domingo, 16 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais/Opiniões

Impostos absurdos tornam tudo mais caro no Brasil

O Globo

Episódio dos sites asiáticos serve para comprovar nível escandaloso de taxação que encarece produtos

É preciso reconhecer que o governo está certo ao querer acabar com a sonegação na compra de mercadorias importadas de sites asiáticos como Shein, Alibaba ou Shopee. Não dá mesmo para aceitar a concorrência desleal de empresas que não pagam impostos com aquelas que operam dentro da lei. Mas as medidas formuladas para deter as artimanhas usadas para driblar a fiscalização, anunciadas com um misto de estardalhaço e trapalhada, levantaram uma discussão bem mais relevante: as alíquotas escandalosas dos impostos no Brasil.

Embora o governo diga que o imposto sobre a importação equivale a 60% do valor do produto, a realidade não é bem assim. Os 60% incidem sobre o valor acrescido de frete, seguro e outros elementos — em alguns estados, do ICMS. Como mostrou reportagem do GLOBO, em São Paulo ou no Rio uma blusa importada de R$ 20 pode sair por quase R$ 56, 180% mais cara que o valor anunciado (com 95% em impostos, que incidem também sobre o custo do frete). Em Minas Gerais, a taxação de importados fica em 113%. Isso se os bens não custarem mais de R$ 3 mil. Aí são obrigados ainda a pagar IPI, PIS, Cofins, sobre os quais incidirá a taxa de importação.

A ciência econômica ensina há séculos que deve haver um nível ótimo de taxação, que maximiza a arrecadação do governo sem criar aberrações para o contribuinte. Alíquotas altas demais, como as cobradas no Brasil, incentivam indiretamente a sonegação e o contrabando, impondo um custo adicional para combatê-los, exatamente como o governo tenta fazer agora.

O resultado é óbvio: com impostos tão altos, o empresário tenta repassar esse custo ao consumidor, e o brasileiro paga mais caro por tudo. Em 2010, uma capa da revista Época já questionava: “Por que tudo é tão caro no Brasil?”. Ao comparar preços e níveis de taxação de produtos tão distintos quanto carros, celulares, geladeiras, camisas e batatas fritas em 13 países, a reportagem chegou a uma resposta simples: “impostos, impostos e mais impostos”. Naquele tempo, eram frequentes casos de brasileiros que saíam do país para fazer as compras mais básicas, como enxoval para recém-nascidos. De lá para cá, a única mudança é que essas compras passaram a ser feitas em sites asiáticos. Na comparação internacional, os preços e os impostos cobrados no Brasil continuam em níveis absurdos.

Para o governo, seria perfeitamente possível aumentar a arrecadação de outras formas, taxando de modo mais racional, com alíquotas mais civilizadas. Infelizmente, a reforma do caos tributário brasileiro, para acabar com cobranças em cascata e impor percentuais mais justos, nunca foi levada a sério entre os parlamentares. Mais fácil adotar medidas demagógicas e puxadinhos de conveniência, como regimes especiais de taxação ou isenções destinadas a grupos de interesse que têm força de pressão no Congresso.

O governo faz bem em combater a sonegação. Faria melhor se conseguisse se colocar no lugar do cidadão, obrigado a pagar mais caro por tudo em razão da sanha arrecadatória e de um sistema de impostos irracional, cheio de regras abstrusas. Se há uma lição a tirar das trapalhadas do episódio dos sites asiáticos, é a urgência de uma reforma tributária que seja capaz de tornar os produtos e serviços brasileiros mais competitivos.

País perde competitividade pela condição precária das estradas

O Globo

Produtividade maior na colheita de grãos se esvai nas rodovias esburacadas de trânsito lento e difícil

Nesta época do ano, quando são colhidas as safras de grãos no Centro-Oeste, o Brasil expõe suas graves deficiências na infraestrutura de transporte. Maior exportador mundial de soja, o país obtém altos índices de produtividade da porteira para dentro das fazendas. Mas eles acabam em boa parte anulados pela precariedade das estradas, da porteira para fora.

Reportagem do Jornal Nacional mostrou a situação deplorável de trechos da BR-158, estrada que passa por importantes áreas de produção agrícola conectando o Rio Grande do Sul ao Pará depois de atravessar Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. Há vários pontos de trânsito prejudicado por falta de manutenção. Carretas repletas de grãos são forçadas a trafegar em baixíssima velocidade por causa dos buracos e do asfalto em condições precárias. Isso se traduz em mais custos.

Um estudo da Confederação Nacional do Transporte (CNT) feito em 2022 estimou em 35% o acréscimo nos custos operacionais decorrentes das más condições de conservação nos 73% das rodovias sob administração pública. O transportador consome mais diesel, porque a velocidade média dos caminhões é baixa, gasta mais com manutenção, troca de pneus e seguros. Resultado: o frete pode até dobrar dependendo do estado das estradas.

Isso significa lucro menor para o produtor rural e perda de competitividade no mercado internacional. A comparação entre os custos de produtores agrícolas americanos e brasileiros para exportar comprova a importância da melhoria da infraestrutura de transporte. Enquanto o americano arca com US$ 82 para transportar uma tonelada até Xangai, na China, o brasileiro, na melhor das hipóteses, gasta US$ 120.

O volume das safras brasileiras de grãos tem subido em velocidade superior à expansão da malha de transportes. O grande flanco desguarnecido é a falta de ferrovias e de hidrovias que reduzam a dependência do caminhão. Há projetos em andamento, como a Ferronorte, ligando sul e norte de Mato Grosso até 2030; a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), integrando o Oeste ao Leste, até a Bahia; e a Ferrogrão, conectando áreas produtivas no Centro-Oeste ao Porto do Miritituba, no Rio Tapajós, para escoar a produção pelo Pará.

Mais uma vez, na comparação com os Estados Unidos, o Brasil leva a pior. Enquanto nosso concorrente tem 250 mil quilômetros de ferrovias, o Brasil conta com 30 mil, dos quais 12 mil em operação. É como se tivéssemos parado em 1930. Nem os rios são usados em toda a capacidade: só um terço das hidrovias é usado para escoar safras.

Para evitar que a mesma situação se repita todo ano, é hora de o governo federal atuar na coordenação da infraestrutura de escoamento de safras, com a atração de capitais privados para os investimentos necessários. Foi positivo o anúncio da retomada de concessões rodoviárias. Sem isso, as cenas de caminhões esgueirando-se em lamaçais continuarão a acontecer, enquanto o Brasil deixa de explorar as vantagens de sua produtividade mais alta.

Receita temerária

Folha de S. Paulo

Concentrar ajuste em alta de carga tributária já exagerada é aposta arriscada

O envio ao Congresso do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 confirma que o governo Luiz Inácio Lula da Silva pretende contar com expressiva alta da arrecadação para restaurar o equilíbrio fiscal a médio prazo.

O projeto de LDO estima R$ 172 bilhões em gastos no próximo ano acima do que seria viável na vigência do atual teto inscrito na Constituição, o que dependerá da aprovação da nova regra para a contenção da dívida pública.

De positivo, foi explicitada a meta de zerar o déficit primário (receitas menos despesas, excluídos juros) em 2024 e obter um saldo positivo equivalente a 1% do Produto Interno Bruto em 2026. Tais projeções só se sustentam, contudo, se houver aumento próximo a 1,5% do PIB na coleta de impostos. Trata-se de alta excessiva.

Não deixa de ser um alívio que Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheçam a necessidade de restaurar um superávit que viabilize a estabilização da dívida mais adiante.

Eles se arriscam a fracassar, contudo, ao concentrarem quase todo o plano de ajuste na receita, sem preocupação remotamente comparável em conter despesas.

O Congresso deu repetidas mostras nos últimos anos —sem esquecer da derrota de Lula na tentativa de manter a CPMF no longínquo 2007 —de que não está muito disposto a elevar a carga tributária.

Decerto é meritória a tentativa de fechar brechas legais que permitem evasão fiscal e distorcem a concorrência. Podem-se mirar empresas que faturam no exterior os serviços que prestam no país, entre outros exemplos.

Mesmo isso não é simples, porém, como fica evidente pela confusão em torno da proposta de acabar com a isenção de importações de pequeno valor entre pessoas físicas —de ganho um tanto duvidoso para a arrecadação, diga-se.

Haddad também promete reduzir incentivos fiscais, que cresceram de 2% para cerca de 4,5% do PIB entre 2003 e 2015, ou seja, durante os governos petistas. Nesse universo estão iniciativas como o Simples, voltado para empresas de menor porte, e a Zona Franca de Manaus, intocáveis no Congresso.

Há pela frente ainda as reformas dos tributos sobre o consumo, de difícil aprovação e lenta maturação, e do Imposto de Renda, de teor e resultados incertos, além de politicamente difícil.

Espera-se que o sistema tributário brasileiro se torne mais simples e justo, com maior peso sobre as rendas mais elevadas. Mas a margem para a elevação de uma carga já exagerada, na casa dos 33% do PIB, é estreita. Erros de dosagem podem comprometer a eficiência da economia e reduzir ainda mais o já parco ritmo de atividade.

Sé sitiada

Folha de S. Paulo

Violência no centro de São Paulo resulta da falta de políticas de longo prazo

Uma praça envolta por grades, em contradição com a ideia de espaço aberto ao convívio e descanso dos cidadãos, torna-se um símbolo do fracasso do poder público. Ainda mais se localizada no coração da metrópole paulistana, com o entorno da igreja da Sé transformado em território da violência.

A insegurança em volta do marco zero de São Paulo tem longa história. Não faltam estatísticas recentes: nos dois primeiros meses deste ano, a região da Sé apresentou a maior quantidade de roubos notificados no bimestre desde 2002.

Foram 956 ocorrências. A cada dia, registram-se 16 casos em média. Contudo é lícito supor muitos mais, que as vítimas não denunciam à polícia, na certeza de que a providência resultará em nada.

O fiasco é obra de várias administrações de diferentes matizes ideológicos. A perda progressiva de controle pela prefeitura, responsável por zeladoria e fiscalização de ambulantes, e pelo governo estadual, ao qual compete garantir a segurança pública, fica patente no funcionamento de uma "feira do rolo" nas imediações.

Os ladrões não só têm liberdade para agir como ainda contam com receptadores na mesma área. A instalação de grades móveis, iniciativa da subprefeitura da Sé, facilita a manutenção dos canteiros, mas não importunará os gatunos.

A praça é o epicentro da anomia que se propaga pela região. Na rua Glicério, meliantes arrebentam vidros de carros e arrancam telefones das mãos de motoristas e passageiros. A via tem cerca de mil metros de comprimento, não seria tão custoso policiá-la melhor.

Um pouco mais distante, nos Campos Elíseos, o comércio voltado a motociclistas viu o movimento cair 70% quando uma "minicracolândia" se instalou na vizinhança.

Não há soluções fáceis, já se comprovou, para o complexo fenômeno criminal e de saúde pública que tomou conta do centro paulistano.

Governos se sucedem, no Estado e no município, sem que moradores, turistas, visitantes e trabalhadores da região tenham paz para ir e vir. Passou da hora de abandonar convicções ideológicas que opõem ação social a repressão policial.

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) precisam formatar um plano integrado —com horizontes mais amplos que os de seus mandatos— que mobilize zeladoria, polícias, assistência social e saúde pública para retomar o centro e devolvê-lo à população.

PT, a verdadeira oposição ao governo

O Estado de S. Paulo

Ao defender que não haja travas ao investimento na proposta do arcabouço fiscal, PT não se limita a atuar contra Haddad e boicota as bases do principal projeto do governo

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer limitar a R$ 25 bilhões o bônus para investimentos adicionais que o governo poderá realizar caso haja uma entrada de receitas extraordinárias. A medida deve fazer parte do projeto do novo arcabouço fiscal, cujo texto ainda será apresentado pelo Executivo ao Congresso. Ao impor esse limite, a equipe econômica quer direcionar eventual aumento da arrecadação para a melhoria das contas do governo, de forma a estabilizar a evolução da dívida pública.

Embora a âncora tenha sido recebida com alguma desconfiança por parte dos investidores, haja vista que seu funcionamento dependerá muito do aumento da arrecadação, as críticas mais pesadas à proposta não têm vindo de economistas ou da oposição, mas do próprio Partido dos Trabalhadores (PT). Como revelou uma reportagem publicada pelo Estadão, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), disse que o partido quer que o Ministério da Fazenda reveja sua posição e libere os investimentos de qualquer trava.

Não é a primeira vez que a petista boicota os projetos de Haddad. A deputada, que não hesita em mandar recados públicos para constranger um dos principais ministros do governo que ela apoia, contribuiu diretamente para a manutenção da desoneração dos combustíveis por mais dois meses, algo indefensável sob o ponto de vista político, econômico e ambiental. Agora, Gleisi se arvora como defensora dos investimentos, que, sob seu ponto de vista, não podem ficar sob a mira fiscalista de Haddad. “A defesa do investimento público é uma posição consolidada do PT”, disse a parlamentar.

Há que reconhecer que a deputada sabe se posicionar politicamente. Sabendo da importância dos investimentos públicos para estimular o setor privado e alavancar o crescimento econômico, quem, em sã consciência, seria capaz de defender sua redução? Convenientemente, ao levantar essa discussão, a presidente do PT não menciona que a âncora proposta pela equipe econômica estabelece, também, um valor mínimo de R$ 75 bilhões.

Se o governo não conseguir atingir o piso da meta de superávit primário proposto pelo arcabouço, o crescimento das despesas, limitado a 70% do aumento das receitas, terá de cair a 50%. Essa restrição, no entanto, não poderá atingir os investimentos, que serão corrigidos pela inflação a cada ano, independentemente do que vier a ocorrer.

Na prática, os investimentos foram blindados do alcance do arcabouço justamente para atender aos caprichos do PT, uma concessão nem um pouco banal do Ministério da Fazenda. Como quase 95% das despesas do Orçamento são compostas por dispêndios obrigatórios, o espaço para os gastos discricionários, além de pequeno, é composto basicamente por investimentos. Essa exceção foi, inclusive, um dos aspectos que levaram economistas a questionar a solidez da âncora – e não se trata de má vontade do mercado.

Nos últimos anos, se houve uma despesa sobre o qual o desmoralizado teto de gastos se mostrou implacável, foram justamente os investimentos. Eles foram reduzidos a R$ 42,3 bilhões no Orçamento de 2022, o menor nível da história, para que o então presidente Jair Bolsonaro deixasse intocado o escandaloso orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão.

A não ser que Lula decida fazer reformas estruturais, o que, pelo histórico das administrações petistas, não parece ser o caso, a obtenção de superávits primários dependerá fortemente do aumento das receitas. Para aprovar medidas na área tributária, no entanto, o governo terá de construir uma base forte no Congresso, o que tampouco, por ora, parece ser o caso.

Em vez de fazer esse trabalho fundamental para o governo, o PT conseguiu o feito de deixar escapar o apoio do PDT e do PSB, que passaram a integrar o bloco do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Enquanto isso, a oposição se presta a fazer algazarras em audiências com ministros e produzir cenas que somente agradam a seus próprios seguidores nas redes sociais. Fato é que, até agora, quem melhor tem feito oposição ao governo, ironicamente, é o Partido dos Trabalhadores.

O Brasil vai ao G-7

O Estado de S. Paulo

Com prudência e boa diplomacia, é possível cooperar com as democracias industrializadas sem prejudicar os interesses do Brasil junto a seus antagonistas, como China e Rússia

Após 15 anos, o Brasil foi convidado a participar, em maio, da cúpula do G-7, o grupo das democracias mais industrializadas do mundo. O contraste entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva pesou. Em suas poucas aparições em foros multilaterais, Bolsonaro se destacou por insultar lideranças e gastar tempo papeando com garçons. Lula tem carisma e reputação no campo social, além de saber tocar a corda que soa mais alto no Primeiro Mundo: a causa ambiental. As quatro participações do Brasil foram em seus mandatos e seu prestígio contou para a quinta. Mas superestimá-lo é subverter a ordem dos fatores. O Brasil não irá ao G-7 pela relevância de seu chefe de Estado, mas será representado por seu chefe de Estado pela relevância da Nação.

Ela é a segunda maior democracia do Ocidente, compreende um terço da população da América Latina e quase a mesma proporção de seu PIB. Como potência agrícola e guardiã dos maiores biomas e florestas do planeta, é indispensável para superar dois desafios cruciais: as mudanças climáticas e a segurança alimentar.

Há amplas oportunidades para cumprir, na fórmula do ex-chanceler Celso Lafer, a missão da política externa: traduzir necessidades internas em possibilidades externas. Buscar a derrubada de barreiras comerciais, canais de investimentos, apoio a políticas domésticas de interesse global, como a sustentabilidade da Amazônia e o combate ao narcotráfico, são só algumas delas. Como único representante da América Latina e uma das maiores economias emergentes, o Brasil tem ainda a responsabilidade de buscar uma governança global mais inclusiva, propondo reformas em mecanismos multilaterais ou consensos regulatórios no ambiente digital, na segurança sanitária ou na ordem geopolítica.

Mas justamente nas questões de maior envergadura há o risco de que os ativos de Lula se convertam em passivos para o Brasil. É fácil prever como seu voluntarismo ideológico e apetite por protagonismo pessoal podem desvirtuar sua diplomacia “ativa e altiva” em ativista e arrogante.

Em termos de valores civilizacionais, não deveria haver dúvida sobre o alinhamento do Brasil em meio ao confronto entre o eixo autocrático sinorusso e a frente democrática euro-americana. Mas Lula deixa muitas dúvidas. O premiê do Japão, que presidirá a Cúpula, enfatizou que a guerra na Ucrânia estará no centro dos debates e antecipou dois pontos que os nortearão: o apelo à desocupação dos russos e o engajamento diplomático em um acordo de paz. Lula se propõe a liderar um “clube da paz”, mas só com relutância condena a invasão russa e tem dado tratamento privilegiado a Moscou em detrimento de Kiev.

O Brasil não precisa abrir mão de seus valores ocidentais para promover seus interesses asiáticos. Mesmo os EUA mantêm vastas relações comerciais com a China. Mas, quando Lula diz que “é com a China que nós temos a maior balança comercial e é junto com a China que temos tentado equilibrar a geopolítica mundial”, mistura temerariamente alhos com bugalhos. Até porque, para ficar na seara econômica, se a China é o maior parceiro comercial do Brasil, a União Europeia (UE) é o segundo e EUA (de longe responsável pela maior parcela de Investimentos Estrangeiros Diretos), o terceiro.

Ambições desmedidas de atuar em conflitos onde o Brasil tem pouco a ganhar e muito a perder podem obliterar possibilidades externas que satisfariam necessidades internas, como o acordo Mercosul-UE ou o ingresso na OCDE – o qual, mesmo a contragosto, Lula deveria ser cobrado a promover. Tanto pior se essas ambições prejudicarem áreas em que o País tem reais condições de liderar, como o meio ambiente.

É hora de botar a bola no chão. Para isso, o Brasil conta com o aparato profissional do Itamaraty e o norte constitucional que sobrepõe a diplomacia a preferências ideológicas e partidárias. Em alguma medida, o País deve a Lula o retorno à cúpula do G-7. Mas, para que os interesses nacionais sejam elevados nela, o presidente precisará, para ficar nas metáforas futebolísticas, “baixar a bola”.

Boa medida pela liquidez bancária

O Estado de S. Paulo

BC atua corretamente para aumentar a segurança se houver crise no mercado de crédito

Nas últimas semanas, o mundo assistiu, com preocupação, a bancos nos EUA e na Europa enfrentarem sérios problemas de liquidez – chegou-se a temer que a crise se alastrasse. Hoje, a situação parece razoavelmente sob controle, em grande parte pela intervenção das autoridades monetárias americanas e suíças, mas ainda existem dúvidas se as dificuldades foram mesmo superadas.

Foi nesse contexto que o Banco Central (BC) do Brasil deu mais um passo – importante – para tornar mais resiliente e amplo o sistema de linhas de liquidez para os bancos. O processo de reformulação das regras está sendo tocado pelos técnicos do BC desde antes da pandemia e pode se considerar uma coincidência que o anúncio de mais um passo tenha acontecido pouco depois da crise de bancos no exterior, mas é uma coincidência bem-vinda.

O Banco Central assegura que já tem instrumentos para injetar dinheiro na economia, como a liberação de depósitos compulsórios dos bancos, no caso de agravamento da crise no mercado de crédito. Mas o banco considera que isso é desnecessário no momento.

Quando há uma crise de crédito muito séria, os bancos podem recorrer ao BC para levantar dinheiro, evitando-se que a situação piore e afete toda a economia. Esse é um sistema adotado por muitos países, com variações na legislação. Nas últimas décadas, o BC brasileiro adotou como modelo a imposição de depósitos compulsórios elevados – uma parcela do que os bancos recebem em depósitos à vista, a prazo ou de poupança dos seus clientes é obrigatoriamente repassada ao BC. Com isso, forma-se um colchão de liquidez que pode ser acionado em casos de aperto muito severo no crédito. Hoje, o compulsório é de 20% dos depósitos.

A área técnica do BC vem estudando há anos como melhorar o sistema, tornando-o mais ágil. Em março, foi aprovado um aperfeiçoamento das “linhas financeiras de liquidez do Banco Central em moeda nacional, com destaque para a inclusão de cédulas de crédito bancário no rol de ativos elegíveis”, como informa o texto oficial. As cédulas de crédito bancário são títulos emitidos por uma pessoa ou uma empresa em favor de uma instituição financeira e representam a promessa de pagamento em dinheiro decorrente de uma operação de crédito. O BC divulgou uma regulamentação específica sobre os critérios para a emissão e o uso dessas cédulas como instrumento de acesso à liquidez.

Essa medida significa que foi ampliado o número de produtos que podem ser usados pelos bancos como uma garantia para que eles saquem dinheiro do BC nos momentos de crise de liquidez. Numa emergência, os bancos vão oferecer essas cédulas para ter acesso às linhas de assistência de liquidez de mais longo prazo, até um ano.

Como contrapartida, as autoridades monetárias vão liberar os depósitos compulsórios no próximo ano. O efeito imediato é a maior oferta de crédito. Atualmente, com as elevadas taxas de juros reais, as empresas estão com maior dificuldade de obter crédito bancário. As medidas em andamento no Banco Central não terão obviamente impacto no mercado de crédito de hoje, mas estão na direção certa.

 

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