministeriais, aumenta-se a pressão fiscal para recompô-los. Como são canalizados aos currais eleitorais dos congressistas, distorce-se a competição democrática. Como são gerenciados sem transparência, amplia-se a margem para corrupção.

Os parlamentares alegam que as transferências diretas são uma demanda popular entre os prefeitos. Se são, não deveriam. A maioria dos municípios e suas populações perdem. Só quem ganha é a minoria de prefeitos apadrinhados por congressistas movidos por cálculos eleitorais. Na prática, essas emendas não só subvertem seu valor de face (“Mais Brasil, menos Brasília”), mas empoderam o que há de mais venal no Poder Público brasileiro: mais Brasília patrimonialista, clientelista e corporativista, menos Brasil republicano.

 

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