sexta-feira, 14 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Pressa de Lula é incompatível com missão dos BCs

O Globo

Queda da inflação em março prova que nenhum ministro tem feito mais pelo governo do que Campos Neto

Quando o Banco Central (BC) manteve a Selic em 13,75% no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu entorno não esconderam a indignação. Os exegetas de comunicados da autoridade monetária insistiram — e continuam insistindo — em ver motivação política na decisão, apesar de a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC apontar avanços na apresentação das novas regras fiscais pelo Executivo. A inflação de março demonstrou, para quem ainda tinha dúvida, que o BC tem cumprido sua missão.

Os preços subiram menos que o esperado (0,71%), e a inflação acumulada em 12 meses caiu para 4,65%, segundo o IPCA. Pela primeira vez desde fevereiro de 2021, o resultado está dentro dos limites da meta inflacionária, entre 1,75% e 4,75%. Mesmo que as previsões sugiram um repique nos preços até o final do ano, é inequívoco o êxito da política de juros altos para contê-los, em benefício de consumidores e investidores.

Atuando como organismo independente, o BC tem plenas condições de conduzir a inflação aos níveis desejados sem distorções artificiais, como os cortes açodados no governo Dilma Rousseff, que depois forçaram uma reviravolta e altas mais dramáticas. Mas o combate à inflação não depende apenas da autoridade monetária brasileira.

O Copom faz bem em prestar atenção à situação nos Estados Unidos e na Europa como um dos fatores que, na expressão usada em seu comunicado, “elevaram a incerteza e a volatilidade”. A inflação nas economias avançadas interfere nas expectativas e nos preços brasileiros. Felizmente, depois de demonstrar inesperada resiliência, também ela começa a ceder. No dia seguinte à divulgação do IPCA no Brasil, saiu a inflação americana de março. Lá também houve queda, para 5% em 12 meses (ante 6% em fevereiro). Foi o índice mais baixo desde maio de 2022. Tal resultado animou os mercados no mundo todo e derrubou o dólar no Brasil.

A boa notícia de queda na inflação não significa necessariamente que o BC americano relaxará a política monetária. O Fed já elevou as taxas nove vezes desde março de 2022 e ainda se espera um novo aumento antes que Jerome Powell e seus diretores deem um tempo. O FMI recomenda que as autoridades monetárias não relaxem no aperto dos juros, mesmo diante dos problemas inevitáveis no mercado de crédito e da insolvência de algumas instituições financeiras. O cenário inflacionário global será determinante para a resposta do BC brasileiro.

Diversos estudos em ciência política comprovam a associação entre alta na inflação e queda na popularidade presidencial. Portanto, em meio à confusão e incerteza que Lula tem disseminado com suas decisões sobre política econômica — incluindo suspensão de privatizações, revisão do Marco do Saneamento e da Lei das Estatais, intervenção na Petrobras e novas balizas fiscais —, os números deixam evidente um fato: por ironia, nenhum ministro tem feito mais pelo governo Lula que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao conter a inflação.

Endurecimento de regras para culto à violência em redes sociais é oportuno

O Globo

Twitter e outras plataformas eram reticentes a bloquear conteúdos que incentivam massacres em escolas

O Ministério da Justiça e Segurança Pública editou uma portaria oportuna endurecendo as regras para plataformas digitais que veiculam conteúdos de estímulo ao ódio e à violência, como apologia a massacres em escolas. Quando cobradas, essas empresas agem com arrogância, como se não tivessem responsabilidade pelo que veiculam. Evidentemente têm. Diante dos episódios de horror nas últimas semanas, todo esforço precisa ser feito para barrar a onda de atrocidades tramadas via internet.

Pela portaria, que valerá até o Congresso legislar sobre o tema, as plataformas terão de atender à solicitação das autoridades para retirar do ar imediatamente conteúdos violentos ou ilícitos. Caso se recusem, estarão sujeitas a inquérito administrativo para apurar responsabilidade. Em casos extremos, poderão ser multadas em até R$ 12 milhões ou bloqueadas.

Embora seja essencial responsabilizar as plataformas, tudo deve se dar nos limites da lei, tendo o Judiciário como Poder decisório, se provocado pelo Ministério Público ou pelos ofendidos. Não é saudável para nossa democracia que a tarefa caiba a órgãos do Executivo, tampouco que isso ocorra fora dos parâmetros legais. É o que parece acontecer quando a portaria dá, sem previsão na lei, poder de moderação de conteúdo à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Do outro lado da balança, está a liberdade de expressão, também essencial à vida democrática.

Feita a ressalva, é fundamental agir antes de a barbárie se concretizar. Estudos mostram que os ataques a escolas costumam ser planejados, anunciados e compartilhados em comunidades extremistas. Daí a importância da colaboração das plataformas. Até agora, a resposta delas foi decepcionante. O Twitter, a mais resistente, só começou a retirar do ar conteúdos extremistas depois que a portaria entrou em vigor.

Em menos de um mês, o Brasil foi sacudido por ataques trágicos a estabelecimentos de ensino, que resultaram na morte de uma professora, quatro crianças e em pelo menos 14 feridos em São Paulo, Santa Catarina, Goiás e Ceará. O “efeito contágio” costuma ser mais presente nas duas primeiras semanas depois dos ataques, por isso é preciso atenção máxima para evitar propagar a barbárie (os veículos do Grupo Globo têm seguido as normas mais restritivas a respeito).

Aproveitando o clima, inescrupulosos tentam semear o medo entre estudantes, pais e professores, espalhando nas redes ameaças e boatos. Esses irresponsáveis também têm de ser punidos. Mas é preciso agir com sensatez. Embora traumáticos e preocupantes, massacres em escolas são episódios localizados. Considerando os números dos últimos 20 anos no Brasil, as chances de um atentado numa escola são inferiores a uma em 10 mil. Claro que não dá para relaxar, mas o pânico não ajudará em nada. O que governos, plataformas digitais e sociedade precisam fazer é agir para barrar no nascedouro o discurso de ódio e culto à violência, antes que atinja seu objetivo macabro.

Gasto subestimado

Folha de S. Paulo

Revelação de manobra do governo reforça dúvidas sobre projeções para o déficit

Já havia dúvidas sobre as projeções do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o resultado das contas do Tesouro Nacional neste ano, que parecem algo otimistas em demasia. Agora, reportagem desta Folha reforça essa impressão.

Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), descobriu-se que a área econômica alterou, antes da divulgação oficial, as estimativas para o gasto com os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), obtendo uma cifra menor —e menos realista.

A manobra consistiu em encomendar um novo cálculo da despesa ao Ministério da Previdência, que considerasse o atual valor do salário mínimo, de R$ 1.302 mensais. A área técnica da pasta havia feito sua previsão já considerando que o mínimo será elevado a R$ 1.320 a partir de maio.

Com essa única penada, foi reduzido o desembolso previsto —e o déficit esperado nas finanças do governo— em R$ 7,7 bilhões.

O artifício contribuiu para que a revisão bimestral do Orçamento de 2023, publicada em março, trouxesse projeção de rombo de R$ 107,6 bilhões. O número ainda é elevadíssimo, mas bem inferior aos cerca de R$ 230 bilhões da lei orçamentária aprovada pelo Congresso e mesmo aos R$ 120 bilhões até então citados por autoridades.

O governo Lula não viola nenhuma lei com tal procedimento, mas se arrisca a dificultar a busca por credibilidade da política fiscal. As administrações petistas têm um triste passado de manipulação de números e até de balanços contábeis —neste caso, resultando no impeachment de Dilma Rousseff.

Se nada de tão grave ocorre agora, cumpre observar que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete um déficit ainda menor neste ano, mais próximo dos R$ 50 bilhões (0,5% do Produto Interno Bruto), e equilíbrio das contas já em 2024, o que desperta considerável ceticismo entre analistas.

Anuncia-se que esses resultados serão obtidos com aumento da arrecadação tributária, o que também parece bastante otimista. Caso não se consigam todas as receitas imaginadas, haverá disposição do Planalto para cortar gastos públicos na proporção necessária?

Note-se que a despesa previdenciária, ora subestimada nas projeções oficiais, é de natureza obrigatória. Vale dizer, o governo não tem escolha além de pagar aposentadorias e outros benefícios conforme os ditames constitucionais. Cedo ou tarde, portanto, o valor correto, com o salário mínimo de R$ 1.320, será conhecido de todos.

Para manter o gasto total do Tesouro na dimensão estimada, será preciso fazer cortes em outras áreas, como investimentos. A alternativa é elevar os dispêndios e a carga tributária além do previsto.

CFM em negação

Folha de S. Paulo

Oposição ao aborto por telemedicina desconsidera ciência e desigualdades do país

O aborto é permitido no Brasil apenas quando a gravidez decorre de estupro, coloca em risco a vida da mulher ou é de feto anencéfalo.

Mas, mesmo nessas situações, gestantes têm dificuldades para exercer o direito, e médicos enfrentam barreiras para auxiliá-las.

O Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais abriu processo contra a ginecologista Helena Paro, que atua no Hospital de Clínicas de Uberlândia, para investigar o uso da telemedicina em aborto medicamentoso —que se dá quando a paciente toma o remédio (misoprostol) e vai para sua residência, de onde é monitorada pela internet ou pelo telefone.

O caso baseia-se numa portaria do Conselho Federal de Medicina de 1998, segundo a qual o medicamento só pode ser comprado e usado por hospitais cadastrados.

Contudo os procedimentos realizados por telemedicina têm respaldo em norma da Anvisa, de 2020, que permite o uso remoto de todas as drogas da chamada lista C —onde se enquadra o misoprostol.

Durante o governo Jair Bolsonaro (PL), notoriamente contrário ao aborto, o mesmo CFM e o Ministério da Saúde emitiram notas e ofícios apontando efeitos adversos graves decorrentes do uso do medicamento fora do ambiente hospitalar. Mas tal discurso revela negacionismo científico.

Pesquisa britânica que analisou mais de 50 mil procedimentos verificou alto índice de sucesso (98,2%) e percentual ínfimo de efeitos colaterais graves (0,04%). A Organização Mundial da Saúde (OMS) atesta a segurança do aborto medicamentoso e recomenda a prática remota —útil sobretudo em regiões mais pobres.

Esse, por sinal, é um problema enfrentado no Brasil. Há desigualdades regionais na cobertura do SUS em diversas áreas e, em relação ao aborto, a distorção é patente.

Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina verificaram, em 2019, que os 290 estabelecimentos que realizavam aborto legal estavam em apenas 3,6% dos municípios. Essa disparidade e a pandemia levaram o Hospital de Clínicas de Uberlândia a oferecer o serviço monitorado a distância.

Não faz sentido que o CFM vá contra as evidências científicas e a realidade desigual brasileira.

O Ministério da Saúde, livre do negacionismo bolsonarista, já revogou portarias que dificultavam o aborto legal. Espera-se que normatize a prática por telemedicina, por razões de saúde pública.

Baixar os juros não é tão simples

O Estado de S. Paulo

Recuo da inflação sugere que há espaço para reduzir a taxa básica, mas BC ainda está reticente, pois o governo precisa dar sinais mais claros de compromisso com equilíbrio fiscal

A inflação brasileira mostra tendência de desaceleração, segundo indicam os números oficiais e também as previsões de economistas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi em março de 4,65% em termos anuais, o que significa que voltou a ficar dentro da meta oficial considerando-se a margem de tolerância, que vai de 1,75% a 4,75%. Além disso, a primeira prévia deste mês de abril do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) teve a maior queda desde o Plano Real: houve deflação desse outro indicador de 0,90% e em 12 meses o índice está agora apresentando uma queda de 2,12%.

Isso certamente deve aumentar a pressão sobre o Banco Central (BC) para reduzir os juros, como cobra, todos os dias, o presidente Lula da Silva. Afinal, os juros foram elevados e mantidos nesse patamar em razão de uma perspectiva de alta da inflação. Mas a coisa não é tão simples quanto Lula gostaria.

Para que os juros sejam reduzidos, não basta que as projeções indiquem o recuo da inflação. A decisão sobre o nível da taxa básica depende de outros fatores, em especial do compromisso do governo com o equilíbrio fiscal. E isso ainda não está muito claro, a despeito do entusiasmo de muitos com o novo regime fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

É de todo desejável que os juros caiam. Na sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve em 13,75% a taxa Selic, que serve de base para a definição de juros no País. É a segunda taxa nominal mais elevada do mundo, só perdendo para os juros estratosféricos reinantes na combalida Argentina.

São consistentes os sinais de aperto no crédito, e já há quem veja uma crise mais grave avizinhando-se. Empreendedores em geral, grandes e pequenos, se queixam de que não conseguem financiamento a um custo que não seja proibitivo. A inadimplência dos consumidores segue muito alta. Todas as projeções sobre o desempenho da economia brasileira sugerem um cenário de baixo crescimento neste e nos próximos anos. Para um país que está estagnado há mais de uma década, não é algo aceitável.

Se os juros altos são causa principal dessa perspectiva sombria, são também consequência da tolerância do governo à inflação, que não é de hoje: na gestão de Jair Bolsonaro, a inflação turbinou as receitas do Tesouro, ajudando a melhorar as contas, enquanto esfolava os pobres e a classe média; o governo de Dilma Rousseff, por sua vez, deu de ombros à inflação ao proclamar que “gasto é vida”, fazendo da irresponsabilidade fiscal sua estratégia de crescimento – o resultado, todos sabem, foi a pior recessão da história nacional. Como Lula da Silva não renegou Dilma, isto é, não reconheceu o desastre de sua pupila, é natural que a autoridade monetária ainda desconfie da disposição do atual governo de restabelecer a racionalidade na administração das contas públicas, a despeito dos genuínos esforços do ministro Haddad.

O Banco Central, como tem enfatizado seu presidente, Roberto Campos Neto, considera que a queda da inflação em março é apenas um dado a mais a ser levado em consideração nas decisões sobre a taxa Selic. Em conversas durante a assembleia do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington, comparou a taxa Selic a um tratamento com antibiótico aplicado ao paciente – a economia brasileira. “Se você parar no meio do tratamento só porque você tem os primeiros sintomas mais positivos, você pode perder todo o efeito”, disse.

O BC tem deixado claro em seus comunicados após as reuniões do Copom que prefere olhar para os dados no âmbito de um “horizonte relevante”. Ou para citar o texto do comunicado, “o Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente. (….) O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual”.

Trocando em miúdos, a bola está com o governo, que deve mostrar respeito pelos fundamentos econômicos, sem flertar com experiências heterodoxas e populistas que, a título de impulsionar o desenvolvimento do País, ameaçam condená-lo de vez à mediocridade.

Militares estão sujeitos à lei e ao poder civil

O Estado de S. Paulo.

O depoimento de 3 generais e mais 78 militares sobre o 8 de Janeiro reafirma valores da República. Todos são iguais perante a lei. O poder militar está submetido ao poder civil

No dia 12 passado, a Polícia Federal (PF) ouviu em Brasília o depoimento de 3 generais – os generais de divisão Carlos José Russo Assumpção Penteado e Carlos Feitosa Rodrigues e o ex-comandante militar do Planalto Gustavo Henrique Dutra de Menezes –, além de outros 78 militares. Eles depuseram na condição de testemunhas, e não de investigados. A Operação Lesa Pátria apura eventual conivência e participação de integrantes das Forças Armadas nos crimes cometidos no 8 de Janeiro. Segundo a PF já havia afirmado, existem indícios de “possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial”, na invasão das sedes dos Três Poderes.

A oitiva de testemunhas é parte habitual do inquérito policial e não envolve nenhuma atribuição de responsabilidade em relação a quem foi convocado a depor. De toda forma, o que ocorreu na quarta-feira passada reafirma um ponto essencial do Estado Democrático de Direito: o poder militar está submetido ao poder civil. Por exemplo, o general Gustavo Henrique Dutra de Menezes foi ouvido durante sete horas, tendo sido questionado, entre outros temas, sobre a declaração, feita por coronéis da Polícia Militar, de que o Exército teria impedido o desmonte do acampamento de manifestantes bolsonaristas em frente ao Quartel-General, em Brasília.

Nesse fato aparentemente corriqueiro – a oitiva de testemunhas militares numa investigação criminal conduzida pela Polícia Federal –, reitera-se um princípio fundamental da República. Todos são iguais perante a lei. Não há exceções, não há privilégios. Igualmente submetidos ao poder civil, todos têm de respeitar a lei.

A oitiva dos militares na Operação Lesa Pátria é consequência direta do que estabelece a Constituição de 1988 e vem sendo reiteradamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe à Justiça comum julgar eventuais crimes praticados por militares. Com competência restrita, a Justiça Militar julga apenas “os crimes militares definidos em lei”, tal como prevê o texto constitucional.

Em fevereiro, aplicando a jurisprudência do STF, o ministro Alexandre de Moraes afirmou a competência da Corte para processar e julgar os crimes ocorridos no 8 de Janeiro, “independentemente de os investigados serem civis ou militares”. A não diferenciação entre civis e militares foi uma decisão correta, preservando a igualdade de todos perante a lei.

A oitiva dos militares pela PF não é nenhuma afronta à autoridade das Forças Armadas, tampouco significa alguma forma de revisionismo histórico. Não se está discutindo a história, muito menos a Lei da Anistia. A Operação Lesa Pátria investiga crimes praticados em 2023 ou que tiveram seu desfecho em 2023. Ou seja, trata-se apenas da aplicação da lei vigente no Brasil, sem fazer distinções antirrepublicanas.

Reafirmando que os militares foram ouvidos na condição de testemunhas, o Exército comunicou que eles foram instruídos a colaborar com as investigações dos órgãos competentes. Fez bem o Exército. Afinal, no Estado Democrático de Direito só existe essa possibilidade. Todas as pessoas, especialmente os funcionários públicos, têm o dever de colaborar com as investigações realizadas pelos órgãos estatais. Não cabe nenhuma outra atitude. Eventual ordem para dificultar em alguma medida as investigações seria ilegal e com possíveis consequências penais.

Os atos do 8 de Janeiro foram gravíssimos e merecem a mais rigorosa apuração, investigando não apenas os militares, mas também seus eventuais mandantes. O que aconteceu em Brasília no segundo domingo de 2023 foi a negação da liberdade e da convivência pacífica – o uso da violência para afrontar os Poderes constitucionalmente constituídos. A melhor resposta que se pode dar a esses eventos bárbaros é o cumprimento da lei, com o respeito às competências judiciais e o funcionamento republicano das instituições, sem fazer distinções de pessoas, com privilégios ou com perseguições ideológicas.

MPE dá parecer para tornar Bolsonaro inelegível

O Estado de S. Paulo.

É direito dos cidadãos conhecer as alegações do Ministério Público Eleitoral para tornar Bolsonaro inelegível

O Ministério Público Eleitoral (MPE) se manifestou pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro ao apresentar suas alegações finais na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) movida contra o ex-presidente pelo PDT. Este jornal não esperava outra posição do parquet, haja vista que essa Aije – apenas 1 dos 16 processos que correm contra Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – diz respeito ao infame circo montado pelo ex-presidente diante de embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, para mentir sobre a integridade do sistema eleitoral e fazer o Brasil parecer uma republiqueta pouco confiável.

Além de desonrar o País perante representantes da comunidade internacional, Bolsonaro cometeu abuso de poder político de modo tão escancarado que a mera ideia de o MPE não enxergar que um crime eleitoral havia sido praticado com aquela pantomima seria algo inconcebível. Nesse sentido, o MPE não fez mais do que sua obrigação como instituição de defesa do regime democrático e da ordem jurídica.

Mas, se está claríssimo que um crime eleitoral foi cometido por Bolsonaro, e pelo qual ele deve ficar inelegível pelo prazo de oito anos, ainda não se conhece o teor das alegações finais do MPE e da defesa, além de outras informações processuais. É um absurdo.

Por determinação do ministro relator, Benedito Gonçalves, o processo está sob sigilo “provisório”. O ministro acolheu um pedido da defesa de Bolsonaro, que, também em alegações finais, argumentou que “não há provas” da ligação do ex-presidente com a chamada “minuta do golpe”, o esboço de um decreto encontrado na casa do ex-ministro da Justiça, o bolsonarista Anderson Torres, que previa intervenção federal no TSE a fim de desqualificar o resultado da eleição de 2022. Por decisão do ministro Gonçalves, o documento encontrado na casa de Torres, ora preso no Distrito Federal, foi incorporado à ação eleitoral interposta pelo PDT.

Não há razão objetiva que justifique a manutenção do sigilo sobre o conteúdo desse processo no TSE. Todos os atos processuais, por regra, devem ser públicos, exceto quando o interesse público ou social exigir o contrário. As hipóteses estão muito bem definidas pelo Código de Processo Civil (processos que tratam de casamento, divórcio, separação de corpos, união estável, alimentos e guarda de crianças e adolescentes).

Ora, no caso específico do processo eleitoral contra Bolsonaro, o interesse público estará resguardado justamente com a publicidade da ação. Sem constrangimento, Bolsonaro humilhou a sociedade e demonstrou profundo desprezo pelo Brasil ao sobrepor seu interesse particular – a permanência no poder – à imagem do País no exterior. O estrago só não foi maior porque a grande maioria dos diplomatas estrangeiros sabia muito bem com quem estava lidando e sabia o que Bolsonaro pretendia com suas investidas contra o sistema eleitoral.

Como aos cidadãos, agora, não é dado conhecer em detalhes um dos processos que mais interessam ao País, o que pode definir o destino político de um de seus maiores detratores?

Sinais de redução da taxa da inflação se acentuam

Valor Econômico

Os fatores de baixa podem se sobressair nos próximos meses, se a política econômica do governo não for desastrada

O IPCA de março foi uma boa surpresa e deu sinais mais claros de que a inflação caminha para uma redução consistente, embora sua trajetória ainda passe longe da margem superior de variação da meta (4,75%). No primeiro trimestre ampliou-se a surpresa inflacionária positiva, isto é, IPCA abaixo da estimativa de curto prazo do Banco Central, para -0,56 ponto percentual. Nos doze meses encerrados em março, o índice recuou de 5,65% para 4,65%, encaixando-se, pela primeira vez, desde janeiro de 2021, dentro da banda de variação da meta. Valorização importante do real e queda dos preços das commodities, se mantidas, podem acelerar a desinflação.

Com um pouco de sorte o Banco Central poderá começar a reduzir os juros antes de novembro. Se isto ocorrer, não terá nenhuma relação com a pressão politicamente motivada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seu staff para a redução da Selic. Dado o desempenho atual da inflação, os juros terão de ser mantidos por mais tempo. Um dos motivos para isso, entre outros, é o comportamento dos núcleos de inflação. Eles apresentaram recuo importante em março ante fevereiro, de 8,44% para 7,78% em 12 meses, mas ainda assim estão longínquos 4 pontos percentuais da meta de 3,25%. Um outro é que a tendência de curto prazo, expressa pelo IPCA trimestral dessazonalizado e anualizado, não é segura e encontra-se ainda ao redor de 7%, segundo economistas do Santander. (Valor, ontem).

O IPCA em março foi de 0,71%, abaixo da expectativa dos economistas. A alta pode ser atribuída na maior parte ao aumento de preços da gasolina e da energia, frutos de ajustes de impostos com data marcada. A gasolina subiu 8,33%, tornando a variação dos custos dos transportes responsável por 60% da variação do índice. A energia subiu 2,23%. Excluindo-se estes itens, o IPCA teria subido apenas 0,25% no mês.

Indicações positivas apareceram na decomposição do índice. Os preços livres tornaram-se bem comportados (0,18% ante 0,84% no mês anterior), assim como os bens industriais, que durante algum tempo apresentaram altas expressivas (recuo de 0,54% para 0,27% em março). Mais relevante, o setor de serviços, o último a se recuperar da pandemia e o mais renitente na alta de preços, variou 0,25% no mês passado, ante aumento muito superior, de 1,41%, em fevereiro. Os serviços subjacentes, que são mais sensíveis à conjuntura, aumentaram 0,35%, ante 0,55% antes (cálculos da MCM Consultores).

A gangorra dos preços pregará uma peça em breve. Supondo-se que o BC acerte na previsão dos IPCA mensais até junho (em março errou para mais em 0,15 ponto), a inflação em 12 meses chegará em junho em 3,3%, praticamente no centro da meta. No entanto, não terá chegado a hora do afrouxamento monetário. Julho, agosto e setembro de 2022, que passarão a entrar na conta, foram meses de deflação. Mesmo que o IPCA seja zero nesses meses, ele subirá 1,23% no período, jogando-o novamente no teto de variação, faltando ainda três meses para fechar o ano.

Há sinais de que o cenário possa se tornar mais favorável à queda de preços. O IPCA ultrapassou dois dígitos por um ano em parte devido à dobradinha inusual de commodities e dólar em alta, quando o normal é variarem em sentido contrário um ao outro. Pois agora, no primeiro trimestre, ocorre a mesma coisa, com movimento inverso. O dólar se desvalorizou 7% no ano. Os preços das commodities caíram 6,83% no trimestre encerrado em março. Os preços da energia desabaram, provocando redução da inflação também nos países ricos, como mostram os mais recentes índices divulgados. No trimestre, o recuo é de 25,2% e de 34,5% em doze meses.

Além disso, a elevada inflação dos alimentos (7,29% em 12 meses) deve arrefecer bastante, com a supersafra agrícola a caminho. O IBGE divulgou ontem nova estimativa, com aumento de 13,5% em relação à colheita anterior, em um total de 300 milhões de toneladas.

Na decomposição feita pelo BC do IPCA de 2022, de 5,79%, a inércia inflacionária teve o maior peso (2,74 pontos) e ela tende a ser menor agora. Em seguida vieram as expectativas, (1,2 ponto) que também podem cair, como ameaçam, depois que o governo apresentou o novo regime fiscal. O hiato do produto, que joga contra a inflação (-0,45 ponto) está se ampliando, pois a economia está desacelerando. No cenário de riscos do BC, os fatores de baixa podem se sobressair nos próximos meses, se a política econômica do governo não for desastrada.

 

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