Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Assombra-me a súbita impressão de incesto
(“Fado
tropical”, de Ruy Guerra e Chico Buarque)
Depois de ler os artigos publicados, neste
22 de abril, da jornalista Dora Kramer (“Trancos e barrancos” – Folha de SP) e
do professor Pablo Ortellado (“Nada de bom pode sair do circo da CPMI” – O
Globo), poderia me dispensar de escrever a coluna, enviar aos leitores os
artigos citados e usar para outros fins este sábado de verão resiliente em
Salvador. Acontece que o clima quente, abafado, semanas após findo o verão
oficial, recusa-se a deixar a cidade, também por estar prenhe de nuvens recentemente
formadas na política brasileira. A expectativa de que, a partir do céu da
política, se atire ao mar uma âncora econômica e social para fincar em terreno
firme o barco comum do país, avariado após uma década remando contra a maré, estremece
sob impacto de raios muy amigos, anunciadores de trovões. Raios que exumam receios
de nova tempestade em firmamento antes promissor, até prenunciador, conforme os
mais otimistas, de um chão de estrelas. A reversão de turbina prende o
colunista ao teclado em busca de compreender um pouco mais a cena atual,
inclusive observando vértices entre política e sociedade.
O presidente Lula está em Portugal e por lá ficará cinco dias. Entre as cerimônias, a entrega, no emblemático dia 25, do prêmio Camões a Chico Buarque, homenagem luso-brasileira ao grande artista da nossa mãe gentil. Três dias depois, Chico estará no palco da Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, brindando o seu público progressista com boa música e um provável relato simpático, talvez entusiasmado, do momento ímpar da viagem, em que o presidente terá acertado no cravo depois de passar duas semanas golpeando a ferradura, em matéria de política externa. Nem tudo, contudo, será gentileza a Lula, nessa nova visita. Há visível contraste entre a recepção ali oferecida, em novembro, ao então presidente eleito e a que se desenha, agora, ao presidente efetivo. Noves fora cravos amistosos em recinto fechado e zagueiros russos espinhosos na rua (sejam extremistas empedernidos, ou ucranianos ressentidos), na diplomacia e na política oficial (salvo dribles desconcertantes que a torcida crente espera sempre de seus ídolos) uma polidez mais circunspecta assume o lugar da simpatia de ontem e uma expectativa atenta (para dizer o máximo), o lugar do entusiasmo de anteontem. É de depreciação veloz do capital político e simbólico adquirido nas históricas eleições brasileiras de outubro de 2022 que se fala ao se pensar nos estragos que o que se pode chamar de modo Amorim de fazer política externa causou à imagem de Lula, do governo e a um processo de reabilitação institucional do papel do Itamaraty que, bem ou mal, começou mesmo antes da posse do presidente.
Sem pretender discorrer profundamente sobre
a inserção, no conjunto da política externa do Brasil, do posicionamento
supostamente equidistante do governo brasileiro na guerra de agressão da Rússia
contra a Ucrânia e da ampliação do escopo da viagem do presidente Lula à China
para além do caráter comercial de que se revestia a princípio, nem sobre possíveis
cenários decorrentes dessas atitudes polêmicas, limito-me a constatar o efeito que
todo mundo constata, mesmo quem é do governo, mas não tem posição ideológica
antiocidental: o que seria um negócio da China teve proveito menor do que a
fama (injusta ou não) de país aliado da Rússia. Na percepção do Ocidente isso é
algo próximo a uma imagem de quinta-coluna. Exageros à parte, uma versão mais
branda, mas nem por isso honrosa, é a de um país com uma política externa que
negocia o alinhamento em torno de valores da democracia política e do
pluralismo num leilão de supostas vantagens comerciais.
É inexato dizer que estadistas fazem isso.
O modus operandi, digamos, de barganha pragmática, de Vargas durante a ditadura
do Estado Novo, tinha algum apelo num mundo ainda sem a ONU e o peso que
direitos humanos adquiriram após as experiências do nazifascismo e do comunismo
de estado. Peso depois subestimado, inclusive por governos ocidentais, quando
tomaram, por razões geopolíticas, na contramão da memória sã, distância moral
dos horrores do holocausto e dos gulags e voltaram a chocar ovos afins. Mas peso
reassumido agora, pelo assédio de novos extremismos, xenofobismos, populismos e
racismos às democracias. Fincam-se hoje balizas menos expansivas à noção de realpolitik.
Ignorá-las é erro que Vargas dificilmente cometeria. É tosco fazer pastiche de
sua memória controversa.
Apanhados de surpresa pela desenvoltura de
um assessor empoderado no tique de chanceler de fato, a diplomacia profissional
e o ministro de direito demoram a reagir. Em meio aos estilhaços é difícil esboçar
tentativas de contenção desse voluntarismo. Entre Caracas e Moscou, o altíssimo
assessor, encorajado pelos sonhos de grandeza (que alimenta) do governante, praticou,
no relativo vácuo desse momento de reorganização da diplomacia de Estado, o que
Marco Aurélio Garcia não poderia fazer, há vinte anos, na condição de virtual comissário
do partido, sem que houvesse reação eficaz do Itamaraty.
A viagem a Portugal pode ser, ou não, um
começo de inflexão, uma mudança de rota na política externa. Mas já é
irreversível esse primeiro efeito bumerangue do voluntarismo político sobre as
condições de negociação do que mais importa nesse instante para a política
interna, que é uma pactuação razoável entre governo e congresso sobre a pauta
mais imediata da âncora fiscal, seguida pela da reforma tributária, como também
sobre a governabilidade econômica e social do país, a médio e a longo prazos. A
política externa parece querer dar lições às democracias ocidentais através da cartilha
do Sul global, seja lá o que isso queira dizer, para além das ideologias anti-imperialistas
iliberais. Mas não retém a lição básica que foi o engajamento dos governos
democráticos ocidentais na defesa prática da nossa democracia, recentemente
ameaçada. Naquele processo ficou patente a influência relevante e difusa dos
valores e interesses que os sustentam sobre a sociedade brasileira e sobre atores
cruciais do nosso sistema democrático, revelando-se, mais que afinidades
eletivas, uma interdependência no mínimo tão relevante quanto a soberania de
cada país. Tendo em vista essa realidade e a ser mantido o olho cego da
política externa para com ela, o ministro Haddad e o governo a que serve não
precisarão de inimigos.
A política externa não é o único fio
desencapado. O segundo efeito bumerangue que marca dificuldades políticas do
governo nesse turbulento abril são os ventos conflitivos que partem das
jornadas do MST. Parece claro que o movimento agrega, à sua pauta social
tradicional, uma luta por posições de poder que, no jargão da sua militância,
quer dizer ocupar espaços num governo “em disputa”. Ambas as dimensões estão
envolvidas na querela – que, afinal, praticamente já se resolveu após as
ocupações recentes promovidas pelo movimento - em torno da nomeação dos novos
dirigentes estaduais do Incra. De um lado, é pedir demais a um movimento social
que desista de lutar para acelerar a reforma que é sua razão de ser, porque o
governo eleito precisa retardar a substituição, nesses postos, de quadros
representantes de forças contrárias a ela, ali instaladas no governo anterior,
por depender de seu apoio parlamentar. Por outro lado, a ocupação desses cargos
é guerra de posição no âmbito do Estado, em sentido restrito, travada de costas
para a sociedade civil, dentro da qual o discurso do movimento perdeu força e
prestígio desde sua primeira onda de estatalização, promovida desde há duas
décadas, precisamente quando o PT ascendeu ao governo federal. Privado, a
partir de 2016, dessa condição anfíbia (a não ser em realidades estaduais
politicamente atípicas no período, como a Bahia), o movimento não realizou,
nacionalmente, um “retorno às bases” para tentar renovar o estatuto social de
sua pauta, até porque o progresso do agronegócio alterou a sua base social
objetiva.
O MST experimentou um refluxo durante o
qual, salvo engano, o PT como partido parece ter cumprido mais diretamente,
como pôde, o papel vitamínico que, por uma década, os governos petistas haviam desempenhado.
A estatalização migrou de gabinetes governamentais para maior presença no outro
lado da praça dos Três Poderes. O crescimento de sua representação parlamentar
calibra, agora, as condições do movimento retomar postos governamentais que
considera legitimamente seus por um critério transmitido pela longevidade da
luta e pela urgência social da causa, transcendendo o estrito marco da
representação política e os limites da institucionalidade. Essa seria socialmente
excludente, por definição, daí a naturalização do método de criar conflitos no
limite da lei para negociar sob tensão.
É sob esse pano de fundo que o primeiro
abril do Lula 3 encontra seu leito e seu possível limite. O número de ocupações
foi drasticamente menor que o previsto, mas elas foram politicamente
orientadas. De todas, a de terras da Embrapa, se é por um lado a mais estranha
e menos justificável, do ponto de vista social, por outro é a mais emblemática
do segundo tipo de objetivo que está em jogo. Alvejar um órgão subordinado ao
Ministério da Agricultura, cujo titular pertence à banda da centro-direita da dita
frente ampla, com ligações com o agronegócio, é provocar reação quase
certamente mais dura e escancarar o conflito como exemplar da tese de que se
trata de um governo em disputa. Teste feito, os ganhos imediatos são visíveis.
Além das nomeações no Incra (que não podem ser julgadas simploriamente como
aparelhamento, tendo em vista a relativa diversidade de perfis dos nomeados) e
da iminência de anúncio de um plano de reforma agrária de desenho ignorado e de
também ignorada compatibilidade com o sentido geral da política econômica e
mesmo das políticas sociais do governo, o MST e seus agentes no Ministério do
Desenvolvimento Agrário avançaram na queda de braço interna com o ministro da Agricultura, apesar - ou mesmo
por causa - do insólito caso criado na
Embrapa. À dura nota de repúdio do ministro seguiu-se, em vez de cobertura e
solidariedade governamentais, a aceleração de audiências de vários ministros
com dirigentes do movimento, cuja ação ilegal a nota repudiava. Para completar,
o próprio ministro Fávaro foi convocado a se juntar ao mutirão ministerial.
A quem coube coordenar, nos bastidores,
essa ação coletiva do governo para fazer andar formalmente a pauta de reivindicações
do MST? À Casa Civil, pela missão institucional que lhe cabe quando se adota
uma diretriz explícita de governo? Ou houve, como parece, cooperação informal
do ministro Rui Costa com uma articulação comissarial do seu partido? Sendo
essa a aparência, ainda assim houve resposta proativa em uníssono, não só de
ministérios setoriais. Incluiu ministros palacianos e também o da Fazenda, que
guarda a chave do cofre e lidera, no momento, uma negociação em torno de uma
âncora fiscal num congresso onde há uma forte bancada ruralista, inclusive na
base governista em formação.
Tudo estaria dentro de um script político esperado
e poderia ser interpretado como concretização política, democrática e
republicana, de uma agenda pública de esquerda em diálogo com um movimento
social se esse pudesse ser um governo do PT. Acontece que não pode ser, dentre
outras razões porque sua legitimidade eleitoral liga-se a uma ideia de frente (seja
de centro-esquerda, ou ampla) e sua legitimidade governativa passa por uma base
congressual para a qual essa pauta está muito longe de ser um consenso. Isso
posto, sem juízo de valor negativo sobre políticas públicas tratadas nessa
negociação formal, a informalidade da qual ela nasceu justifica uma restrição
do ponto de vista de uma institucionalidade republicana, além do juízo político
(e para este artigo isso é o que mais importa) de que pode ser também um
bumerangue contra o governo. Se for, comprometerá a premissa eleitoral, qual
seja, a de fazer a pacificação e a reconstrução institucionais como meios de
enfrentar a crise econômica e social do país, fortalecendo, nesse processo, a sua
democracia representativa. No caso de a política externa não sofrer uma
inflexão, o efeito bumerangue sobre o congresso pode vir a médio ou longo prazo.
Já no caso do conflito agrário, está se falando de uma CPI para já. Ao inverso
do que parecem talvez pensar o MST e setores do PT, na presença dessa CPI, uma âncora
de governabilidade econômica terá menos chance de se concretizar favoravelmente
ao projeto que o governo apresentou. E uma agenda social positiva terá menores
chances de passar se o governo não detiver a guerra interna de posições que parece
isolar, no momento, o ministro da Agricultura. Para além do peso econômico do setor
social com que está envolvido na pasta, Carlos Fávaro é senador e correligionário
do presidente do Senado. Seu partido, o PSD, comparte com o MDB um dos grandes
blocos de centro-direita (o outro é o do presidente Arthur Lira), sucessores do
antigo centrão, que disputam protagonismo na Câmara.
Como se os dois fronts comentados já não
fossem guerra bastante, acaba de ser arremessado, do interior do próprio
palácio, um terceiro bumerangue contra um governo que procura um modo de fixar,
no chão do Congresso, a âncora que lançou para si e o país. Com uma CPMI
tornada inevitável pela divulgação de imagens comprometedoras de um ministro
palaciano em cooperação passiva com as arruaças extremistas do dia 8 de
janeiro, a extrema-direita ganha agora chance de diminuir a desmoralização e o
isolamento que sofre, há meses, por aquela sua tentativa tosca de golpe de estado.
Obtendo isso, crescerá o potencial dessa oposição apocalíptica de sabotar a
ancoragem da economia.
Com boa vontade, o bumerangue da política
externa pode ser classificado como erro, o do conflito agrário como
imprudência, mas é difícil achar termo de brandura equivalente para classificar
o estrago causado pela blindagem palaciana, durante três meses, de um militar muy
amigo que não poderia ter chegado a ser ministro e, tendo chegado, reincidiu na
mesma incompetência que apressou, há uma década, sua aposentadoria do Exército.
“GDias”, o general, teve trajetória tão insólita como está sendo a aparente
aposentadoria do ex-ministro da vida pública. Não são evidentes as razões e
circunstâncias pelas quais ele assumiu o comando da antiga VIª Região Militar
quase imediatamente após atuar, por sete anos, na segurança pessoal do atual
presidente da República, em seus dois primeiros mandatos; também não são
evidentes as razões e circunstâncias pelas quais voltou ao palácio, em cargo de
confiança, durante o governo Dilma Rousseff, depois de ter sua carreira militar
abreviada por uma confraternização, enquanto comandante, com policiais
militares que cercavam a Assembleia Legislativa da Bahia numa greve selvagem,
atitude que indignara a própria presidente. E menos ainda evidentes as que o
fizeram retornar agora, apesar da trajetória, em contexto tão delicado de
relação entre militares e o novo governo e, dessa vez, com status de ministro
de uma pasta situada no epicentro dessa tensão.
O governo federal não precisava estar
vivendo o que vive agora. Em janeiro
havia evidências e reflexões suficientes para avaliar, sem exageros ou qualquer
necessidade de CPMI, a parcela moderada de responsabilidade que coube ao novo
comando do GSI no que hoje o ex-ministro chama de apagão do sistema de
inteligência. Uma análise primorosa da jornalista Maria Cristina Fernandes no
dia seguinte às arruaças (“Só falta a Lula tomar posse como
comandante-em-chefe” - Valor Econômico, 09.01.2023), uma matéria altamente
informativa do jornalista Marcelo Godoy (“GSI dispensou reforço de guarda no
Planalto 20 horas antes da invasão de golpistas” – Estado de São Paulo,
12.01.2023) e uma entrevista do
ex-ministro da defesa Aldo Rabelo, concedida ao programa WW da CNN, no dia 11
de janeiro são três exemplos, dentre outros, de uma compreensão mais
qualificada, informada e ponderada dos acontecimentos. Era dito ou sugerido,
com discrição e elegância, que estava se procurando chifre em cabeça de cavalo
quando se atribuía à cúpula das forças armadas responsabilidades pelo ocorrido
no dia 8 de janeiro. E que era torta a narrativa de culpar a estratégia
conciliadora do ministro da Defesa, José Mucio, pela tardança em detectar e
reprimir o golpe. Pelas circunstâncias da transição, poderia haver explicação
razoável para falhas do GSI. Mas nem a referência discreta e cuidadosa de
Rabelo a esse ponto, nem as explícitas informações de Godoy foram valorizadas. Em vez disso, tentou-se atribuir conivência à
cúpula das Forças Armadas, deixando também que pairasse no ar uma impressão de
ingenuidade ou incompetência do Ministro da Defesa. José Mucio deve estar hoje, com razão, mais do
que em paz com o silêncio que guardou. Quando a paciência é conselheira, vale um
dia depois do outro.
O governo poderia ter alegado em seu favor,
com toda a razão, que a estratégia do seu ministro estava dando certo. Havia
mútuo interesse do novo governo e da cúpula militar em dissolver os
acampamentos golpistas e virar a página. O erro crasso dos militares, que poderia
mesmo ser tomado como conivência e até simpatia inicial, foi ter permitido, em
novembro, acampamentos em áreas de segurança nacional. Porém, uma vez
instalados, o desmonte não poderia ser feito “no pau”. Os militares, coniventes
na origem, viraram a chave a partir de quando Lula nomeou Mucio, o maior de
seus acertos nessa área. O terreno foi adubado para ocorrer um esvaziamento
gradual, mas constante e contínuo como, de fato, se verificava. O acampamento
minguava e exatamente por isso a extrema-direita que importa e faz perigo,
vendo o fracasso da tática desmontada pela estratégia de Mucio resolveu armar
um golpe de fora. Toda a inteligência, a infra e a mobilização de gente veio de
fora do acampamento. As centenas de pessoas ainda acampadas foram arrastadas
aos palácios por uma massa três vezes maior. E foram de bom grado, é claro,
pois viram naquele movimento externo a mão da providência que esperavam há
meses.
A estratégia do novo governo, antes mesmo
da posse, criou um obstáculo à extrema-direita, que ela tentou eliminar com um
golpe ou, no mínimo, para, no fracasso dele, haver polarização contínua, sem
apaziguamento. Esse fato positivo da sua conduta não foi salientado pelo próprio
governo. Em vez disso, alguns setores da esquerda tentaram fazer do ministro da
Defesa um bode expiatório para reverter a até ali clara opção de Lula pela
conciliação. Opção posta em dúvida após o 8 de janeiro, quando Mucio passou a
ser reconhecido pelo presidente como um amigo leal que “errou”. Na verdade - é
o que hoje já se admite - erro foi a contribuição dada ao “apagão” da
inteligência pelo receio de deslealdade militar, equívoco apontado no artigo de
Maria Cristina e do qual “GDias” é, por enquanto, um suspeito. Com o início de
um desmonte do GSI sem colocar nada no lugar (até porque isso não poderia ser
feito de modo instantâneo), o palácio e o governo ficaram mais expostos ao
golpe que a extrema-direita tentou dar e agora tenta negar pelo conhecido
método de assassinar fatos e reduzir tudo a uma guerra de narrativas. Para isso
contará agora com uma CPMI, cujo desenrolar foi previsto de modo muito feliz na
frase final do citado artigo do professor Ortellado, a qual sintetiza um
ceticismo que compartilho para com a possibilidade da CPMI, em vez de tentar
embaralhar, ajudar a que cheguem a bom termo as investigações e o processo
dirigidos pela Polícia Federal e o Poder Judiciário: “É muita ingenuidade
acreditar que conseguiremos qualquer dessas coisas com embates televisionados
entre Eduardo Bolsonaro e André Janones”. Essa CPMI é mais um bumerangue com efeitos a
refratar. Missão plenamente possível para os democratas, face à tentativa da
extrema-direita de provar a quadratura do círculo. Mas ao mesmo tempo missão
custosa, cheia de armadilhas, num processo diversionista, inconveniente, para decisões
urgentes e cruciais a tomar, nesta hora, no interesse do país.
xxx
Da análise dos três bumerangues, resulta a comum
conclusão de que, além de prejudicial à sedimentação de instituições e ao
fomento de uma cultura política saudável, trocar práticas de bom governo por improvisos
e ações entre amigos é como cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar. Este
colunista não afirma, de modo algum, que o atual governo é um mero exemplar
desse autoengano suicida. Aqui se mencionou exemplos de bom governo na Fazenda
e na Defesa e certamente os há em outras áreas. Mas está claro que as vacinas
contra improvisos e ações entre amigos precisam ser renovadas. Doses de reforço
devem encontrar o presidente com o braço estendido, na primeira fila.
*Cientista político e professor da UFBa.
Artigo longo e confuso.
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