sexta-feira, 21 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

CPMI do 8 de Janeiro nada tem a acrescentar

O Globo

PF, PGR e STF têm sido competentes na investigação e no julgamento dos acusados de agredir a democracia

O pedido de demissão do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, depois da divulgação de vídeos em que ele é visto no Palácio do Planalto durante a invasão de 8 de janeiro, tornou praticamente inevitável a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos golpistas. A base do governo, até então contrária à ideia, mudou de opinião depois do episódio, que abriu mais uma crise no governo Luiz Inácio Lula da Silva, com menos de quatro meses de mandato.

Criar a CPMI para apurar responsabilidades pela violência antidemocrática é direito dos parlamentares, em especial da minoria. Mas ela nada terá a acrescentar. Claro que tudo tem de ser apurado. Só que isso já vem sendo feito desde 8 de janeiro. Não tem cabimento usar o episódio para justificar uma CPMI que não serve para nada, a não ser investigar o que já é investigado.

Polícia Federal (PF) e Procuradoria-Geral da República (PGR) têm feito um trabalho competente para identificar participantes, financiadores e incentivadores dos atos golpistas, além de apontar autoridades que se omitiram ou colaboraram. As operações Lesa Pátria, da PF, não param de prender acusados. O Judiciário também tem feito a sua parte. No STF, ministros já formaram maioria para tornar réus cem denunciados pela PGR.

A partir de agora, haverá nova coleta de provas, depoimentos e interrogatórios, passos essenciais para responsabilizar os que protagonizaram um dos episódios mais nefastos da história do país. Aplicar a lei, punindo os responsáveis pelo atos antidemocráticos, é a melhor forma de impedir que eles se repitam. Os riscos não cessaram. Mas tudo precisa ser feito sem açodamento ou revanchismo, de modo a centrar o foco em quem realmente tramou o golpe. Para isso, serve a investigação.

Apesar da histeria que tomou conta dos petistas, as imagens do circuito interno que levaram à saída do general Gonçalves Dias nada provam. Os vídeos o mostram caminhando ao lado de golpistas no andar do gabinete da Presidência e abrindo uma porta para que invasores se afastem. Numa cena, um integrante do GSI dá água aos golpistas e não intervém quando um dos vândalos carrega um extintor de incêndio.

Dias alegou ter entrado no Planalto depois da invasão. Disse que agia para retirar os extremistas e levá-los ao segundo andar, onde seriam detidos. É uma explicação plausível, que só a perícia detalhada das imagens e outras provas podem confirmar. Mas, do ponto de vista político, as imagens são comprometedoras antes da investigação.

Nesse cenário confuso, a instalação de uma CPMI não passa de diversionismo. A intenção não é apurar nada, apenas tumultuar um ambiente já conturbado. Muitos parlamentares sustentam a tese ridícula de que o governo forjou o próprio golpe para se fazer de vítima. Claro que a questão não é a CPMI em si. Investigações parlamentares podem prestar serviços relevantes, mas a maioria não dá em nada.

Melhor seria se os parlamentares se ocupassem de pautas urgentes para o Brasil, como a votação do novo arcabouço fiscal ou da reforma tributária. Inúmeras outras agendas relevantes dependem dos deputados e senadores. Armar um circo com uma CPMI feita sob medida para desviar a atenção do que realmente importa pode até atender a interesses políticos imediatos, mas será péssimo para o país.

Nova lei europeia torna ainda mais urgente combate ao desmatamento

O Globo

No segundo semestre de 2024, países da UE passarão a comprar apenas produtos com garantia de origem

Em dezembro de 2018, antes da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, diversos exportadores fizeram chegar a ele sua preocupação com ameaças europeias de boicote a produtos agrícolas brasileiros por causa do avanço do desmatamento na Amazônia. Não foram ouvidos, a devastação quebrou recordes sucessivos — e Bolsonaro não se reelegeu. Agora o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá de lidar com as consequências.

O Parlamento Europeu aprovou na quarta-feira o veto à importação de produtos de áreas desmatadas ilegalmente a partir de 31 de dezembro de 2020, abrangendo a maior parte do governo Bolsonaro. Estão na mira dos legisladores europeus carne, soja, madeira, óleos de palma e soja, borracha e produtos derivados como couro, móveis e chocolate. Os 27 países do bloco europeu terão de cobrar certificados de origem dos produtos principalmente de Brasil, Indonésia, Malásia, Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, México e Guatemala.

Errou quem imaginava que as ameaças de boicote em nome da preservação ambiental e do combate ao aquecimento global demorariam a se converter em ações concretas. Com a aprovação da retaliação contra o desmatamento, a medida passará pelo Conselho Europeu, será publicada no Diário Oficial do bloco, e 20 dias depois começará a contar o prazo de 18 meses para a UE erguer a barreira contra produtos de zonas de desflorestamento ilegal. A previsão é que, no segundo semestre do ano que vem, entre em vigor a Lei de Produtos Livres de Desmatamento.

O governo brasileiro precisa mobilizar não apenas o Ministério da Agricultura, mas também o Itamaraty para prestar auxílio aos exportadores agrícolas. A nova lei é uma vitória do forte lobby dos pequenos produtores rurais, que também rejeitam o acordo comercial Mercosul-UE, por não serem capazes de resistir à concorrência de Brasil e Argentina. Com base nela, tentarão barrar importações de alimentos brasileiros. O contencioso diplomático com a Europa também sofrerá as consequências das declarações desastradas de Lula sobre a guerra na Ucrânia.

Embora a legislação europeia tenha um teor protecionista, suas exigências oferecem uma oportunidade para o Brasil institucionalizar o combate ao desmatamento ilegal. É conhecido o modelo predatório com que o Brasil tem transformado bordas da Amazônia em áreas produtivas. Primeiro, vem a motosserra, depois o gado, por fim campos de soja. Há vários anos, porém, produtores rurais dispõem de técnicas para aumentar a produtividade sem derrubar a floresta. Há também tecnologia para rastreamento dos produtos oriundos de áreas livres de desmatamento. Precisam ser ampliadas as experiências bem-sucedidas de certificação de carne para exportação.

Outro trabalho fundamental é a reativação da fiscalização do Ministério do Meio Ambiente, esvaziada na gestão Bolsonaro, para punir os produtores rurais que trabalham na ilegalidade. Evitar a destruição da Amazônia, do Cerrado ou da Mata Atlântica precisa ser uma política de Estado.

A queda de GDias

Folha de S. Paulo

Demissão do ministro complica a vida do governo e dá alento a bolsonaristas

Caiu o general Gonçalves Dias. Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) até quarta-feira (19), ele pediu demissão após serem divulgadas imagens que lançam novas dúvidas sobre a atuação do órgão durante o ataque antidemocrático de 8 de janeiro.

Não havia meios de o general se manter no cargo, e não são poucos os que se perguntam como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não atinou com isso mais de cem dias atrás. Há muito era sabido que GDias, como é conhecido, comandava uma unidade que, na melhor das hipóteses, revelou-se incapaz de antecipar o assalto tresloucado à praça dos Três Poderes.

A novidade embutida no vídeo da CNN Brasil está no contraste entre o caos gerado por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) e a serenidade com que integrantes do GSI passeiam pelo Palácio do Planalto. São militares que ora assistem inertes ao vandalismo, ora cumprimentam membros da turba ignara, ora lhes oferecem água.

O próprio GDias aparece desfilando pelo terceiro andar do palácio, na antessala do gabinete do presidente da República —em nenhum momento, porém, as imagens sugerem o general em momentos de camaradagem descarada com os criminosos.

Verdade que, como o governo Lula se apressou em dizer, vários integrantes do GSI haviam sido nomeados pela gestão Bolsonaro; vários, para não dizer todos, foram afastados das respectivas funções e estão sob investigação há meses.

Mas isso não ofusca a falta de comando de GDias nem diminui o estranhamento provocado por sua atitude diante das imagens gravadas pelas câmeras de segurança. Ele rejeitou pedido feito pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação e, segundo se divulga, negou-se a entregar a íntegra a Lula —mas o governo divulgou trechos editados da baderna.

Como consequência do episódio, a base governista viu-se forçada a mudar de atitude sobre a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre os atos golpistas.

O colegiado nunca se mostrou necessário, pois as investigações avançam em diversas frentes; no Supremo Tribunal Federal, já há maioria para levar ao banco dos réus nada menos que cem pessoas acusadas de participar do vandalismo antidemocrático.

Além disso, a comissão nunca interessou a Lula. O presidente temia transtornos para sua pauta no Congresso, mas precisou ceder para não fornecer munição a quem imputa ao próprio governo a maquinação dos ataques.

Por mais disparatada que seja, a tese encontra abrigo entre bolsonaristas, e não se pode desprezar o quanto lhes servirá de alento a primeira queda de ministro de Lula.

Negócio da China

Folha de S. Paulo

Trapalhada na tentativa de coibir sonegação mina confiança em planos tributários

Para um governo que pretende elevar a receita pública em mais de uma centena de bilhões de reais ao ano, as primeiras iniciativas não se mostraram promissoras,

Primeiro, foi preciso recorrer a um esdrúxulo imposto sobre as exportações de petróleo, que sangra os cofres da Petrobras, por receio de recompor integralmente a tributação dos combustíveis, que seria impopular ao elevar preços. Agora, uma atabalhoada tentativa de taxar importações de artigos chineses resultou em fiasco.

Antes de estar pronto para tomar uma providência efetiva, o governo anunciou, por meio de diferentes autoridades, a intenção de acabar com a isenção de tarifas para transações de até US$ 50 entre pessoas físicas. A norma, argumentou-se, é aproveitada por empresas chinesas para escapar do imposto sobre compras no exterior, de até 60%.

Em 3 de abril, duas semanas antes de ser obrigado a deixar o plano de lado, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, declarava o objetivo de arrecadar entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões com o enfrentamento do que chamou de contrabando —denunciado também por varejistas brasileiros.

À medida que a ideia se propagava, a repercussão na opinião pública se tornava mais negativa. Tratava-se, afinal, de tributar transações às quais recorrem consumidores pobres e remediados.

Na semana passada, o governo mobilizou até influenciadores aliados nas redes sociais para defender a proposta, que nem sequer havia sido formalizada. Mas haveria mais trapalhadas pela frente.

Dizendo ter recebido explicações de Haddad, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, aventurou-se a dizer a taxação seria sobre empresas, não consumidores —como se não fossem estes a pagar preços mais elevados.

O próprio Haddad, em viagem à China, achou por bem esclarecer que não conhecia a Shein, uma das empresas visadas, mas apenas a Amazon, pela qual, gabou-se, compra ao menos um livro a cada dia. Dias depois, na terça (18), coube ao ministro anunciar que o Palácio do Planalto desistira de pôr fim à brecha tributária.

Restou minimizar danos: o governo fez saber que Janja teria tido grande influência no recuo; enfim apresentado à Shein, Haddad divulgou o que seriam planos da empresa para gerar empregos no Brasil. Para a credibilidade dos objetivos oficiais de arrecadação, porém, não se encontrou paliativo.

Basta de segredos

O Estado de S. Paulo

A crise gerada pelo vazamento de imagens do 8 de Janeiro, que derrubou o ministro do GSI, expõe as consequências da cultura da opacidade. O sigilo generalizado nesse caso é inaceitável

A revelação, pela CNN, de imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto nas quais aparece o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, durante a invasão de bolsonaristas da sede do Executivo no 8 de Janeiro precipitou um turbilhão político. Os trechos divulgados mostram agentes acompanhando Dias no terceiro andar enquanto os invasores circulam sem serem detidos.

O agora ex-ministro alega que atuou para conduzi-los ao segundo andar, onde, com o reforço da PM, as prisões foram realizadas. É plausível, mas, na prática, o estrago político está feito – afinal, desde aquele fatídico dia, os bolsonaristas se empenham em emplacar a tese de que a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes foram facilitadas e lideradas por “infiltrados” do governo e do PT.

No meio político, as versões abundam e se chocam. Membros do governo alegam que os agentes do GSI seriam bolsonaristas e estariam apoiando o vandalismo até a chegada de Dias, homem de confiança do presidente Lula da Silva, para impor a ordem. A oposição reavivou teorias conspiratórias e questionou a parcialidade da Justiça na condução dos processos. Tornou-se insustentável a posição do ministro, que se demitiu, e o governo, antes refratário à instalação de uma CPI sobre o 8 de Janeiro, por temer que se transformasse em ribalta para a oposição, passou a apoiá-la.

Há muitas questões no ar. Se os agentes foram coniventes, por que não foram denunciados pelo ministro? Se o presidente sabia dessa conduta, por que não demitiu todos antes? Por que a Procuradoria-Geral da República não os denunciou e o Supremo Tribunal Federal não os indiciou?

São indagações cujas respostas são urgentes, sem tergiversações, mas isso só será possível se e quando se levantar o sigilo de todas as imagens daquele dia trágico em Brasília, para que sejam escrutinadas pela sociedade. Sem isso, todas as teorias podem fazer sentido, ainda mais quando vêm acompanhadas de imagens cuja autenticidade se desconhece e que podem ter sofrido toda sorte de manipulações.

Tudo isso expõe – in nuce, mas de maneira explosiva – um vício de origem, com todas as suas consequências nefastas: a cultura da opacidade entranhada em Brasília.

Todo poder emana do povo. Os membros dos Três Poderes são mandatários, o povo é seu mandante. E, no entanto, o mandante tem sido mantido no escuro por seus mandatários. Na coisa pública, a transparência é a regra, e o sigilo, a exceção, como está na Constituição.

Por que, então, três meses após as invasões, as cenas registradas pelas câmeras dos Três Poderes ainda não estão disponíveis para exame da população? Pode haver maior interesse público que a verificação dos fatos ocorridos durante o maior atentado à democracia desde o fim da ditadura? Se há trechos que põem em risco a segurança nacional ou dados constitutivamente sigilosos, que sejam mantidos sob segredo, devidamente justificado. Mas, obviamente, eles são exceção. O resto já deveria estar à disposição dos cidadãos.

No entanto, não só as gravações, mas todos os inquéritos são mantidos sob sigilo. E não há meses, mas há anos, já que as investigações sobre o 8 de Janeiro foram incorporadas ao inquérito secreto das fake news aberto em 2019.

Essa situação sombria, além de ser, por princípio, inaceitável, é contraproducente para os próprios Poderes. Governo e Congresso se veem colhidos pela turbulência quando têm pautas importantíssimas a avançar, como o arcabouço fiscal ou a reforma tributária. A Justiça, justamente no momento em que inicia o julgamento dos acusados pelas invasões, é enredada por suspeitas e pressões políticas de todos os lados. Ela está colhendo o que plantou. Mas os frutos são amargos para a população. O sigilo fere justamente o bem que supostamente deveria preservar: a normalidade institucional.

Para resgatá-la, não é preciso mais que seguir a Constituição: a publicidade é a regra. O Brasil não pode ficar refém das versões fabricadas nos desvãos de Brasília. Transparência já!

O vespeiro dos ‘jabutis tributários’

O Estado de S. Paulo

Renúncias fiscais garantem vantagens a setores beneficiados, mas não se sabe se trazem resultados efetivos para o País nem se esses resultados poderiam ser obtidos a custo mais baixo

No anúncio do novo arcabouço fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu que o governo precisa elevar receitas para reduzir o déficit no Orçamento e retomar o equilíbrio das contas públicas nos próximos anos. Segundo o ministro, atingir esse objetivo não requer aumentar a carga tributária, mas enfrentar as renúncias fiscais. O alvo do ministro são as medidas que reduzem a arrecadação da União em favor de um setor ou contribuinte por meio de subsídios, isenções, anistias, desonerações ou créditos presumidos, e que ele tem chamado de “jabutis tributários”.

Entre contemplados por essas medidas, há de tudo um pouco. Estão enquadrados na categoria de gastos tributários o Simples Nacional, os incentivos para as fábricas que se instalam na Zona Franca de Manaus, os benefícios concedidos a entidades filantrópicas, a renúncia de tributação de lucros e dividendos distribuídos a pessoas jurídicas, as remissões concedidas por meio do Refis, a desoneração da folha de pagamento para setores específicos e o Rota 2030. Também integram a lista, entre muitos outros exemplos, as deduções de despesas de pessoas físicas com saúde e educação e a isenção dos itens da cesta básica.

Apesar de todas as restrições e dificuldades orçamentárias, ao menos nesse aspecto o Estado brasileiro tem sido bastante generoso. Ao longo do ano passado, o governo federal abriu mão de R$ 367 bilhões em receitas com os gastos tributários, o equivalente a 4% do Produto Interno Bruto (PIB).

Quem desfruta dessas condições julga merecer o tratamento diferenciado que conquistou, ao passo que os excluídos costumam considerá-las uma verdadeira regalia.

O histórico mostra que, uma vez concedida, dificilmente a benesse é revista. Algumas não têm prazo definido para vigorar; outras são sucessivamente renovadas. A perenidade dessas medidas estimula uma prática perniciosa. Os setores costumam pedir benefícios ao governo federal, mas, em caso de insucesso, recorrem ao Legislativo, ambiente em que a defesa do lobby se dá de maneira mais difusa e opaca. Diante do protagonismo que o Congresso conquistou na definição do Orçamento e da própria agenda do País, discutir os gastos tributários tornou-se o mesmo que mexer em um vespeiro. Na teoria, é uma agenda muito fácil de defender. Na prática, é a mais difícil de colocar em prática.

Um exemplo que ilustra essa situação é a Emenda Constitucional 109/2021. Conhecida por autorizar o pagamento de um auxílio emergencial a vulneráveis no segundo ano da pandemia de covid-19, ela estabelecia, também, uma obrigação ao governo: elaborar um plano de corte de gastos tributários com vistas a reduzi-los de 4% para 2% do PIB ao longo de oito anos. Como muitas outras metas anunciadas pelo ministro Paulo Guedes, esse compromisso ficou no papel, desmoralizando o governo Jair Bolsonaro e a própria Constituição.

Nada disso, no entanto, deve ser motivo para o governo de Lula da Silva não encampar esse necessário desafio como um plano de remodelação do Estado. Para isso, será preciso aprender com os erros cometidos no passado e não apostar em estratégias que já fracassaram. Nesse sentido, mais do que simplesmente calcular os custos dessas medidas e expor os favorecidos para isolá-los, o governo seguiria um bom caminho se se dedicasse a ir além do mérito de cada setor e levantasse o que essas políticas têm trazido ao País em termos de crescimento do PIB, geração de empregos, redução de preços e benefícios aos que realmente dependem do Estado para sobreviver.

Passou da hora de o governo fazer uma análise realista sobre o custo-benefício dessas medidas, com base em dados concretos levantados pelo próprio corpo técnico do setor público, que tem plena capacidade para fazer este trabalho. Não há dúvida de que essas políticas proporcionam vantagens aos setores abarcados. A questão é se trazem, também, resultados para o País e a sociedade, e se estes mesmos resultados não poderiam ser atingidos de formas mais transparentes, eficientes e, sobretudo, menos onerosas ao Estado.

Em favor do crédito

O Estado de S. Paulo

Pacote do governo vem em boa hora, diante da escassez de crédito e do alto endividamento

Caminha na direção correta o pacote de estímulo ao crédito lançado pelo governo federal nesta semana, no momento em que a alta dos juros e da inadimplência provocou retração acentuada da oferta de financiamento. Algumas das medidas poderão ser implementadas a curto ou médio prazo; outras precisarão do aval do Congresso.

Em seu conjunto, as medidas podem dar fôlego aos brasileiros endividados e ajudar a deslanchar as tão propaladas Parcerias Público-Privadas (PPPs) de Estados e municípios, que evoluem de forma muito lenta. O mercado de capitais também mereceu atenção com medidas que protegem os acionistas minoritários de eventuais malfeitos de controladores e sócios majoritários. E ainda tenta acelerar a tramitação de normas que mudam a forma de resgate de bancos sem o uso de dinheiro público.

Para os considerados superendividados – as famílias que destinam 50% ou mais da sua renda para pagar juros e financiamentos –, o alívio virá com o aumento do valor do chamado mínimo existencial. A partir da nova regulamentação, nas negociações com credores, a quantia que não pode ser tirada da renda dos cidadãos para o pagamento da dívida salta de R$ 303 para R$ 600, como forma de garantir sua sobrevivência. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de 2022 apurou que 17,6% dos entrevistados se declararam muito endividados. Cerca de 15 milhões de pessoas poderão ser beneficiadas.

Alterações importantes estão sendo propostas no sistema de garantia de crédito. Será possível usar um mesmo bem como garantia de mais de um empréstimo. Se um imóvel for avaliado em R$ 200 mil e R$ 50 mil foram financiados, R$ 150 mil poderão lastrear outras operações. Outra medida possibilita que, ao tomar um crédito, as pessoas deem como garantia os recursos aplicados na Previdência complementar aberta, seguros de pessoas e títulos de capitalização. Cerca de R$ 1,2 trilhão poderá ser utilizado como garantia dessa forma. Também estão previstas a simplificação da emissão de debêntures e a redução de exigências burocráticas na concessão de crédito.

Nem todo o pacote terá que passar pelo crivo dos congressistas – quatro das medidas são infralegais. O governo deverá encaminhar ao Parlamento seis projetos de lei e dá seu apoio formal a três medidas já em tramitação no Congresso. É possível que a implementação das resoluções seja mais rápida do que o usual porque muitas das decisões anunciadas pela Fazenda eram reivindicações antigas do setor bancário (interessado em especial em modernizar o sistema de garantia de crédito) e há grande preocupação nas empresas com a inadimplência dos clientes. Governadores e prefeitos também devem pressionar a favor das decisões que facilitam as PPPs.

É salutar que o governo não tenha se acanhado em manifestar seu apoio a medidas que já estavam no Congresso, enviadas por outros governos, mesmo que eles tenham defendido uma política econômica muito diferente da que se desenha agora na administração de Lula da Silva. Decisões simples que ajudem a melhorar a oferta de crédito, num ambiente de retração, são bem-vindas.

 

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